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Gaslighting: saiba como identificar esse tipo de violência

O gaslighting é uma forma sutil de violência psicológica que pode causar enorme dano emocional - iStock
O gaslighting é uma forma sutil de violência psicológica que pode causar enorme dano emocional - iStock

Redação Publicado em 23/01/2025, às 10h00

Gaslighting é uma forma sutil de violência psicológica, muito frequente em relacionamentos abusivos e que, com frequência, afeta as mulheres. Consiste na tentativa de manipular uma pessoa a fim de forçá-la a duvidar de suas próprias emoções, pensamentos ou memórias. A vítima pode ser tão pressionada a ponto de duvidar de sua própria sanidade mental.

A origem do termo vem de uma peça de teatro e filme de língua inglesa chamados "Gaslight" (À Meia Luz), de 1944. A história, um thriller, trata de um marido que manipula sua esposa para que ela pense que está enlouquecendo.

Os gaslighters – quem pratica gaslighting -mentem e manipulam para distorcer o senso de realidade. Com o tempo, essa tática de controle pode corroer a confiança a ponto de a pessoa não acreditar mais nos próprios instintos e sentimentos. Segundo profissionais da saúde mental, ter a realidade questionada é uma das coisas mais prejudiciais, porque nossa realidade e a maneira como pensamos sobre o mundo é tudo o que temos.

Devido à sua natureza sutil, o gaslighting pode ser difícil de detectar. Aqui, os especialistas apontam os sinais de alerta para essa forma de abuso emocional:

1-Suas lembranças são corrigidas

Você se pega constantemente começando frases com “Ah, pensei que você tivesse dito...” apenas para que a outra pessoa lhe diga que você está errado? Se estão questionando sua memória ou fazendo com que você se questione sobre certos eventos ou narrativas, isso é um grande sinal de alerta. Gaslighting é frequentemente usado para criar confusão e encobrir irregularidades, como um caso ou outros tipos de abuso. É realmente sobre você torcer seu senso de realidade, e é isso que é tão prejudicial.

2-A pessoa nega fatos

Uma maneira infalível de dizer que você está lidando com um gaslighter é se ele negar os fatos que ambos sabem que são verdadeiros. Ele descaradamente lhe dirá que nunca disse ou fez algo – mesmo se você estivesse lá para testemunhar. O objetivo é fazer você questionar sua percepção do que aconteceu. Você pode pensar: “Talvez eu tenha imaginado que disseram isso; ou talvez eu realmente não tenha visto isso - eu apenas pensei que vi”.

3-Sua sanidade é questionada

Outro sinal de alerta: você está se perguntando com frequência se é muito sensível? Um gaslighter responderá às suas preocupações invertendo o problema e sugerindo que há algo errado com você. O resultado é que você perde a fé em seu próprio julgamento. Um gaslighter pode atacar sua família e amigos também, chamando-os de "loucos" ou sugerindo que estão conspirando para acabar com o seu relacionamento. Seu parceiro pode dizer algo como: "Esta é outra ideia delirante da sua irmã?" ou pode envolver as pessoas em quem você mais confia. 

4-Seus problemas são ignorados

Outra técnica clássica dos gaslighters é parar de se comunicar completamente depois de expressar uma preocupação. Em vez de falar sobre os problemas de uma maneira saudável, o que eles fazem é ignorá-los completamente. Você estará bem na frente deles, mas agirão como se você nem estivesse lá. Vão se recusar a falar com você ou vão te dar um ghosting (termo usado quando alguém some misteriosamente como se fosse um fantasma). Eles também podem dizer coisas como “estamos realmente falando sobre isso de novo?” ou "Não tenho tempo para isso", para enviar uma mensagem de que seus sentimentos não são importantes.

5-Os erros dos outros se tornam seus

Em um relacionamento com um gaslighter, “me desculpe” não é uma frase que você vai ouvir com frequência. Mas será algo que você dirá com frequência, mesmo quando não tiver feito nada de errado. Gaslighters querem fazer acreditar que você é o único a estragar tudo o tempo todo. Se ele está atrasado para o jantar, por exemplo, pode dizer que é porque você não deixou clara a hora. Gaslighters têm que estar certos sobre tudo. Alguém tem que estar errado e esse vai alguém vai ser você.

6-Você até ouve 'desculpas', mas...

Quando os gaslighters dizem que estão arrependidos, normalmente não é genuíno. Em vez de se desculparem por um erro, eles vão se desculpar por sua reação ao que quer que tenham feito. Por exemplo, eles podem dizer: "Sinto muito que você tenha ficado chateado com isso" ou "Sinto muito que você tenha tido um problema com o que eu fiz". Isso permite que eles transfiram a culpa do ocorrido para a sua reação; e, mais uma vez, você é o único errado.

Gaslighting e narcisistas

Qualquer pessoa pode perpetrar o gaslighting. Mas essa tática é muito usada por pessoas com transtorno de personalidade narcisista (TPN), às vezes para causar dúvidas ou obter vantagens em uma discussão. Além disso, pessoas que nunca receberam esse diagnóstico, mas exibem traços narcisistas, também podem se envolver em comportamentos de gaslighting.

Saber reconhecer tanto o gaslighting quanto as características de um narcisista pode ser útil para se proteger desse tipo de violência.

Características de um narcisista

Muitas pessoas podem mostrar sinais de narcisismo sem serem diagnosticadas como alguém que possui o TPN. Para que uma pessoa receba o diagnóstico, precisa exibir pelo menos cinco das seguintes características:
- é preocupada com fantasias de poder, brilho, sucesso, beleza ou amor perfeito
- tem um senso grandioso de autoimportância, como exagerar conquistas ou esperar reconhecimento como superior sem completar uma conquista
- requer admiração excessiva
- tem falta de empatia e falta de vontade de se identificar com as necessidades dos outros
- acredita que é “especial” e que só pode ser compreendida por outras pessoas "especiais" 
- tem inveja dos outros ou acredita que eles tenham inveja dela
- mostra atitudes e comportamentos arrogantes ou altivos
- tem um senso de direito, como uma expectativa irracional de tratamento favorável
- tira vantagem dos outros para atingir seus próprios fins ou é explorador

Uma pessoa com TPN pode não se envolver em comportamento fisicamente abusivo, mas pode ser emocionalmente abusiva para satisfazer suas necessidades. Usar o gaslighting em um parceiro doméstico pode fazer com que consiga o que quer – sentir-se especial e ter poder sobre a outra pessoa.

Mas atenção: nem todos os agressores vivem com problemas de saúde mental ou transtorno de personalidade. Da mesma forma, nem todas as pessoas que têm o TPN usam gaslighting ou outras formas de abuso contra os seus parceiros.

Exemplos de gaslighting narcísico

O gaslighting pode assumir diversas formas. Alguns tipos comuns incluem o seguinte:

1. Contra-ataque - a resposta ocorre quando o agressor questiona suas memórias, mesmo quando você tem certeza de que se lembra delas corretamente. Exemplo: “Sua memória é sempre péssima, eu nunca disse isso para você”.
2. Retenção - é uma técnica em que o agressor não o escuta ou finge não entender o que você está dizendo. Exemplo: “Não quero falar sobre isso de novo com você”.
3. Bloqueio ou desvio - ocorre quando o agressor questiona seus pensamentos ou muda de assunto para evitar mais falar sobre aquilo. Exemplo: “Não parece que algo possa acontecer, tem certeza de que não imaginou isso?” ou “É muito tarde, não vamos falar sobre isso agora.”
4. Esquecimento ou negação - outra técnica comum de gaslighting é “esquecer” o que aconteceu ou negar coisas, como promessas feitas ou algo dito. Exemplo: “Não me lembro de nada disso” ou “Você está apenas inventando coisas para me fazer parecer mau de novo”.
5. Reforço intermitente - descreve um ciclo de fornecer afirmação a você em um momento e, em seguida, fazer você se sentir pequeno ou mal consigo mesmo em outro momento. O agressor pode fazer você ansiar por momentos em que ele estará te elogiando, embora o trate mal na maioria das vezes. Exemplo: “Você é realmente linda!” “Você usa muita maquiagem. Parece um lixo quando faz isso.”
6. Banalização - isso envolve fazer com que seus sentimentos ou opiniões pareçam sem importância ou irrelevantes. Exemplo: “Foi só uma brincadeira, não seja tão sensível” ou “Sério? Você está ficando com tanta raiva por nada!"
7. Mentiras descaradas - um agressor pode simplesmente mentir na sua cara, sem mostrar nenhum sinal de que está fazendo isso. Com o tempo, isso pode fazer você questionar se alguma coisa que eles estão dizendo é verdade.

Você se identifica com a situação? 

Se você suspeitar que está sendo vítima de gaslighting, seja ele perpetrado por um narcisista ou não, converse sobre suas preocupações com um terceiro, como um amigo imparcial ou terapeuta. Revisar suas preocupações com uma pessoa de fora, confiável, pode ajudar a pensar com mais clareza e decidir como deseja proceder.

Se o gaslighting está prejudicando sua autoestima ou é prejudicial à sua saúde mental de alguma forma, pode ser hora de ir embora. Quando sua realidade está sendo questionada, usada contra você ou fazendo com que você sinta culpa por algo que outra pessoa fez, isso geralmente é um sinal de narcisismo extremo - e é algo que você precisa por um ponto final.

Gaslighting é crime? 

É importante considerar que, em determinadas situações, o gaslighting pode ser enquadrado como violência psicológica, o que configura crime. Esse tipo de abuso pode ser usado contra homens ou mulheres, a fim de se obter ganhos pessoais, mas também é muito comum no contexto da violência contra a mulher. 

No Brasil, segundo o artigo 7º da Lei Maria da Penha, a violência psicológica pode ser "entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação".

Fontes: Health, Psych Central, Lei Maria da Penha