Anderson José Publicado em 01/12/2021, às 08h00
A pandemia de Covid-19 diminuiu o combate ao HIV e à Aids em muitas regiões do mundo, o que deve ter consequências graves nos próximos anos. O alerta é do Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids). Às vésperas deste Dia Mundial de Luta Contra a Aids, a organização estima que a doença provoque 7,7 milhões de mortes nos próximos dez anos, caso lideranças globais não sejam capazes de lidar com o problema da desigualdade.
Só em 2020, foram registrados 1,5 milhão de novos casos de HIV, e as taxas são crescentes em algumas nações ao redor do mundo. O ritmo de testagens diminuiu bastante por causa do novo coronavírus, bem como o acesso aos antirretrovirais: dos 50 países que se reportaram ao Unaids, 40 disseram que menos pessoas que convivem com o vírus iniciaram o tratamento.
Homens gays e homens que fazem sexo com outros homens (HSH), profissionais do sexo e pessoas que usam drogas enfrentam um risco de 25 a 35 vezes maior de adquirir o vírus em todo o mundo. Mas não só eles: toda semana, cerca de 5 mil jovens mulheres entre 15 e 24 anos de idade são infectadas pelo vírus. No Brasil, dados coletados nos últimos anos indicam que a cada 15 minutos uma pessoa se infecta com o vírus.
Por tudo isso, apesar de toda a preocupação com a Covid, é preciso chamar atenção também para o HIV neste Dezembro Vermelho, mês de conscientização sobre essa pandemia mais antiga. É importante que as pessoas não deixem de lado todos os recursos existentes para evitar a infecção pelo HIV e, uma vez infectadas, tenham acesso ao tratamento para evitar a Aids e a transmissão do vírus. Confira, abaixo, algumas perguntas e respostas sobre isso.
O HIV é o vírus causador da Síndrome da Imunodeficiência Humana (Aids), ou seja, é possível uma pessoa se infectar com o vírus HIV, mas nunca desenvolver a doença propriamente dita. O HIV é um retrovírus [armazena suas informações genéticas no RNA e não no DNA, como a maioria dos seres vivos] classificado na subfamília dos Lentiviridae.
É importante saber dessa classificação, pois esse tipo de vírus possui características que influenciam no quadro clínico do paciente, tais como: o período de incubação é prolongado e o surgimento de sinais e sintomas da infecção é igualmente demorado, e caracterizado por um ataque massivo às células do sistema imune.
Resumindo, então: Aids é doença causada pelo vírus HIV, que ataca o sistema imunológico do paciente infectado, mas nem todos aqueles com diagnóstico positivo para o vírus desenvolverá a doença. O HIV pode ser transmitido, não a Aids.
Todas as outras formas de afeto, como beijos, abraços, apertos de mão, picadas de insetos, compartilhamento de talheres, assentos de ônibus, uso comum de sabonete, masturbação a dois, beijo no rosto, NÃO envolvem risco de transmissão do vírus, que também não ocorre pelo ar.
Confira:
Sim, e esta é uma informação muito importante. Uma pessoa com sorologia [exame do soro sanguíneo] positiva para o HIV e que faz o tratamento antirretroviral (Tarv) corretamente será indetectável [carga viral em níveis muito baixos] em questão de tempo. Segundo o Ministério da Saúde, uma pessoa indetectável também é intransmissível, portanto, não transmite mais o vírus. Então, quando a pessoa toma os medicamentos antirretrovirais, ela diminui tanto a quantidade de vírus circulante em seu organismo, que fica muito difícil encontrar o HIV no sangue dela, e isso é ótimo, porque assim ela também não passa esse vírus para outra pessoa.
Dito isso, já fica claro então que uma das formas de prevenção contra a infecção pelo HIV é justamente o tratamento antirretroviral.
O quadro clínico apresentado pelo paciente com sorologia positiva para o HIV é muito dinâmico, variado e depende muito da fase da infecção que o indivíduo se encontra. Em geral, entre 2 e 4 semanas após a infecção, ocorre um conjunto de sinais e sintomas e que recebe o nome de Síndrome Retroviral Aguda, apresentando:
Mas tão logo esses sintomas surgem, eles também desaparecem, assim essa fase é autolimitada e bastante inespecífica, porque pode se confundir com qualquer outro tipo de processo infeccioso. Estima-se, por isso, que mais de 112 mil brasileiros desconheçam que têm o vírus (segundo dados de 2019).
A fase de latência clínica do HIV é marcada pelo declínio das células CD4+ [do sistema imune] e aumento da carga viral circulante no organismo não tratado. Essa fase da infecção pode durar anos, sem o indivíduo saber que está com sorologia reagente para o vírus. Entre outros sintomas, a pessoa pode apresentar:
Comumente, um paciente nessa fase latente da infecção apresenta exame físico normal, embora os valores dos elementos figurados do sangue [células sanguíneas] possam se mostrar alterados em um hemograma, por exemplo. Porém, ainda assim, essas alterações são inespecíficas e podem ocorrer em outros quadros.
A célula T CD4+ faz parte do nosso sistema imunológico, mais precisamente na imunidade adaptativa. Essas células, entre outras funções, protegem o corpo de agentes patogênicos que porventura adentrem no sistema. Conforme a contagem de CD4+ vai diminuindo no organismo, a pessoa portadora do HIV passa a ficar exposta a outras infecções e doenças, e passa também a apresentar sinais e sintomas mais específicos de uma imunossupressão importante como:
Uma pessoa entra em estágio de Aids quando a contagem de CD4+ fica abaixo de 200 células por mm³ de sangue. É nessa etapa que surgem as chamadas infecções oportunistas, entre elas:
Além de apresentar também perda de peso inexplicada (<10% do peso), febre persistente por mais de um mês (>37,6º) e sudorese noturna.
Entre a exposição ao vírus HIV e a produção de anticorpos, o organismo demora, em média, de 15 a 30 dias para reagir contra o vírus. Ou seja, para um diagnóstico fidedigno, afastando a possibilidade de ocorrer falso-negativo, a pessoa que se expôs deve procurar realizar o teste após esse período, que é conhecido como janela imunológica, já que os testes sorológicos detectam o anticorpo no organismo.
É possível realizar o teste rápido em algum Centro de Testagem e Aconselhamento que compõe a rede de tratamento das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) do Ministério da Saúde. O resultado do teste rápido sai em algumas horas. Elisa e Western Blot são testes que também podem detectar o HIV e, comumente, são solicitados pelo médico na suspeita da doença.
Confira:
Com o diagnóstico reagente para HIV em mãos, o paciente tem o direito de ter acesso aos medicamentos pelo SUS. O tratamento precoce é importante medida de prevenção e garantia de qualidade de vida. Então, aderir bem ao tratamento proposto pelo médico infectologista afasta doenças oportunistas e mau prognóstico.
Os medicamentos avançaram muito e hoje os efeitos colaterais são cada vez menos frequentes, podendo uma pessoa em tratamento antirretroviral viver normalmente sem temer por sua aparência.
Existem várias formas de prevenção contra o HIV. Os preservativos, tanto peniano quanto o vaginal, desempenham papel importante na prevenção não apenas desse vírus, mas também inúmeras outras IST. Mas também há outros recursos importantíssimos, como a PrEP e a PEP.
PrEP – Profilaxia Pré-Exposição
A PrEP é um medicamento antirretroviral tomado diariamente, que impede a infecção pelo vírus HIV. É uma combinação de antirretrovirais que têm o intuito de criar uma espécie de blindagem no organismo de uma pessoa que venha a entrar em contato com o vírus.
Se isso ocorrer, a infecção não acontece, porque a PrEP está circulando no sangue daquele indivíduo, o que explica o motivo de ser uma medida profilática pré-exposição. Porém, nem todas as pessoas podem tomar os comprimidos que compõem a PrEP, mas sim:
PEP – Profilaxia Pós Exposição
É como se fosse uma pílula do dia seguinte. Uma pessoa que se expôs ao vírus HIV, seja através de relação sexual desprotegida ou até acidente ocupacional contendo sangue, pode procurar o serviço especializado e solicitar os medicamentos que compõem o esquema da PEP. Resumindo: a PEP é indicada para toda e qualquer pessoa que se expôs ao risco de contrair HIV.
Porém, é importante frisar: você tem até 72 horas após a exposição para iniciar o tratamento pós-exposição e os medicamentos devem ser tomados durante 28 dias.
Veja também:
A comunidade científica atualmente considera quatro casos de "cura" da doença. O infectologista Rico Vasconcelos explica, em seu blog, que alguns deles são pacientes com HIV controlado e que foram submetidos a transplantes de medula óssea por causa de um câncer hematológico. Isso fez com que eliminassem as células neoplásicas e, também, as células infectadas com o HIV. Vale mencionar que o transplante é um procedimento caro e apenas dois pacientes foram, até hoje, curados dessa forma, apesar de dezenas de tentativas semelhantes.
Outros dois casos de cura envolvem os chamados "controladores de elite", ou seja, situações raras em que a própria imunidade da pessoa contra o HIV é tão eficiente que mantém o vírus sob controle e indetectável mesmo sem tratamento antiviral. São episódios que têm sido acompanhados pelos cientistas e que trazem esperanças de que, um dia, seja possível transformar outras pessoas em "controladores de elite".
Várias iniciativas mundiais têm se empenhado na busca de uma vacina contra o HIV, há décadas, inclusive no Brasil. Mas nenhuma ainda trouxe resultados comparáveis aos de vacinas como a da Covid, que ainda por cima foram desenvolvidas em poucos meses.
Em uma entrevista recente à Agência Aids, o infectologista Esper Kallás comenta que o HIV é um vírus mais complexo e muito mais variável que o coronavírus. "Acho até que é mais fácil a gente um dia chegar a uma cura que possa ser aplicada no dia a dia do que a uma vacina altamente eficaz; hoje eu tenho essa percepção depois de trabalhar mais de 30 anos no estudo da infecção", relatou. Falta encontrar o "calcanhar de Aquiles" do vírus.