O papilomavírus humano (HPV) é uma das infecções sexualmente transmissíveis (IST) mais comuns em todo o mundo. A maioria das pessoas será acometida por pelo menos um dos inúmeros tipos de HPV ao longo da vida.
Na maioria das vezes, esse vírus não traz maiores consequências. Mas alguns subtipos de HPV podem levar ao câncer. A associação é bem conhecida para o câncer de colo de útero, que é um dos mais comuns nas mulheres brasileiras.
O que menos gente sabe é que o HPV também está envolvido em outros cânceres, como os anais, os genitais (vulva, vagina e pênis) e os de orofaringe (boca e garganta), também considerados cânceres de cabeça e pescoço.
Um estudo recente mostra que pessoas com HPV oral têm uma chance 6,25 vezes maior de desenvolver câncer de cabeça e pescoço. O trabalho foi liderado pelo Hospital Moinhos de Vento, em parceria com o Ministério da Saúde, via Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS).
Os principais subtipos de HPV envolvidos no câncer já podem ser evitados com vacina. No Brasil, existem dois tipos: a quadrivalente e a nonavalente. Isso significa que, com a imunização, as pessoas podem reduzir significativamente o risco de vários tipos de câncer de uma só vez.
O Hospital Moinhos de Vento também realizou dois estudos recentes, via Proadi-SUS, que ajudam a dimensionar a presença do HPV genital, anal e oral na população.
Um deles, o POP-Brasil, foi feito com, ao todo, 12.790 jovens de 16 a 25 anos em 26 capitais do Brasil, e teve seus resultados comparados com os da primeira fase do estudo, feito em 2016-2017, o que também permitiu observar os efeitos da imunização contra o HPV, que começou no SUS em 2014, para meninos e meninas de 9 a 14 anos.
Outro trabalho, o SMESH, contou com a população considerada de maior risco para a infecção por HPV, e envolveu homens que fazem sexo com homens, além de trabalhadores do sexo, de todas as regiões do país.
Veja, a seguir, os principais resultados desses trabalhos e saiba o quão prevalentes são o HPV entre os jovens de ambos os sexos, bem como nas populações de risco.
De um total de 1.371 homens que fazem sexo com homens, dos quais 78,5% se declararam como homossexuais, 19,9%, bissexuais, e 1,6%, heterossexuais:
- Quase metade dos homens que fazem sexo com homens tem HPV genital. Desse total, 37,5% têm infecções com alto risco de câncer.
- 8,8% têm HPV oral, sendo que a infecção com alto risco de desenvolvimento para câncer de cabeça e pescoço foi de 7,4%.
- O resultado mais preocupante foi para o HPV anal, presente em 75,1% do total, sendo 64,7% de alto risco para desenvolvimento de câncer.
- Nesse grupo, 23,2% dos participantes convivem com o HIV, e apenas 11,5% foram vacinados contra o HPV, índice considerado muito baixo, levando-se em conta que homens com até 45 anos atualmente podem se vacinar na rede pública.
De um total de 933 trabalhadores do sexo, dos quais 81% eram mulheres e 19% homens:
- A prevalência geral de HPV genital foi de 60,1% (64,6% entre as mulheres e 40% entre os homens). A infecção anal teve total de 73% (72,6% no sexo feminino e 74,4% no masculino) e a oral de 9,7% (8,2% entre as mulheres e 15,9% nos homens).
- Em contrapartida, esse grupo registrou baixa infecção por HIV, com apenas 5,5% dos participantes vivendo com o vírus, além de um índice maior de vacinação contra HPV, chegando a 21,7%.
Obs: a amostragem do SMESH foi feita por meio de uma técnica tipo bola de neve. Cada indivíduo recebe três convites para dar aos seus contatos e assim sucessivamente.
Entre pessoas de 16 a 25 anos (com vida sexual iniciada) em dois recortes de tempo diferentes (2015-2017 e 2020-2023), a fim de comparar as taxas de infecção e a eficácia da vacina HPV quadrivalente.
- É a primeira vez que há informações em nível nacional sobre as taxas de infecção por HPV na região anal. A taxa é semelhante à genital, atingindo 52,1% da população, sendo maior nas mulheres (63,2%) do que nos homens (36,8%).
- A taxa de infecção por HPV contidos nas vacinas caiu pela metade entre as pessoas imunizadas e participantes da coleta da primeira etapa do estudo. Outro destaque é que a queda é observada entre os não vacinados, confirmando o impacto da vacinação nas taxas de infecção gerais.
- Comparando-se os dados da população não vacinada do primeiro estudo com a população total do segundo estudo (vacinados e não vacinados), observa-se uma diminuição importante dos tipos de HPV contidos na vacina quadrivalente – de 15,6% para 7,9%.
- Quando se compara os dados dos não vacinados com os vacinados, essa diminuição é ainda maior – de 15,6% para 3,6%.
- Os tipos de HPV contidos na vacina nonavalente também apresentaram uma redução importante nas taxas de infecção – de 30,2% para 24,7%.
Obs: O último triênio do POP-Brasil II contou com 450 profissionais de saúde, em sua maioria enfermeiras, somando 206 Unidades Básicas de Saúde (UBS), que realizam a coleta de dados em unidades básicas de saúde de todas as regiões do Brasil.
A meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que, até 2030, 90% das meninas sejam totalmente vacinadas contra HPV aos 15 anos; 70% das mulheres submetidas a um teste de rastreamento de alta performance aos 35 e aos 45 anos; e 90% das mulheres identificadas com lesões precursoras e câncer recebendo tratamento.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin