A infecção urinária é a infecção bacteriana mais comum no ser humano, ainda mais entre as mulheres: estima-se que uma a cada três enfrenta o quadro antes dos 24 anos de idade. “A chance de uma mulher desenvolver infecção urinária ao longo da vida é de 50% e 25% delas terão infecção urinária de repetição”, explica o urologista Alexandre Danilovic, do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
O motivo dessa propensão maior é a anatomia feminina: a uretra delas é mais curta e fica próxima da vagina e do períneo, o que facilita a entrada de micro-organismos dessas regiões no canal por onde a urina é excretada. Para elas, as infecções são mais comuns na infância, após as relações sexuais e, mais ainda, depois da menopausa.
Outros perfis vulneráveis ao problema são homens com dificuldade para urinar (por exemplo, devido a alterações na próstata), indivíduos com lesão de medula, com imunidade comprometida, ou que precisam utilizar sondas ou cateteres na via urinária. Entre os idosos, as infecções no trato urinário representam cerca de um quarto de todas as infecções.
Quando limitadas à bexiga, as infecções são chamadas de cistites. Apesar de ser algo frequente, especialmente para as mulheres, não dá para bobear. É preciso diagnosticar logo e tomar os antibióticos receitados pelo médico corretamente, não só por causa do imenso desconforto que a cistite causa, mas também pelo risco de o quadro infeccioso “subir” para os rins (condição chamada de pielonefrite) e evoluir para uma infecção generalizada.
Quem já passou pela situação sabe o quanto os sintomas são incapacitantes. Veja quais são:
Existem fatores genéticos, biológicos e comportamentais que predispõem à infecção urinária. Veja alguns exemplos:
Pacientes com tipo sanguíneo B e AB – a isohemaglutinina anti-B dificulta a adesão de algumas bactérias à mucosa das vias urinárias, o que faz com que indivíduos sem ela sejam mais suscetíveis à infecção.
Uso de fraldas – há maior risco de exposição às fezes, principalmente para as meninas, que têm a uretra mais curta e próxima ao períneo.
Atividade sexual – para as mulheres, o atrito e eventuais microfissuras que ocorrem durante o ato sexual podem facilitar a exposição da mucosa às bactérias do períneo.
Menopausa – a ausência de estrogênio aumenta o ressecamento da mucosa genital, o que pode facilitar as microfissuras.
Uso de cateteres ou sondas – esses equipamentos podem facilitar a entrada de bactérias nas vias urinárias.
Os principais micro-organismos causadores de cistite são as bactérias que vivem normalmente no nosso intestino. A mais comum é a Escherichia coli, responsável por aproximadamente 80% das infecções urinárias. Quando elas invadem o sistema urinário, normalmente estéril, causam inflamação e muitas vezes sintomas de dor ao urinar, aumento da frequência e urgência para urinar.
Veja dicas de sexo anal para evitar infecções:
Sempre que há suspeita de cistite, o médico pede um exame de urina para, em primeiro lugar, confirmar se há infecção e, em seguida, detectar qual o agente envolvido para que se decida qual tratamento adotar.
Mas o crescimento da bactéria no exame pode levar alguns dias, o que leva muitos profissionais do pronto-atendimento a prescrever antibióticos de ação mais abrangente para interromper a infecção. Nesse ponto, esbarramos no problema do surgimento de bactérias resistentes, segundo Danilovic.
Embora as superbactérias ainda sejam fenômenos isolados, novos antibióticos demoram de 10 a 15 anos para ser desenvolvidos. Isso significa que é preciso prescrevê-los da maneira mais racional possível.
Em casos muito específicos, determinados procedimentos cirúrgicos podem ser indicados para a prevenção de infecções de repetições. É o caso, por exemplo, da ressecção da próstata, para homens com jato urinário fraco ou resíduo urinário. Ou a correção cirúrgica da incontinência urinária em mulheres com perda involuntária de xixi, já que o uso constante de absorventes aumenta o risco de infecções. Em ambos os casos, os procedimentos são minimamente invasivos, o que permite recuperação rápida.
Existem diversas maneiras para reduzir esse risco:
- Na hora de ir ao banheiro, as mulheres devem ficar atentas para se limpar de frente para trás e nunca usar o mesmo papel mais de uma vez.
- Prefira tampão, copo ou disco menstrual ao invés de absorventes.
- Faça xixi no máximo a cada quatro horas.
- Evite o uso de tecidos não transpirantes na roupa íntima.
- Evite o uso de espermicidas.
- Pratique sexo anal com camisinha, e troque o preservativo caso volte para a penetração vaginal na mesma relação.
- Após a atividade sexual, esvazie a bexiga e faça a higiene íntima.
É preciso usar lenço ou sabonete antibacteriano?
Nada disso! É preciso fazer a higiene íntima com cuidado para não levar bactérias do ânus para a região da vagina, o que pode ser feito com água é sabão comum. O exagero também pode prejudicar, pois, além de não haver razão para exterminar as bactérias do períneo apenas por poucos minutos, a medida pode incentivar a colonização por bactérias resistentes ao bactericida.
Aproximadamente 25% das mulheres que tiveram o problema terão novas infecções de repetição, e isso ocorre por exposição repetida aos fatores de risco. A melhor estratégia é identificar o fator de risco e eliminá-lo, o que pode ser feito por exames e em uma consulta médica.
Quando a associação entre a atividade sexual e a infecção urinária é nítida, e a mulher tem cistites de repetição apesar de tomar todos os cuidados, o urologista pode indicar o uso de um antibiótico antes das relações durante algum tempo.
O uso de antibióticos preventivos pode ser uma solução em casos bastante selecionados e não é a regra geral. Ao escolher essa estratégia, deve-se escolher antibióticos que não induzam resistência e fazer um rodízio até da classe de medicamentos.
Vale acrescentar que, para quem já entrou na menopausa, o uso de cremes vaginais de estrogênio deixa a mucosa mais saudável e diminui o risco de infecções. Para aquelas que têm contraindicação para o uso de estrogênio, a alternativa é fazer aplicações de radiofrequência ou laser intravaginal para estimular a proliferação celular na mucosa.
É importante que os homens fiquem atentos para o resíduo urinário. “Se há a sensação de que sobra urina na bexiga após urinar, devem forçar o esvaziamento em uma segunda micção”, diz o médico. Em muitos casos, ele diz que é preciso tratar a prostata para maior eficácia.
Alguns estudos apontaram os benefícios de suplementos de cranberry (oxicoco) na prevenção de infecções urinárias, mas pesquisas posteriores mostraram que a estratégia não funciona. “Seria necessário ingerir uma quantidade muito grande da fruta em intervalos curtos para manter a urina mais ácida continuamente”, avalia o urologista.
O uso de terapias vaginais para aumentar a proteção contra infecção urinária é promissor, como o uso de lactobacilos intravaginais, mas ainda carece de estudos mais amplos e em várias populações.
Alguns estudos têm alertado para o fato de alguns indivíduos com Covid-19 apresentarem, entre os sintomas da infecção, o aumento da frequência urinária. “O Sars-Cov-2 acomete os rins, causando principalmente lesão tubular com proteinúria [presença de proteínas na urina], mas também pode causar sintomas no trato urinário inferior”, explica Danilovic.
O aumento da frequência urinária observado nos pacientes foi da ordem de mais de 13 episódios de micção a cada 24 horas e mais de quatro episódios de micção noturna. “Isso é causado pelo aumento de citoquinas, ou seja, substâncias inflamatórias na urina”, diz Danilovic. A condição recebeu o nome de “Cistite Associada à Covid” (cistite é o nome que se dá à infecção na bexiga).
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Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin