A luta contra o HIV/Aids teve muitos avanços nos últimos anos. Mas ainda há 1,3 milhão de novas infecções a cada ano, o que mantém o mundo distante da ambiciosa meta da ONU (Organização das Nações Unidas) de acabar com a condição até 2030.
Mas os resultados de um estudo clínico com um medicamento injetável chamado lenacapavir tem feito muitos especialistas voltarem a acreditar num futuro sem HIV, embora ainda seja cedo para celebrar, ainda mais no Brasil, como você vai ver mais abaixo.
Em um estudo patrocinado pela farmacêutica Gilead Sciences, fabricante norte-americana do lenacapavir, o medicamento foi 96% eficaz na prevenção de infecções por HIV em um total de 3.200 homens cis e transgênero, mulheres transgênero e pessoas não binárias. O trabalho incluiu Argentina, Brasil, México, Peru, África do Sul, Tailândia e EUA.
Chamado de Purpose 2, o estudo reproduziu os resultados impressionantes do anterior, o Purpose 1, que acompanhou 5.300 mulheres cis na África do Sul e em Uganda. Nesse último ensaio, resultados preliminares indicaram 100%, ou seja: nenhuma mulher que recebeu o medicamento desde o início da pesquisa, em 2021, contraiu HIV até hoje.
Em entrevista ao site NPR, Ethel Weld, professora de medicina da Universidade Johns Hopkins, descreveu ambos os resultados como “uma mudança de jogo empolgante para a prevenção do HIV”.
O lenacapavir é administrado com uma injeção semestral, e age de forma similar ao já famoso Truvada, um comprimido diário utilizado como profilaxia pré-exposição (PrEP), que tem demonstrado 99% de eficácia, em pesquisas, em evitar HIV por meio de relações sexuais.
O problema é que esse resultado da PrEP em ensaios clínicos nem sempre se reflete no mundo real. Por quê? Em primeiro lugar, porque nem todo mundo se lembra de tomar seus comprimidos diariamente.
Mas o principal obstáculo ao Truvada é mesmo a questão do estigma. Um estudo na África do Sul, por exemplo, mostrou que algumas mulheres tinham receio de que seu parceiro sexual achasse que elas tivessem outros parceiros. Chegar em casa com um monte de comprimidos também gera questionamentos por parte de outros familiares, por exemplo.
Ainda existe a questão do acesso: em algumas localidades, os pacientes não conseguem receber seus medicamentos no prazo certo. Por todos esses motivos, algumas pesquisas têm trazido uma eficácia bem mais baixa para a PrEP para determinados grupos.
É por isso que as injeções semestrais têm sido vistas como um potencial “divisor de águas” na luta contra o HIV. Ainda mais porque o princípio ativo não é novo – ele já foi aprovado por algumas agências regulatórias no tratamento do HIV resistente.
Mas ainda existem diversos desafios. O custo do lenacapavir nos EUA está estimado em mais de 42 mil dólares por novo paciente por ano. Já os comprimidos diários da PrEP custam menos de 4 dólares por mês.
A Gilead Sciences anunciou um plano para permitir que seis fabricantes de genéricos na Ásia e no Norte da África vendam o lenacapavir a precos acessíveis em 120 países, o que inclui a África subsaariana, uma das regiões com índices mais altos de HIV.
O acordo deixa de fora a maioria dos países desenvolvidos e muitos em desenvolvimento, como Brasil, Colômbia, México, China e Rússia. Juntos, esses países representam 20% das novas infecções por HIV.
O The New York Times acrescenta que, ainda que o Brasil consiga uma licença compulsória para o lenacapavir, os fabricantes dos genéricos seriam proibidos de vender o medicamento para o SUS (Sistema Único de Saúde).
A opção para o nosso país seria reproduzir o medicamento por engenharia reversa e produzi-lo localmente, o que levaria muito tempo para se concretizar. Por enquanto, apenas os brasileiros que participaram dos estudos clínicos vão continuar recebendo a droga.
A expectativa é que a Gilead submeta o novo uso do lenacapavir para as agências regulatórias ainda este ano. Daí em diante, só os países mais pobres previstos no acordo, além dos pacientes mais ricos, é que terão acesso imediato a mais esse novo avanço contra o HIV.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin