Entenda se seu receio de se apresentar em público é apenas timidez ou fobia social
Leo Fávaro Publicado em 04/09/2022, às 09h00
Falar com segurança e clareza diante de uma plateia é desafiador para muitas pessoas. Em alguns casos, não importa se são cinco ou 50 pessoas, pensar em ser o centro das atenções já é suficiente para fazer alguns tremerem e até desistirem de se apresentar. Esse receio de falar em público é normal até certo ponto, mas dependendo de como ele se manifesta e de suas consequências, pode revelar um problema maior.
Muitas causas costumam contribuir para a aversão a discursos em público. A principal delas é o medo do julgamento alheio, que pode acontecer por fatores que repercutem com alguma insegurança pessoal, como aparência, timbre de voz, incerteza sobre o conteúdo e a plateia em si. “O medo de falar em público geralmente tem sua origem relacionada à avaliação externa. Pessoas que têm problemas com o público usualmente têm problemas de autoconfiança ou de autoestima que precisam ser trabalhados, uma vez que isso se reflete na imagem pessoal”, explica a psicóloga e especialista em neurociências Sthéfany Alvarenga.
O problema pode ser menor se quem sofre com ele não tem uma grande demanda de exposição, como acontece no ambiente acadêmico. Contudo, isso pode representar um transtorno maior para aqueles que necessitam fazer apresentações frequentemente, como ocorre com algumas profissões. “É fundamental que essa pessoa equilibre as emoções para que consiga se apresentar da maneira mais tranquila possível”. Para isso, compreender o que causa o desconforto pode ajudar a solucionar o problema.
“Avaliar quais são as questões que deixam a pessoa preocupada ou ansiosa podem facilitar lidar com a situação. Para isso, pode-se responder algumas perguntas, como ‘isso acontece diante de um público de conhecidos ou de pessoas estranhas?’; ‘o que em mim me deixa inseguro diante dos outros?’. Dependendo das respostas, uma abordagem terapêutica pode ser mais direcionada”, destaca Sthéfany.
A especialista explica que o temperamento faz parte da constituição da pessoa enquanto ser. Nesse sentido, ele pode ser constituído por diversos aspectos, como os fatores de reação a estímulos (que pode ser avaliado por reações como choro e irritabilidade); os fatores de extroversão (baseado numa sensação própria de segurança e confiança diante de situações que podem ser arriscadas); e os fatores de controle com esforço (relacionados com a autorregulação). O temperamento, então, influencia de modo muito individual na forma como cada pessoa se posiciona ao longo da vida diante de determinadas situações, inclusive ao falar em público. Observando esses traços desde a infância é possível intervir mais precocemente para que isso não se torne um problema na vida adulta.
“A personalidade é formada desde quando a pessoa está no útero da mãe e inclusive é influenciada por fatores que aconteceram durante a gestação. Mães que passaram por situações estressantes ou de violência durante a gestação tendem a ter níveis mais elevados de cortisol, o hormônio do stress. Com isso, a criança pode ser mais reativa a estímulos, influenciando o temperamento, que é o precursor da personalidade”.
Sthéfany explica que a timidez é uma característica que pode acompanhar a pessoa para o resto da vida e isso não a impede de falar em público, uma vez que ela pode criar recursos e estratégias para lidar com esse momento de expressão. “Quando há equilíbrio emocional, ela pode ser aquela pessoa reservada, mas que brilha enquanto atriz no palco ou que é um excelente palestrante”, ressalta. Alguns exemplos famosos são o cantor Ney Matogrosso e a atriz Meryl Streep, que já declararam publicamente serem tímidos e, ainda assim, fazem de suas apresentações verdadeiros espetáculos.
Se por um lado há a pessoa tímida, que consegue se expor mesmo com relativo nervosismo, por outro há aqueles que têm medo patológico de apresentações ou mesmo de serem vistas com medo de serem julgadas - a chamada fobia social. “Quem tem fobia social sente sensações bem evidentes que o impedem de estar no palco, na frente de câmeras ou diante de outras pessoas. Muitas vezes, elas não conseguem sequer se alimentar ou assinar papéis na presença de outras pessoas tamanho o receio. Assim, existe grande comprometimento funcional e social”, explica a psiquiatra Andressa Perobelli.
A fobia social, também chamada de transtorno de ansiedade social, se manifesta por meio de sinais e sintomas em ocasiões nas quais há preocupação do que outras pessoas, conhecidas ou não, pensarão de si. Andressa explica que diferentemente da timidez, que é transitória e superável com mais facilidade, a fobia social é uma condição que acompanha e atrapalha a pessoa ao longo de sua vida se não tratada. Ela pode acontecer não apenas em apresentações para uma plateia, mas também em eventos sociais, como festas, jantares ou reuniões.
Ao se deparar com determinada situação estressora, o corpo reage de diversas formas e alguns sinais são:
“Diante disso, a pessoa com fobia social se sente vulnerável e evita situações desse tipo, o que pode comprometer sua qualidade de vida. Nesses casos, é importante a avaliação por um médico psiquiatra ou por um psicólogo, que podem lançar mão de terapias e, em alguns casos, de medicação para lidar com a problemática”, completa a psiquiatra.
A jornalista e apresentadora Aline Malafaia destaca que mesmo os mais tímidos podem fazer apresentações com segurança após treinos e também quando compreendem o que lhes causa desconforto. “Não é que a pessoa se torne alguém extrovertida, mas que ela conseguirá dominar a capacidade de falar em público de forma que isso não limite seu crescimento pessoal, profissional ou acadêmico”.
A especialista em apresentação e locução destaca que falar diante do público, independentemente do número de pessoas, é uma habilidade cada vez mais necessária no mercado de trabalho e que também se reflete nas relações sociais. Isso porque explorar suas ideias de forma assertiva e empática impacta positivamente na forma como outras pessoas te enxergam, seja no trabalho, seja no cotidiano. Assim, em vez de ter receio do julgamento alheio e com isso deixar de falar em público, desenvolver essa habilidade pode colocá-lo numa posição de segurança, fazendo com que você seja mais bem-visto pelos outros, além de melhorar sua autoestima.
“Muitos líderes de empresas não são pessoas que falam em público de maneira confortável naturalmente; são pessoas que treinaram essa habilidade por ela ser bastante decisiva”
Diversas estratégias podem ajudar a vencer a timidez e a insegurança para fazer uma boa apresentação. A primeira delas é dessensibilizar fazendo pequenas apresentações, que podem ser feitas depois de treinar na frente do espelho, gravar a apresentação para observar sua voz e sua postura e então traçar caminhos para que se sinta seguro. Outras formas podem ser por meio de cursos de oratória, teatro, dança, música e até mesmo por meio de atividades artísticas e manuais, como pintura ou bordado, que estimulam a expressão.
Aline, que é mentora do curso “Apresente-se” e dá dicas nas redes sociais, também sugere utilizar plataformas de vídeo e que permitam interação com o público como forma de “quebrar o gelo” e aos poucos ganhar confiança. “Com o recurso de lives no Instagram, por exemplo, você pode começar a se sentir mais confortável, interagir com naturalidade com seus amigos ou seguidores sem que eles te assustem de alguma maneira. Depois, observando sua apresentação, você consegue melhorar e levar isso para as apresentações presenciais, reduzindo o nervosismo e expondo suas ideias de forma mais clara”, completa.
A especialista lista algumas dicas que podem ajudá-lo a vencer a timidez de falar em público:
“Em vez de desenvolver o roteiro escrevendo todas as falas, listar tópicos deixa o texto mais visual e com menos volume de informação. Assim, você comenta os pontos de uma forma muito mais natural, deixando sua apresentação mais fluida e até mais fácil para lembrar. Além disso, com os tópicos, se der um branco e você esquecer, fica mais fácil de lembrar e retomar a fala do que se você decorar um texto completo”.
“É importante respirar antes e durante toda a apresentação, até para se recuperar e relaxar. A respiração também marca a pontuação da sua fala, de forma que costumamos usar uma respiração curta para indicar vírgula, enquanto uma mais longa indica um ponto final. Além disso, um momento de silêncio pode ser usado como recurso de ênfase daquilo que você acabou de dizer. Estas são boas ocasiões para organizar sua mente, retomar seu pensamento e se acalmar. Outra coisa é que a respiração controla o ritmo de fala. Então, se estamos nervosos, é comum esquecermos de respirar, atropelar as palavras e embolar a fala, dificultando o entendimento de quem nos assiste. Respirar é importante para você e para quem te ouve”.
“Não podemos deixar para fazer a apresentação de primeira porque qualquer coisa que acontecer vai ser uma surpresa e desestabilizar a apresentação. Ensaiar ajuda a te deixar mais confiante e com mais recursos caso algo inesperado aconteça, então você consegue lidar melhor com isso. Além disso, você controla melhor seu tempo de fala, articula melhor as palavras e observa melhor sua postura. Você pode ensaiar na frente do espelho, gravar com o celular ou apresentar para algum amigo e observar como melhorar”.
“Gesticular é interessante como forma de fazer uma marcação nas falas, de indicar ênfase ou de algo que você quer que o público se lembre. Além disso, quando se está num palco muito grande ou num espaço amplo, movimentar-se ali é bom para chamar a atenção das pessoas. Mas isso deve ser feito com equilíbrio, porque gesticular ou se movimentar demais acaba chamando a atenção para seu movimento e não para a fala, provocando uma distorção na sua comunicação. Os gestos, então, são bons recursos se usados com objetivos. Mas o excesso deles pode evidenciar de forma inconsciente seu nervosismo, como acontece ao mexer muito no cabelo, bater o pé no chão ou ficar trocando a base de apoio do corpo entre uma perna e outra”.
“É fundamental entender o nível de conhecimento do público sobre o assunto que você quer falar e também como falar adequadamente para aquelas pessoas. Se o público é de advogados, eles entendem o ‘juridiquês’, mas se não são desse meio, é preciso traduzir a informação para uma linguagem que eles entendam e que não seja tão técnica. Nesse sentido, é importante adaptar o seu registro de linguagem, seu tom de voz, sua construção narrativa para que as pessoas compreendam a mensagem de maneira mais assertiva. Além disso, tenha em mente qual o objetivo da sua fala e estude o conteúdo para ficar mais seguro diante do público”.
*Leo Fávaro é acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo
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