É inevitável. Antes de colocar um DIU (dispositivo intrauterino), a maioria das mulheres vai buscar alguma amiga que já fez o procedimento para saber como foi. Outra opção é buscar opiniões na internet, o que pode ser útil, mas também despertar medo.
Vários vídeos postados em inglês no TikTok, recentemente, mostram a reação das mulheres no momento da inserção do dispositivo. Algumas apenas fazem uma expressão de dor forte por alguns instantes, mas outras gritam alto, e continuam a soltar lágrimas fora do consultório. Também há quem publique vídeo para dizer que não doeu nada, é verdade, mas alguns conteúdos podem deixar muita gente assustada.
Coincidência ou não, o CDC (Centro de Prevenção e Controle de Doenças), nos EUA, recentemente publicou novas orientações sobre como gerenciar a dor na inserção do DIU, como o uso de lidocaína, um anestésico que pode ser usado como gel ou com uma injeção no colo do útero.
O Planned Parenthood, organização sem fins lucrativos que oferece opções de controle de natalidade nos EUA, foi além e anunciou que também vai oferecer a opção de colocar o DIU com sedação intravenosa, como forma de incentivar mais mulheres a buscarem esse contraceptivo duradouro e eficaz em estados que têm restringido o acesso ao aborto.
Para muitos médicos ouvidos pela imprensa norte-americana, essas iniciativas refletem uma tendência de se levar a dor feminina mais a sério. Afinal de contas, embora as mulheres sejam famosas por suportar melhor a dor do que os homens, a tolerância varia muito e depende de vários fatores. Para pessoas que vivenciaram o abuso, por exemplo, o simples exame pélvico já pode ser extremamente doloroso.
Consultamos representantes da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) para saber se existe, no Brasil, alguma orientação em relação ao manejo da dor ao se colocar o DIU. E não há.
“Em 80% dos casos o DIU é fácil de inserir. Não quer dizer que não dói, mas é um procedimento rápido, então o ideal é a inserção feita em ambulatório”, explica Ilza Maria Monteiro, livre docente de ginecologia na Unicamp e presidente da comissão especializada em anticoncepção da Febrasgo.
Já cerca de 10 ou 20% das pacientes podem ter maior dificuldade e demandar sedação, para que seja feita a dilatação do colo, mecânica, para inserir o dispositivo. Isso é mais comum, segundo a médica:
Ilza explica que, no caso dos planos de saúde, o médico tem a prerrogativa de oferecer sedação quando considera necessário. Mas, na visão dela, se o médico souber conversar sobre a questão da dor, explicar que é rápido, e que pode ser controlada com ajuda de anestesia local, analgésico prévio ou controle da ansiedade, a paciente não vai querer ir para um procedimento cirúrgico.
Ela ainda levanta outra discussão importante: se a maioria das pacientes decidirem pela sedação num serviço do SUS (Sistema Único de Saúde), por exemplo, a espera para inserção do DIU seria imensa. “A mulher engravidaria antes”, afirma.
A ginecologista Cláudia Barbosa Salomão, vice-presidente Sudeste da Associação Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência, observa que a sedação também encarece muito o procedimento, tanto para sistema público quanto para o suplementar, e por isso no SUS a sedação não é praxe, e só aceita após auditoria médica.
O processo de inserção geralmente leva menos de três minutos. A maioria das pacientes relata uma cólica mais intensa, que dura rápido.
Boa parte das críticas publicadas nas redes sociais norte-americanas se concentra no tenáculo, que teria uma aparência “medieval” e causaria a maior parte do desconforto, já que o colo do útero é rico em nervos e não é maleável (isso evita que o feto "caia" e bactérias entrem no útero).
Uma empresa suíça há algum tempo desenvolveu uma possível alternativa, o Carevix, que usa um método de sucção para segurar o colo do útero, o que ajudaria a diminuir a dor. A empresa Aspivix recebeu aprovação da FDA (Food and Drug Administration) e já fez parceria com hospitais privados e universitários nos EUA para lançar gradualmente o produto.
De qualquer forma, médicos ouvidos pela NBC News observam que a nova ferramenta pode ser útil, mas ainda assim limitada. Até porque a própria lidocaína também não evita completamente a cólica no momento da inserção.
Alguns desses médicos, bem como as especialistas brasileiras, dizem que é comum a indicação medicamentos analgésicos ou anti-inflamatórios, como o ibuprofeno, medidas que não foram incluídas nas recomendações do CDC.
De qualquer forma, vale a pena lembrar que o DIU (seja o comum ou o que contém levonorgestrel) é um contraceptivo extremamente eficaz, que dura vários anos e pode resolver o problema de muitas mulheres que esquecem de tomar a pílula ou que não podem utilizar métodos hormonais ou pílulas que contém estrogênio.
Antigamente, era comum alguns médicos contraindicarem o uso do DIU em quem não teve filhos (nulíparas). Mas as evidências científicas mostraram que não há qualquer motivo para essa resistência.
A única contraindicação que persiste, segundo Claudia, é que o DIU não seja colocado antes da primeira relação sexual: “Mas isso por uma questão cultural nossa – é preciso romper a barreira do hímen para passar o espéculo para colocar o DIU”, explica.
Claudia também diz que existe uma forte sugestão para que haja consentimento informado por parte dos tutores para colocação de DIU em menores de idade, além do assentimento da própria paciente, por se tratar de um procedimento invasivo.
O DIU é um excelente método contraceptivo. Se você pensa em colocá-lo, converse com seu médico sobre como é o procedimento e se há opções para diminuir o desconforto durante a inserção, como o uso de analgésico antes ou anestesia local. Vale lembrar que a tolerância à dor é algo que varia muito entre as pessoas e depende de vários fatores. É muito importante que o profissional escute a paciente e leve seu bem-estar a sério.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin