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Namoro com IA já é realidade; como isso afetará os relacionamentos?

Um quarto dos norte-americanos acreditam que a IA vai substituir relacionamentos românticos reais - iStock
Um quarto dos norte-americanos acreditam que a IA vai substituir relacionamentos românticos reais - iStock

Você toparia ter um relacionamento com um chatbot? Por incrível que pareça, algumas pessoas já fazem isso, e outras estão prontas para tentar. Uma pesquisa recente, feita nos EUA, mostra que 1% de um total de 2.000 pessoas com menos de 40 anos relata já ter um amigo chatbot. 

Ainda segundo o estudo, do Instituto de Estudos sobre Família (IFS, na sigla em inglês), em parceria com a organição YouGov, 7% dos adultos jovens solteiros estão abertos à ideia de ter uma relação romântica com IA. E 25% dos entrevistados acreditam que a IA vai substituir relacionamentos românticos de verdade.

Homens estão mais abertos

Os homens são mais abertos a amizades com IA do que as mulheres (13% contra 9%), de acordo com essa pesquisa. Os liberais também mostram maior abertura em comparação aos conservadores (14% contra 9%), sendo que esses últimos são mais propensos a expressar desconforto ou oposição à ideia.

Entre os jovens adultos sem parceiros, os usuários pesados ​​de pornografia são o grupo mais aberto à ideia de uma relação romântica virtual. Aqueles que assistem pornografia online pelo menos uma vez ao dia são duas vezes mais propensos a dizer que estão abertos a isso do que aqueles que raramente ou nunca assistem. 

Outro estudo parecido, publicado pela MIT Technology Review, analizou 1 milhão de interações no ChatGPT e constatou que o “role playing” sexual foi o segundo tipo de uso mais prevalente da plataforma, perdendo apenas para a categoria "composições creativas".  Em outras palavras, as pessoas já estão praticando...

Pandemia de solidão

Em um artigo recente publicado por Anna Mae Duane, diretora do Instituto de Humanidades da Universidade de Connecticut, nos EUA, ela observa que a atual pandemia de solidão que afeta os jovens torna irresistível o uso da tecnologia para preencher o vazio.

Ela lembra que alguns casos relatados pela imprensa já dão uma ideia do perigo que relacionamentos com IA podem representar para jovens mais vulneráveis. No ano passado, um garoto de 14 anos, na Flórida, decidiu acabar com a própria vida porque queria ficar para sempre com uma chatbot com quem vinha se relacionando há meses. Em 2021, um jovem de 21 anos invadiu o Castelo de Windsor, na Inglaterra, para tentar matar a então rainha, depois de ser encorajado pelos diálogos com uma namorada chatbot. 

Amor no século XXI

“Essa tendência juvenil de escolher chatbots como parceiros românticos está respondendo a e acelerando mudanças fundamentais em como as pessoas definem o amor no século XXI”, diz a autora do artigo.

Citando outros especialistas, ela lembra que esses chatbots concordam com a gente incondicionalmente, estão sempre ao nosso lado e prontos para nos ouvir, como promete o anúncio de um aplicativo gratuito que oferece amigos virtuais. Imagine poder dizer qualquer coisa sem o risco de ser julgado? 

O apelo é tão forte, que a empresa de gestão de investimentos Ark Investment estima que o mercado de companheiros de IA provavelmente atingirá entre US$ 70 bilhões e US$ 150 bilhões em receita até o final da década.

Como encarar a realidade? 

As consequências desse tipo de relacionamento, a longo prazo, são óbvias: uma intolerância completa a conflitos e rejeições, algo que faz parte da vida de qualquer pessoa em parcerias românticas reais.

Com isso em mente, muitos pais passaram a se preocupar com os perigos que esse tipo de interação podem trazer para seus filhos. Um grupo deles criou a organização Rooted In Reality (algo como "Fincado na Realidade", em inglês), nos EUA. Com palestras e discussões, eles esperam atrair outras pessoas e refletir sobre possíveis soluções para proteger os mais novos. 

Mas como diz Anna Mae Duane, a questão não é apenas como resguardar os adolescentes dessa influência sedutora, mas o quanto cada um de nós está disposto a investir na "confusa, desafiadora e profundamente humana arte do amor". 

A Geração Z e Alfa são as primeiras a testar essa nova forma de relacionamento e todas as suas consequências. Se a moda pegar, enredos como o do filme Her, de 2013, em que o personagem de Joaquin Phoenix se apaixona pelo sistema operacional do seu computador, farão parte da nossa realidade. E, como acontece com toda história de amor, não dá para saber se vai dar certo. 

Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin