Estudo apontou forte conexão entre taxas de infecção e cepas de autoritarismo em atitudes públicas e liderança política
Redação Publicado em 21/09/2021, às 14h00
Segundo psicólogos, além do nosso sistema imune fisiológico, também temos um sistema imune comportamental: um código de conduta inconsciente que nos ajuda a ficar livres de doenças, incluindo o medo e evitar pessoas desconhecidas – e possivelmente infectadas. Quando o risco de infecção é alto, esse comportamento, chamado de “estresse parasita”, aumenta potencialmente, manifestando-se como atitudes e até mesmo padrões de votação que defendem a conformidade e rejeitam “grupos estrangeiros” – um traço central da política autoritária.
Agora, um novo estudo, o maior a investigar ligações entre prevalência de patógenos e ideologia, revela uma forte conexão entre taxas de infecção e cepas de autoritarismo em atitudes públicas, liderança política e até legislação. Embora os dados utilizados para o estudo antecedam a Covid-19, psicólogos da Universidade de Cambridge (EUA) afirmam que um maior desejo público por “conformidade e obediência” como resultado da pandemia poderia, em última análise, ver a política liberal sofrer nas urnas. Os resultados foram publicados no Journal of Social and Political Psychology.
Pesquisadores usaram dados de doenças infecciosas dos Estados Unidos nas décadas de 1990 e 2000, e respostas a uma pesquisa psicológica realizada com mais de 206.000 pessoas nos EUA durante 2017 e 2018. Eles descobriram que as cidades e Estados com mais infecções passaram a ter cidadãos mais autoritários. Esses achados foram replicados em nível internacional usando dados de pesquisas de mais de 51.000 pessoas em 47 países diferentes, comparando respostas com taxas de doenças de nível nacional.
Os Estados mais autoritários dos EUA tinham taxas de doenças infecciosas – do HIV ao sarampo – cerca de quatro vezes maiores do que os Estados menos autoritários, enquanto em nações mais autoritárias era três vezes maior do que o mínimo. Isso ocorreu após os cientistas contabilizarem uma série de outros fatores socioeconômicos que influenciam a ideologia, incluindo crenças religiosas e desigualdades na riqueza e na educação. Eles também descobriram que as taxas de infecção regional mais altas nos EUA corresponderam a mais votos para Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA em 2016.
Além disso, tanto nas nações quanto nos Estados americanos, as taxas mais altas de doenças infecciosas correlacionaram-se com leis mais ”verticais” – aquelas que afetam desproporcionalmente certos grupos, como o controle do aborto ou penas extremas para certos crimes. Esse não foi o caso de leis “horizontais”, que afetam a todos igualmente.
Os pesquisadores afirmaram ter encontrado uma relação consistente entre a prevalência de doenças infecciosas e uma preferência psicológica por conformidade e estruturas hierárquicas de poder – o que consideram como “pilares da política autoritária”. Taxas mais elevadas de doenças infecciosas previram atitudes políticas e resultados, como voto conservador e estruturas jurídicas autoritárias. Eles afirmaram ver, em vários níveis geográficos e históricos de análise, essa relação emergia repetidamente.
Eles também afirmaram ter desoberto que as taxas de patógenos de mais de 20 anos atrás ainda eram relevantes para atitudes políticas tão recentes quanto 2016. Para eles, se a Covid-19 aumentar o fascínio pela política autoritária, os efeitos podem ser duradouros. O estudo também testou se a ligação com o autoritarismo era mantida para doenças zoonóticas – aquelas que só são adquiridas de animais –, mas encontrou apenas aquelas relacionada à transmissão de doenças humanas, sugerindo ainda que isso faz parte de um “sistema imunológico comportamental”.
Em 2017, psicólogos de Cambridge trabalharam com a Time Magazine para lançar uma pesquisa de personalidade em duas partes. A primeira foi baseada nos romances de Harry Potter, mas os participantes também poderiam optar por uma segunda parte usada para pesquisa científica, que incluía uma medida de autoritarismo. Os participantes foram apresentados a pares de traços de personalidade e questionados sobre qual qualidade era mais importante uma criança possuir, por exemplo, independência ou respeito, obediência ou autoconfiança. Mais de um quarto de milhão de pessoas completaram essa seção e forneceram seus códigos postais.
Para os níveis de doenças nos Estados americanos, os cientistas usaram dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças entre 1993 e 2007. Estes incluíram taxas de patógenos, como hepatite viral, herpes, HIV, sarampo e catapora. Para as cidades dos EUA, a equipe de Cambridge calculou as taxas de clamídia e gonorreia de 2002 a 2010. Para as 47 nações, foi utilizado um índice de nove doenças infecciosas que vão da tuberculose à malária.
Para os especialistas, essas descobertas são um sinal de alerta de que comportamentos que evitam doenças têm profundas implicações para a política. A Covid-19, por exemplo, pode moldar as tendências das pessoas em relação à conformidade e obediência, e isso pode ser convertido em preferências políticas autoritárias, padrões de votação e leis.
A pesquisa reflete o que ocorre nos Estados Unidos, mas é bem possível que isso ocorra em outros países pelo mundo, inclusive aqui no Brasil. Ou seja, a saúde e a política podem estar mais entrelaçadas do que imaginávamos anteriormente.
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