Pais tendem a achar que é cedo demais para falar de sexo

“Olá, Jairo! Sou professora de um colégio particular no interior de São Paulo há mais de 20 anos. Todos os anos, AINDA esbarro na resistência de mães

Jairo Bouer Publicado em 23/09/2020, às 10h38

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“Olá, Jairo!

Sou professora de um colégio particular no interior de São Paulo há mais de 20 anos. Todos os anos, AINDA esbarro na resistência de mães quando o assunto de minhas aulas é sexualidade; e neste ano de aulas remotas não foi diferente. Uma das mães, depois de saber que expliquei sobre métodos contraceptivos e, especialmente coito interrompido, ficou escandalizada porque viu a figura (e não foto) da prática no material dos alunos. Ela disse que achava o conteúdo agressivo e pior, que impediria o filho de 13 anos de ter acesso ao material. Creio que, por influência da religião, a mãe teve essa reação.  Expliquei que se tratava de conteúdo previsto a ser dado no 8° ano e que o conhecimento é a melhor arma para a prevenção de gravidez na adolescência e IST’s. Salientei que o tema é tratado com a maior seriedade que um professor ético pode ter quando ensina assuntos delicados como sexualidade. Gostaria que o senhor abordasse esse tema (resistência dos pais ao ensino de sexualidade) em sua coluna do UOL e me desse uma orientação de como devo lidar com pais que chegam a atrapalhar o meu trabalho.”

Na semana passada, eu recebi o desabafo acima de uma professora de Ciências do interior de São Paulo. Acho importante discutir a questão por vários motivos. Em primeiro lugar, apesar das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para que temas de sexualidade sejam abordados no ensino fundamental, a gente sabe que são poucas as escolas públicas e privadas que têm um programa de educação sexual no currículo. Por isso é lamentável que esse tipo de conteúdo ainda seja visto como inadequado pelos pais, os maiores interessados na saúde e bem-estar dos jovens.

Já em 2014, as Nações Unidas divulgou uma diretriz em que destacava a importância de uma educação sexual mais abrangente, que não promova apenas saúde, mas também respeito aos direitos humanos e à igualdade de gênero. O guia diz que alunos devem receber informações sobre acesso a contraceptivos para evitar gravidez indesejada já a partir dos 12 anos – algo definido com base em pesquisas. E eles enfatizam que a educação sexual deve ser realizada também na escola porque a maioria dos pais não conversa com os filhos sobre o tema em casa.

Um dos principais obstáculos para pais e cuidadores é o receio de que falar no assunto faça crianças e adolescentes terem interesse em sexo antes da hora. Mas as pesquisas mostram o oposto: jovens bem informados tendem a adiar o início da vida sexual e a usar mais camisinha. Vale lembrar que quase 30% dos brasileiros têm sua primeira experiência sexual antes dos 15 anos, por isso adiar a conversa deixaria uma parcela grande dos adolescentes em risco.

Aguardar o momento que os pais consideram o mais adequado traz inúmeras consequências. Vou citar apenas três: 1) as complicações no parto são a segunda causa de morte entre meninas de 15 a 19 anos em vários países do mundo, segundo a ONU. 2) As taxas de infecção por HIV só têm aumentado entre meninos e meninas de 10 a 14 anos, no Brasil. (). 3) Nosso país registrou um número recorde de casos de abuso sexual infantil no último levantamento do Ministério da Saúde, sendo que a maioria aconteceu dentro de casa. Falar sobre toques inapropriados, aliás, é algo que deve ser feito assim que os pequenos aprendem a nomear suas partes íntimas.

Querem ver mais um exemplo concreto e recente de como educação sexual pode ter um impacto positivo em uma das questões centrais de saúde pública para adolescentes, principalmente em países e comunidades de baixa renda? Com um programa consistente de educação sexual no currículo desde a infância, além de acesso facilitado aos métodos contraceptivos e à pílula do dia seguinte, o Reino Unido conseguiu reduzir pela metade as taxas de gravidez na adolescência nos últimos anos.

Cada vez mais, o que se preconiza é uma educação sexual focada não apenas nos aspectos biológicos da reprodução e as mudanças no corpo, mas que também envolva questões como emoções, amor, prazer, consentimento, respeito e comunicação. Adolescentes precisam saber por que e como usar a camisinha, sim, mas também é preciso que eles aprendam a negociar limites e sexo seguro nos momentos em que o desejo e o medo de decepcionar o outro falam mais alto. E isso é algo que não se ensina em uma palestra pontual, mas de uma maneira consistente e programática ao longo do percurso do jovem na escola.

E mais, para diminuir eventuais resistências, acho importante que a direção pedagógica das escolas dê o suporte e o apoio necessários para que os professores possam trabalhar essa questão de forma mais tranquila e de maneira transversal (em diversas disciplinas), e que promova encontros periódicos com os pais e responsáveis para que eles possam estar conectados com os objetivos dos professores e com as questões de saúde física e mental que cercam a vida real e cotidiana dos seus filhos.

Aliás, se você quiser saber mais sobre o tema dê uma olhada nessa live que fiz recentemente com a pedagoga e mestre em educação sexual Caroline Arcari:



Veja, também, outros vídeos no meu canal no YouTube

*Texto extraído da Coluna do Jairo Bouer no UOL

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