Por não poder viajar ou sair, muita gente direcionou o dinheiro para outras necessidades
Cármen Guaresemin Publicado em 17/06/2022, às 18h00
Impossibilitados de viajar e sair para teatros ou restaurantes durante a pandemia da Covid-19, muitos brasileiros aproveitaram para investir o dinheiro em algo mais ligado à saúde, e adiado por muitos: fazer implantes dentários. Quem afirma é o mestre e doutor pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo Hugo Lewgoy, especialista em cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial.
Esse tipo de cirurgia existe para tratar traumas e fraturas dos ossos da face devido a acidentes de carro, moto, bicicleta, brigas, agressões, acidentes em esportes ou domésticos, ou outros incidentes traumáticos. Trata-se de uma especialidade odontológica por ser um procedimento de altíssimo nível de complexidade. O interessante é que, por sua característica primariamente cirúrgica, muitas pessoas a confundem com uma especialidade médica, no entanto o bucomaxilo é um profissional da odontologia.
Na primeira parte da entrevista, Lewgoy contou que o Brasil é o país com mais dentistas do mundo, e com mais desdentados. Aqui, ele explica um pouco do que faz um especialista em cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial, como os implantes dentários evoluíram e o que podemos esperar para o futuro, em relação à odontologia.
Imagino que a maioria dos casos atendidos na área de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial venha de acidentes automobilísticos. Pode falar um pouco do perfil do paciente e se a recuperação é satisfatória?
Os acidentes automobilísticos realmente são responsáveis por uma parte significativa do chamado trauma bucomaxilofacial. Contudo, desde a adoção do cinto de segurança, esse número decresceu bastante. Os acidentes motociclísticos, por outro lado, estão ocorrendo com muita frequência e, infelizmente, são em grande parte letais ou levam a traumas bastante severos, como, por exemplo, lesões neurológicas, problemas ortopédicos e bucomaxilofaciais dos mais variados tipos.
Nos hospitais privados, o trauma predominante continua sendo o acidente automobilístico, seguido por acidentes esportivos, principalmente ciclísticos. Já nos idosos, as quedas e fraturas ortopédicas são prevalentes. Porém, a maior incidência de trauma nos hospitais públicos ainda é resultado da violência interpessoal, seja por agressão ou ferimentos por armas de fogo. Isso mostra, que o tipo de trauma maxilofacial é diverso, variando bastante de acordo com idade e também com a classe econômica-social.
Há novidades neste setor?
Na traumatologia bucomaxilofacial são realizados procedimentos para redução das fraturas e recuperação da região traumatizada. Na osteossíntese (intervenção cirúrgica nas extremidades de osso fraturado, visando manter unidas as bordas) podem ser utilizadas miniplacas e parafusos. Normalmente as placas para fixação de fraturas não são customizadas, pois são emergências e não há tempo de fazer uma tomografia e mandar produzir as placas específicas individualizadas. Isso só é realizado em casos de tumores e cirurgias ortognáticas eletivas. As placas reabsorvíveis, que foram desenvolvidas há aproximdamente15-20 anos, não se mostraram vantajosas, sendo muito caras e com performance semelhante. Continuam sendo utilizadas em traumas infantis, justamente devido ao crescimento ósseo.
Mudando de área, a procura por implantes dentários aumentou nos últimos tempos?
O surgimento dos implantes dentários causou uma verdadeira revolução na odontologia e, indiscutivelmente, a procura por implantes dentais vem crescendo de forma regular a cada ano. Os implantes odontológicos existem há muitos anos, mas foi a partir do desenvolvimento dos implantes osseointegrados que esta modalidade de tratamento ganhou muita força e se espalhou pelo mundo. No Brasil, os primeiros implantes osseointegrados realizados datam de 1990 e, a partir deste ano, seu crescimento sempre foi contínuo. O aumento da experiência dos cirurgiões-dentistas e a previsibilidade dos tratamentos tornou a terapia por implantes dentários o principal meio para a recuperação dos dentes perdidos.
E essa evolução permanece, com contínuos desenvolvimentos em materiais para implantes, como o zircônio, e também tratamentos de superfície das estruturas dos implantes, que permitem uma osseointegração nas estruturas ósseas de forma mais rápida e duradoura. Novos biomateriais também permitem instalação de implantes em áreas de pouco osso, com cirurgias cada vez menos invasivas.
A cirurgia guiada - método minimamente invasivo que não necessita de incisões (cortes com lâminas), descolamentos de fibromucosa e nem ao menos suturas - também tem evoluído bastante, permitindo a colocação de implantes com precisão e segurança. Porém, temos ainda muito que evoluir, principalmente no tratamento da chamada peri-implantite, que é uma doença dos tecidos de suporte que circundam os implantes. Essa é a maior complicação na atualidade e, muitas vezes, leva a falhas nos tratamentos, com perda do implante e, consequentemente, da prótese implantossuportada que foi instalada para a recuperação da função e estética dental.
Mais uma vez, a higiene oral desempenha um papel fundamental na prevenção das peri-implantites. A utilização das escovas unitufo e escovas interdentais do tipo prime podem prevenir o surgimento desse problema. Um fato interessante em relação aos tratamentos com implantes: uma pesquisa realizada em 2021, pela. Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais apontou as restrições impostas pela pandemia da Covid-19, como a explicação para o fenômeno de crescimento do número de implantes dentários. Com a impossibilidade de investir em viagens, lazer e restaurantes, entre outros, a folga do orçamento das pessoas foi direcionada para outras necessidades, dentre elas a realização dos implantes dentais.
E quais as novidades nessa especialidade?
Atualmente, a maior novidade é o desenvolvimento de materiais sintéticos com a finalidade de recompor as estruturas ósseas perdidas, fazendo com que os procedimentos de enxertos ósseos sejam mais fáceis e com menor trauma para os pacientes. Com o maior conhecimento do processo de integração do implante ao osso, também tivemos o desenvolvimento de novos implantes que possibilitam um menor tempo de espera entre a sua instalação e a finalização com a prótese definitiva.
Uma vertente que também vem ganhando espaço na área da implantodontia é a já citada cirurgia guiada. Explicando melhor, são cirurgias realizadas em um menor tempo, graças aos avanços nos procedimentos digitais, chamado de fluxo digital. Resumidamente, com a realização de uma tomografia digital e um escaneamento dos dentes e gengivas do paciente, constrói-se um modelo virtual em 3D e, por meio de alguns softwares específicos, são planejadas guias cirúrgicas que, posteriormente, são produzidas em impressoras 3D, ou seja, são transformadas em guias cirúrgicas físicas, em um material resinoso que orientará a futura cirurgia e a instalação dos implantes de forma precisa e com a localização posicionamento ideais. Com isto temos cirurgias menos invasivas, com menor tempo operatório o que resulta em maior conforto aos pacientes.
Alguma pista de como serão os tratamentos bucais futuros ou pouca coisa irá mudar?
Cada vez mais estamos vendo a presença da tecnologia nos diagnósticos e tratamentos odontológicos. Algo que deverá mudar significativamente será a atuação da bioengenharia tecidual, na qual, cada vez mais teremos substitutos aos tecidos, chegando até ao desenvolvimento de germes dentários por meio de células-tronco. Vejo também que os materiais restauradores podem se tornar “inteligentes” e alterarem a sua função após aplicação, ajudando na longevidade dos tratamentos.
Por exemplo, uma restauração cerâmica teria a capacidade de alterar a sua estrutura molecular no caso da ocorrência de uma trinca. Essa cerâmica conseguiria se estabilizar e impedir a evolução da fratura, aumentando a longevidade da restauração sem a necessidade de substituição imediata. Existe também a possibilidade de controles biológicos, por exemplo, o controle de problemas infecciosos por meio de um combate microbiológico. Seria uma espécie de “guerra” microbiológica, onde mutações genéticas em microrganismos que provocam a cárie dental poderiam, por exemplo, torná-los não agressivos.
Também acredito que surgirão formas para combater o envelhecimento do corpo e todas as suas estruturas. A evolução na área biológica e biomédica está acelerada, atualmente já existem nanossensores, editores de DNA e até impressoras de genoma que, futuramente, poderão auxiliar esses processos. Mas o que acho mais interessante é que já sabemos a forma de conseguir fazer com que os tratamentos e/ou dentes tenham uma maior longevidade, que são os cuidados diários. E nem isso, ainda, conseguimos fazer de forma eficiente promovendo a conscientização da população.
Hugo Lewgoy é especialista, Mestre e Doutor pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo; Professor Colaborador do Instituto de Pesquisas Nucleares (Ipen) e do Mestrado Profissional em Biomateriais em Odontologia da Universidade Anhanguera (Unian); Pós-graduado em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); Instrutor da filosofia individually Training Oral Prophylaxis (iTOP); Pós-graduado em Implantodontia pela Miami University e University of Berna; Membro do International Team of Implantology (ITI); Consultor Científico da Curaden Swiss.
Veja também:
7 maneiras de manter uma boa saúde bucal
Gengivas: você está cuidando bem delas?
Melhores e piores alimentos para ter um sorriso saudável
Siso: tire dúvidas e veja curiosidades sobre o "dente do juízo"