Cármen Guaresemin Publicado em 01/09/2021, às 10h00
Não há mais dúvidas de que a chegada da pandemia do novo coronavírus no fim de 2019 mudou muita coisa no mundo. A solidão provocada pela quarentena e pelo isolamento físico fez muita gente perceber que faltava alguma coisa, especialmente quem morava só ou tinha filhos em casa. Nesse contexto, algo se tornou um fenômeno mundial: o aumento na adoção de cães e gatos. E quem já tinha um pet, passou a ter tempo e dar mais atenção ao amigo.
A Comissão de Animais de Companhia (Comac) do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal (Sindan) apresentou em julho último os principais resultados da pesquisa Radar Pet 2021. Um dos principais pontos revelados pela pesquisa foi o aumento do número de animais de estimação nos lares brasileiros, crescimento que foi acelerado, claro, pela pandemia.
Cerca de 30% dos pets do estudo foram adotados ou adquiridos durante o período de isolamento, com uma predominância maior de gatos entrando nos lares brasileiros. Outro dado interessante é que, para 23% dos entrevistados, este era o primeiro animal de estimação. E a maioria dos animais veio mesmo de ONGs de proteção. Entre os felinos, 84% foram adotados e, entre os cães, 54%.
Os animais adotados costumam estar na faixa etária mais jovem. Sobre o perfil de tutores adotantes durante a pandemia, pessoas que moram sozinhas foram predominantes. A região Sul foi a que apresentou as maiores taxas de adoção e, entre os adotantes de gatos, casais sem filhos foram a maioria.
A pesquisa também apontou que o percentual de tutores que enxergam os animais como filhos ou membros da família aumentou, mostrando que o período foi relevante para fortalecer os laços entre aqueles que permaneceram com seus animais. Também diminuiu o percentual de pessoas que os enxergam apenas como um bicho de estimação.
A"Pets em Casa", uma pesquisa realizada pela Hibou - empresa de pesquisa e monitoramento de mercado e consumo – em julho, com 2.069 brasileiros, deixou claro como a relação entre humanos e pets foi impactada. Hábitos de compra, comportamento e consumo também foram alterados. Os bichinhos se tornaram essenciais por se apresentarem como companhia e apoio emocional durante o período de isolamento social.
Outro recorte da amostra é sobre a percepção da violência contra os animais e as possíveis penalidades. Tanto para quem adotou quanto para quem já possuía animais, a frase “eles representaram um suporte emocional em tempos de pandemia”, foi apontada por 54,9% como afirmativa; 48,9% das pessoas informaram que se apegaram mais aos pets, devido ao maior convívio. E, para os animais, a companhia também foi importante, pois 33,1% das pessoas notaram que os bichinhos ficaram mais calmos.
O que pode parecer contraditório é que, infelizmente, na contramão dessa alta nas adoções, a pesquisa da Comac também mostrou que cerca de 10 milhões de animais foram abandonados durante a pandemia. O motivo teria sido a perda de poder aquisitivo, já que muita gente foi demitida ou teve a renda diminuída.
“Sim, muitos animais foram devolvidos às ONGs, ou, até pior, foram abandonados, fruto de uma irresponsabilidade e de uma adoção por impulso”, comenta Rosângela Gebara, médica-veterinária integrante da Comissão Técnica de Bem-estar Animal do CRMV-SP e gerente de projetos da Oscip Ampara Animal.
“As pessoas não entendem que adotar é um ato de extrema responsabilidade e para a vida toda, cães e gatos vivem, em média, 15 anos, e necessitam de cuidados e amor para sempre. Existem gastos com alimentação, remédios, vacinas, cirurgias, idas ao veterinário etc.”, completa.
Susan Yamamoto, uma das fundadoras da ONG Adote um Gatinho (AUG) comenta que viu as adoções crescerem em outras entidades, mas na AUG isso não ocorreu (mas por um bom motivo): “Sei que houve aumento porque é falado entre as ONGs. Com a gente houve um aumento grande na procura, mas como nosso processo de adoção é bem rigoroso, muita gente acabou desistindo de adotar. Então tivemos um aumento bem discreto”.
Ela conta que o público predominante da ONG é formado por pessoas de 25 a 35 anos e que começaram a vida fora da casa dos pais, solteiras ou casadas. Porém, durante a pandemia, houve bastante pedido de gente que se sentia sozinha com a quarentena e queria uma companhia. E daqueles trabalhando em home office que notaram que o gato precisava de um amigo. E outras que já queriam um segundo ou terceiro bichano e aproveitaram o home office para estar junto no processo de adaptação.
Quem quer adotar no impulso não encontra facilidade na AUG, por isso os índices de devolução são muito baixos. Susan diz que a equipe explica todos os pontos aos interessados:
A pessoa precisa avaliar se vai ter tempo para cuidar e interagir com o gatinho; se tem condições financeiras não só para uma alimentação de boa qualidade, mas também para os cuidados de saúde básicos (vermífugo, vacinas, antipulgas) e imprevistos (consultas veterinárias, medicação, tratamentos e até mesmo uma possível internação)", explica.
"Se ela consegue assumir o compromisso de uma vida toda, considerando que um gato pode viver até 20 anos, e isso inclui mudanças na vida, de emprego, de relações afetivas e familiares, de cidade ou de país etc. E pensar em quem vai cuidar do pet no caso de viagem ou ausência. E na segurança, pois, no caso de gatos, é preciso ter redes de proteção em todas as janelas do apartamento e em todos os acessos à rua e telhados se for uma casa”.
Se engana quem pensa que um animal que é abandonado não sente o baque. Muitos se deprimem e adoecem.
Os animais sentem muito quando trocam de ambiente, quando perdem o contato com aqueles que amam. E sofrem ainda mais quando são abandonados”, enfatiza a veterinária, que faz questão de lembrar que abandonar um animal é um crime.
“Os animais sofrem psicológica e fisicamente - podem morrer de fome, de frio, atropelados, envenenados, podem ser vítimas de maus-tratos. É uma extrema covardia e violência abandonar um animal indefeso e vulnerável - e é crime previsto pela lei”, diz Rosângela.
Susan menciona até um exemplo extremo: “Já tivemos até um caso de óbito, infelizmente. Mesmo com sonda para alimentar, já que, espontaneamente, isso não acontecia, não conseguimos salvar a vida de um gatinho devolvido”.
Os entrevistados da pesquisa da Hibou foram questionados sobre quais deveriam ser as penas para crime de maus-tratos contra animais e poderiam responder mais de uma penalidade: 69,5% afirmaram que deveria haver prisão e ser crime inafiançável; 64,1% pensam que os agressores não poderiam ter animais; 40,3% deveriam cumprir pena na prisão; para 36,2%, os infratores deveriam fazer serviço comunitário em ONG de animais; 22,8% declararam que o ideal seria ter pagamento de cesta básica ou multa; 13,9% indicaram que a prestação de serviço comunitário em ONG de outros objetivos seria uma alternativa.
Apenas 0,4% declararam que não acreditam que maus-tratos aos animais deveria ser crime. É importante lembrar que tramita a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, em que são citadas as sanções a quem comete algum ato violento ou abandona animais.
Aos poucos, várias cidades brasileiras estão voltando ao ritmo de antes da pandemia. Para os animais que foram adotados neste período de quarentena ou trabalho remoto, ou mesmo para os pets que começaram a ter a presença contínua dos tutores, esta mudança poderá trazer inquietação e mesmo provocar a síndrome da ansiedade por separação.
Muitos cães e gatos podem apresentar ansiedade de separação, pois ficaram muito tempo acostumados com nossa presença 24 horas por dia e, assim, vão sentir a mudança na rotina, principalmente se essa for brusca”, admite Rosângela.
Ela lista alguns sinais de que o animal está passando por isso: destruir móveis e objetos, raspar paredes, uivar, chorar, latir, miar alto, principalmente na primeira hora após a saída do tutor. Muitos urinam e defecam fora do lugar, demonstrando o pânico de ficarem sozinhos.
Susan comenta que, mesmo sem ser especialista no assunto, acredita que os cães sintam mais. Mas entende que os gatos vão sentir também: "Faço um trabalho paralelo ao da ONG, de hospedagem, e noto que os meus clientes (os gatos) estão bem mais apegados aos tutores. Não sou especialista em comportamento, mas os gatos podem ficar agitados, irritados ou deprimidos, fazerem coisas para chamar a atenção (como as necessidades fora da caixa) e acredito que possam até ficar doentes, pois o psicológico influencia bastante. Mas muitos podem levar numa boa também, pois se trata de um animal de hábito noturno. Eles podem dormir até 18 horas em um dia”.
Rosângela diz que há várias estratégias para evitar o problema, mas se o caso for grave, o ideal é procurar ajuda de veterinários ou especialistas em comportamento animal. A seguir, a veterinária dá algumas dicas de como melhorar ou prevenir o problema:
Tente não fazer uma mudança brusca de rotina mas, sim, mude aos poucos. Brinque bastante com o gato quando estiver em casa, pois ele precisa gastar energia. E, se for o caso, adote um amiguinho”, completa Susan.
“A primeira coisa que aconselhamos é nunca adotar por impulso”, ensina a veterinária. Ela pede para que a pessoa tente refletir com todos da família sobre a real motivação em se ter um animal de companhia. E que avalie bem se tem condições de cuidar bem deste animal. Rosângela lista estas questões a serem avaliadas:
Se, depois de pensar em todas estas questões acima você ainda achar que tem condições de cuidar de um cão ou gato para o resto da vida, ótimo. Parabéns, você já pode se candidatar como adotante.
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