Doutor Jairo
Leia » Fertilidade

Planeja engravidar? Cuidado, sua casa pode esconder algumas ameaças

Não aqueça alimentos ou os coloque quentes em recipientes de plástico macios, e evite cobri-los com filme plástico - iStock
Não aqueça alimentos ou os coloque quentes em recipientes de plástico macios, e evite cobri-los com filme plástico - iStock

Redação Publicado em 27/05/2022, às 12h00

Quando uma pessoa ou casal decide engravidar, é provável que sequer pense que alguns produtos e objetos de sua rotina diária possam afetar a saúde e atrapalhar este sonho. Porém, é preciso lembrar que o meio ambiente causa mudanças no nosso organismo, e essas transformações ocorrem inclusive em células, enzimas e genes, o que pode causar distúrbios metabólicos e também prejudicar a fertilidade.

A modernidade trouxe muitas coisas que facilitam nossa vida, fazendo com que entremos em contato com muitos produtos químicos diferentes, e isso vai dos alimentos que comemos ao ar que respiramos. A maioria desses produtos não causa danos nos níveis aos quais estamos normalmente expostos, mas estudos descobriram que um grupo específico deles, chamados de disruptores (ou desreguladores) endócrinos, também conhecidos como EDCs (do inglês "endocrine-disruptive chemicals"), podem afetar a qualidade do esperma, óvulo e embrião e, portanto, a chance de uma pessoa ter um bebê. Eles também podem afetar o potencial de saúde a longo prazo do próprio bebê.

O excesso de exposição a produtos químicos pode induzir a diversos tipos de danos no DNA, levando, então, a mutações que inviabilizam o espermatozoide, contribuindo para a infertilidade masculina. E indivíduos que são portadores de alelos que comprometem os mecanismos de defesa, como o sistema antioxidante, são ainda mais suscetíveis a esses danos.

EDCs estão no ambiente e nos alimentos que ingerimos. No entanto, houve uma mudança histórica desde a Segunda Guerra Mundial, já que a rápida industrialização fez surgir a criação e o uso de milhares de novos compostos químicos. Estes incluem EDCs artificiais usados em muitos utensílios domésticos. Alguns dos tipos mais comuns que você já deve ter ouvido falar são BPA (Bisfenol A), ftalatos e parabenos. Eles estão presentes em potes e garrafas plásticas, recibos de caixa eletrônico e até em cosméticos que você passa gentilmente no rosto – ou nos dentes, no caso dos cremes dentais.

Estima-se que 95% das pessoas têm EDCs no corpo, mas, de acordo com um número crescente de pesquisas, as pessoas que lutam para conceber têm níveis mais altos de alguns produtos químicos desreguladores endócrinos. Também é conhecido que níveis mais altos de alguns EDCs estão associados a uma chance menor de engravidar entre casais que usam tecnologias de reprodução assistida, como a fertilização in vitro. Abaixo, algumas dicas de como minimizar essa exposição, principalmente se você está tentando ter um filho:

Reduza os produtos químicos em sua alimentação

Não é nada novo recomendar que se lave frutas e legumes por causa dos produtos químicos que podem ter sido pulverizados sobre eles. Os EDCs estão frequentemente presentes nesses sprays, portanto, lavar bem os produtos frescos pode ajudar a reduzir o consumo de alguns desses produtos químicos. Eles também estão presentes no material usado para revestir o interior das latas de alimentos, bem como nas embalagens plásticas de alimentos. Portanto, sempre que possível, é melhor evitar alimentos processados ou pré-embalados.

Leia, também, os rótulos de todos os produtos alimentícios e evite aqueles com certos aditivos, conservantes e agentes antibacterianos. Peixes oleosos, incluindo salmão, atum, sardinha e carnes gordurosas, também podem conter maiores quantidades de EDCs, principalmente na parte gordurosa, dependendo de onde esses animais foram capturados ou produzidos. Limitar a quantidade e a frequência com que você come esses tipos de peixe ou carne é outra maneira de reduzir a ingestão de EDCs.

Se possível, compre alimentos orgânicos. Se não for possível, lave e descasque os itens antes de comê-los para remover os produtos químicos agrícolas que eles possuem.

Cuidados ao aquecer a comida

Recipientes de plástico para viagem, filme plástico e papel alumínio também contêm produtos químicos desreguladores hormonais que são absorvidos pelos alimentos quando aquecidos, especialmente se os alimentos forem gordurosos. Portanto, é muito importante não aquecer alimentos ou colocá-los quentes nesses recipientes de plástico macios, e evite cobri-los com filme plástico ou papel alumínio. Em vez disso, aqueça sua comida em porcelana ou vidro – e cubra seus pratos com uma toalha de papel ou prato. Também é importante ter em mente que os recipientes de plástico que são anunciados como “livres de BPA” podem conter outros EDCs, como o BPS (bisfenol S), que pode ser igualmente prejudicial.

Evite garrafas plásticas

Plastificantes contendo EDC são usados na fabricação de garrafas plásticas de água potável e refrigerantes. Então, em vez disso, beba água ou refrigerantes de garrafas de vidro ou plástico duro, em vez de garrafas macias, reduzindo a ingestão desses produtos químicos. Também é particularmente importante evitar beber de garrafas de água descartáveis que ficaram em um ambiente quente, pois a água terá absorvido níveis significativos de EDCs do plástico.

Confira:

Jogue fora recibos de vendas

A superfície brilhante que cobre muitos recibos de vendas contém BPA, portanto evite manuseá-los (especialmente com os dedos molhados) e jogue fora todas as cópias antigas na carteira ou no fundo da bolsa. Também é uma recomendação importante preferir receber os comprovantes de pagamentos em cartão por via digital (pelo aplicativo ou por e-mail), evitando a emissão desnecessária de papel e o contato com disruptores endócrinos.

Mantenha a casa ventilada

Purificadores de ar, fumaça, produtos químicos fortes, repelentes de insetos, produtos fortemente perfumados, cheiros e vapores de plástico, bem como partículas liberadas de móveis domésticos, todos contêm EDCs potencialmente prejudiciais. Resumindo: se você pode cheirar algo, então você está sendo exposto a isso. A melhor abordagem é arejar sua casa com frequência para reduzir a chance de respirar partículas químicas, principalmente quando for pintá-la, limpá-la ou quando estiver fazendo qualquer trabalho usando cola, tinta, resinas etc.

Escolha opções “verdes”

Muitos produtos domésticos podem conter EDCs, incluindo detergentes, desinfetantes para as mãos, agentes de limpeza e produtos de limpeza de carpetes. Esses produtos químicos também podem ser encontrados em colas, tintas e vernizes. Como resultado, considere reduzir sua exposição aos EDCs substituindo produtos de limpeza doméstica fortes por alternativas “verdes” disponíveis. Já existe uma vasta gama de produtos de limpeza não tóxicos e biodegradáveis em muitos supermercados e lojas.

Cuidados pessoais e cosméticos

Produtos de cuidados pessoais como xampus, condicionadores, tinturas de cabelo, cosméticos e sabonetes líquidos podem conter disruptores endócrinos conhecidos como parabenos. Escolher produtos sem parabenos pode ajudar a diminuir a ingestão de produtos químicos nocivos. Os produtos de higiene pessoal sem parabenos estão cada vez mais disponíveis nas prateleiras dos supermercados, com declarações claras como 'sem parabenos' no item, para que os consumidores não precisem perder tempo decifrando a longa lista de ingredientes.

Pesticidas - um assunto à parte

O Brasil está entre os 50 países que mais usam agrotóxicos no mundo, o que pode ser justificado pela sua característica de ser um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do planeta. Há os que os defendem, dizendo que são imprescindíveis, e os que os defenestram, afirmando que são prejudiciais à saúde. A verdade é que, por aqui, muitos químicos banidos no exterior continuam a ser usados.

Cientistas de todos os lugares vêm relatando tendências preocupantes sobre o efeito desses produtos na saúde em geral e, em especial, sobre o aspecto reprodutivo da população em todo o mundo. Pesquisas mostram que os pesticidas são, pelo menos em parte, culpados por muitas alterações, como a redução na contagem e qualidade de espermatozoides, puberdade precoce em meninas, defeitos congênitos, aborto espontâneo e natimortos, entre outros.

Há poucos anos, o site National Survey of Family Growth fez um levantamento sobre casais com dificuldade em engravidar e, surpreendentemente, observou um aumento maior desse problema em pessoas com menos de 25 anos (42%). Isso, segundo a publicação, sugere que as alterações ambientais nos últimos anos prejudicaram mais os casais jovens, por terem sido expostos a substâncias tóxicas presentes no meio ambiente num período de vida mais precoce.

Hormônios interrompidos

Os disruptores endócrinos são particularmente propensos a interferir na saúde reprodutiva dos indivíduos, mesmo em níveis de exposição baixos. Alguns produtos químicos podem até causar efeitos "epigenéticos", ou seja, eles mudam a forma como os genes são expressos – não apenas para quem é exposto a eles, mas também para as gerações futuras. Um bebê no útero é particularmente vulnerável a substâncias químicas desreguladoras do sistema endócrino.

Bebês expostos a determinados produtos químicos, justamente quando os órgãos reprodutivos estão em formação, podem sofrer danos que vão se desenrolar apenas ao longo da vida. Cientistas da Sociedade Nacional de Endocrinologia, nos EUA, explicam por que o momento da exposição é tão importante: nos casos em que a ruptura é direcionada para a programação de uma função, por exemplo a saúde reprodutiva, isso pode interferir com a organização inicial, seguida por um período latente, após o qual a função é ativada e a disfunção se torna visível.

Em outras palavras, a exposição a substâncias químicas, quando o sistema reprodutivo de um bebê está se desenvolvendo, pode descarrilar completamente o processo. Mas só se saberá ao certo o que ocorreu anos depois, quando surgem problemas durante a puberdade ou quando se tenta engravidar.

Um dos principais culpados

Os cientistas entendem que a exposição a pesticidas pode causar uma ampla gama de danos reprodutivos que afetam homens, mulheres e crianças. No primeiro estudo desse tipo, cientistas de Harvard descobriram que os homens que comiam alimentos com mais resíduos de pesticidas tinham menor contagem de espermatozoides, e também mais células com anormalidades, em comparação com outros homens.

A exposição ao herbicida atrazina tem sido associada a distúrbios menstruais, bebês com baixo peso ao nascer e defeitos congênitos. Outros pesticidas liberados, incluindo o lindano organoclorado, foi ligado ao aumento do risco de endometriose em mulheres. Os pesticidas também já foram implicados em aborto espontâneo, parto prematuro, fertilidade reduzida em homens e mulheres e na proporção sexual alterada (menos meninos nascendo).

Um estudo feito em 2018 nos Estados Unidos e publicado no National Center for Biotechnology Information – “Produtos Químicos Antiandrogênicos Mistos em Baixas Doses Individuais Produz Malformações do Trato Reprodutivo no Rato Masculino” – confirma que a situação vem piorando. Os esforços de biomonitoramento mostraram claramente que todos os seres humanos estão expostos a misturas químicas.

Os pesquisadores queriam saber se a exposição a misturas durante a gravidez pode contribuir, ou não, para anomalias congênitas em crianças, mesmo quando uma dose individual de cada produto químico não afetaria o feto. Cobaias grávidas foram expostas a uma série de diluições de uma mistura contendo pesticidas, ftalatos e drogas (p, p'-DDE, linuron, procloraz), procimidona, pirifluquinazona, vinclozolina, finasterida, flutamida, sinvastatina e 9 ftalatos [dipentila, diciclohexila, di-2-etilhexila, dibutila, benzilbutila, diisobutila, diisoheptila, dihexila e diheptil]. 

Os resultados mostraram que os filhotes de ratos machos apresentavam uma variedade de efeitos permanentes neonatais, puberais e adultos, em todos os níveis de dose. Mesmo com doses baixas, as substâncias químicas combinadas geraram reduções permanentes em tecido do trato reprodutivo. No grupo de dose máxima, 100% dos descendentes do sexo masculino apresentaram defeitos congênitos graves permanentes, incluindo malformações genitais. 

O que pode ser feito para reduzir a exposição a produtos químicos e tóxicos:

  • Não fume e evite tornar-se um fumante passivo;
  • Procure saber o que compõe a água que você bebe;
  • Se necessário, filtre a água, ou ferva-a;
  • Reduza ou evite o uso de pesticidas em casa, no jardim e nos seus animais quando possível. Tente alternativas não tóxicas;
  • Evite ambientes que foram dedetizados com pesticidas ou herbicidas. Dependendo do produto e condições do local, a duração do efeito pode ser de um dia a até um ano;
  • Seja cauteloso com alguns alimentos coloridos;
  • Cuidado com alguns tipos de maquiagem, medicamentos ayurvédicos, algumas ervas chinesas, alguns brinquedos ou chicletes embalados em enfeites preparados nos Estados Unidos, pois nesses produtos foram encontrados altos teores de chumbo;
  • Evite mamadeiras e outros produtos de policarbonato que possam entrar em contato com a comida porque podem ter entre os componentes da fabricação o bisfenol (composto químico presente em garrafas de PVC);
  • Procure saber se o material plástico contém ftalatos (pergunte ao fabricante). Nunca cozinhe no micro-ondas alimentos em tigelas plásticas porque podem expelir componentes nocivos;
  • Evite o uso de florais e fragrâncias que perfumem o ambiente;
  • Se julgar necessário, consulte um especialista em Medicina Ocupacional e Ambiental, caso esteja muito preocupado com o ambiente de trabalho ou de casa e queira uma avaliação da exposição pessoal.

Por fim, mudanças simples, seguindo as dicas apresentadas, podem fazer uma grande diferença para diminuir a exposição diária aos EDCs, que prejudicam a fertilidade, mas também podem causar alguns problemas de saúde metabólica, obesidade, câncer de mama, atrofia testicular e tumores nos testículos. Saber onde os produtos químicos nocivos podem ser encontrados, e o que você pode fazer para evitá-los, é o primeiro passo para melhorar sua saúde e suas chances de ter um bebê.

Mas, lembre-se: todo casal que tenta há mais de um ano ter um filho e não consegue deve procurar um médico especialista em reprodução humana.

Fontes:
Arnaldo Schizzi Cambiaghi é médico ginecologista, obstetra especialista em medicina reprodutiva e diretor do Centro de Reprodução Humana do IPGO. Membro-titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Laparoscópica, da European Society of Human Reproductive Medicine.
Fernando Prado é médico ginecologista, obstetra e especialista em Reprodução Humana. É diretor clínico da Neo Vita e coordenador médico da Embriológica. Doutor pela Universidade Federal de São Paulo e pelo Imperial College London, de Londres - Reino Unido Membro da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) e da Sociedade Europeia de Reprodução Humana (ESHRE).

Veja também: