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Por que a cultura da dopamina é tão perigosa para os jovens?

Estudo comprova que os jovens são mais sensíveis às curtidas nas redes sociais - iStock
Estudo comprova que os jovens são mais sensíveis às curtidas nas redes sociais - iStock

Você já deve ter ouvido falar que a internet, os smartphones e as redes sociais fizeram com que passássemos a viver em um mundo guiado pela dopamina. É que esse neurotransmissor, envolvido nas sensações de recompensa e motivação, está intimamente ligado à busca constante por estímulos, como “likes”, e também pode levar muita gente a adotar comportamentos compulsivos (como checar as reações a seus posts o tempo todo) e a sentir frustração e desânimo quando essas recompensas imediatas não estão disponíveis.

Impactos da busca por dopamina

A psiquiatra norte-americana Anna Lembke, especialista em dependência, fala muito sobre o tema no livro “Nação Dopamina”. Essa busca incessante por recompensas rápidas pode ser observada em diversos setores e explica, por exemplo, por que as pessoas estão cada vez mais “viciadas” em “likes”, vídeos curtos, apostas esportivas, games, notícias com títulos sensacionalistas, aplicativos de relacionamentos e outras plataformas que oferecem esse tipo de prazer instantâneo.

Como a autora explica, essa busca constante por fontes fáceis de prazer têm muito a ver com o que acontece com quem usa drogas e álcool: desenvolvemos uma espécie de tolerância, o que nos faz repetir o comportamento cada vez mais em busca de um pouco mais de prazer, que logo se transforma em frustração e dependência.

Risco é maior para os jovens

Pesquisadores têm chamado atenção para os danos à saúde mental provocados por esse tipo de comportamento, especialmente para os jovens. Uma equipe liderada por cientistas da Universidade de Amsterdã, por sinal, acaba de publicar um estudo que confirma o quanto eles são mais sensíveis às curtidas nas redes do que os adultos.

O trabalho, publicado no periódico Science Advances, mostra que a busca por “likes” impacta diretamente o humor dos mais jovens, causando ansiedade, depressão, e fazendo muitos deles agirem sem pensar, como comenta o autor Wouter van den Bos:

"A adolescência é um período de desenvolvimento durante o qual tanto a sensibilidade à recompensa quanto à rejeição são particularmente intensas, e esses fatores estão, respectivamente, ligados ao aumento de comportamentos impulsivos e a sintomas depressivos."

Sensibilidade às curtidas

Os pesquisadores usaram uma abordagem de três frentes para examinar a questão. Primeiro, analisaram um grande conjunto de dados de postagens reais no Instagram e usaram um modelo computacional para capturar a sensibilidade às curtidas. Em seguida, conduziram um estudo experimental, que imitava características das plataformas de mídias sociais e podia ser usado para rastrear mudanças de humor.

Depois, um estudo exploratório de neuroimagem mostrou que a sensibilidade ao feedback nas redes sociais está relacionada a diferenças individuais no volume da amígdala, uma estrutura do cérebro envolvida nas nossas reações emocionais.

Em conjunto, as três análises forneceram evidências convergentes de que os jovens podem realmente ser mais sensíveis ao feedback das mídias sociais do que os adultos.

Uso problemático das redes

A adolescência é um período crucial em nossas vidas, marcado por uma sensibilidade aumentada à aprovação e à rejeição dos pares. Segundo a pesquisa, enquanto receber curtidas parece gerar uma sensação de conexão e pode melhorar o humor dos jovens, esse resultado positivo também pode criar uma atração tão forte pelas plataformas que leva ao uso excessivo e problemático.

Por outro lado, dada sua sensibilidade acentuada, os jovens também deixariam de usar as plataformas mais cedo do que os adultos caso não estivessem recebendo curtidas, mas isso também poderia levar a um humor cada vez mais negativo.

Como ajudar os jovens?

Os pesquisadores sugerem que o design atual das plataformas de mídias sociais pode ter tanto impactos positivos quanto negativos nos jovens. Portanto, é necessário adotar intervenções para lidar com os efeitos negativos.

Os pesquisadores propõem, em primeiro lugar, que as plataformas mudem suas estruturas de incentivo, deslocando o foco das curtidas para um engajamento mais significativo.

Em segundo lugar, sugerem que o foco não deve estar apenas no fortalecimento da alfabetização digital dos jovens — pois eles provavelmente sabem mais sobre o tema do que qualquer outra geração —, mas sim no desenvolvimento de habilidades de regulação emocional nos ambientes online.

Outras dicas (para jovens e adultos)

Para sair do ciclo vicioso gerado pela busca por gratificação instantânea, também vale a pena seguir as recomendações de Anna Lembke, como:

- Criar períodos de “detox” das redes sociais ou de outras plataformas online que você use de forma compulsiva;

- Ter mais consciência do uso e definir limites para usar as plataformas (o que pode ser feito com ajuda da própria tecnologia, com aplicativos de controle, ou com atitudes simples como desligar o celular algumas horas antes de ir para a cama);

- Cultivar relacionamentos presenciais. Eles alimentam (de verdade) nossa busca por conexões sociais, que é algo interente aos seres humanos;

- Tenha hábitos saudáveis, como praticar exercícios físicos regularmente, dormir bem e ter uma alimentação balanceada. Isso ajuda a manter o equilíbrio e o bem-estar, e também a ter mais autocontrole.

Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin