Estudo realizado nos EUA revela que dois terços das universitárias já foram asfixiadas
Tatiana Pronin Publicado em 16/04/2024, às 09h00
Um estudo com 5 mil estudantes de uma grande universidade do meio-oeste dos EUA revela um aumento preocupante em práticas sexuais violentas, em especial o estrangulamento.
O trabalho mostrou que quase dois terços das alunas relataram ter sido sufocadas pelos parceiros durante o sexo, sendo que para um terço, isso aconteceu no encontro sexual mais recente. A taxa de garotas que experimentaram a prática pela primeira vez quando tinham entre 12 e 17 anos foi de 40%.
O estudo foi conduzido por Debby Herbenick, uma das principais pesquisadoras do comportamento sexual americano e diretora do Centro de Promoção da Saúde Sexual da Universidade de Indiana.
O estrangulamento sexual, quase sempre de mulheres, tem sido um elemento comum em sites de pornografia gratuitos, que viraram as principais fontes de consulta sobre sexo dos adolescentes. "Como acontece com qualquer outra coisa, a exposição repetida pode tornar atraente o que antes era terrível", comenta a escritora Peggy Orenstein, especializada em sexualidade jovem, em um artigo recente do New York Times sobre o tema.
Herbenick acredita que também existe uma forte influência de outras mídias nessa tendência. A asfixia no sexo parece ter dado um salto nos EUA após um episódio da série "Californication", em 2008. Depois, ganhou destaque com o sucesso dos livros e filmes "Cinquenta Tons de Cinza". Em 2019, quando uma estudante de ensino médio foi sufocada no piloto de "Euphoria", da HBO, o ato já era considerado "normal".
O refrão de “Lovin On Me”, de Jack Harlow, que recentemente liderou a lista Billboard por seis semanas e foi visto mais de 99 milhões de vezes no YouTube, começa com a seguinte frase: “Eu sou baunilha, baby, vou sufocar você, mas não sou nenhum assassino". Artigos de instruções abundam na internet e os algoritmos das redes sociais alimentam os jovens (mas não seus pais) com centenas de memes que ironizam ou celebram o potencial de machucar ou até matar parceiras femininas.
Peggy diz que, há vinte anos, a asfixia sexual era incomum em qualquer grupo demográfico, e ainda mais raro entre os jovens. Mas isso mudou radicalmente num curto espaço de tempo, com consequências para a saúde que pais, educadores, profissionais médicos, defensores do consentimento sexual e os próprios adolescentes precisam urgentemente compreender.
A colunista observa que muitos praticantes experientes de BDSM (sigla para "bondage, dominação, submissão, sadismo e sadomasoquismo") desencorajam a prática de asfixia, por ser perigosa. E ainda existem relativamente poucos estudos sobre o assunto, a maioria foi feita por Herbenick e seus colegas.
Ela diz enxergar um padrão em jovens heterossexuais: práticas que envolvem gratificação física básica – como receber sexo oral – tendem a favorecer os homens. Já aquelas que podem implicar dor ou submissão, como asfixia, são geralmente mais para mulheres.
Na pesquisa de Herbenick, a maioria das jovens diz que seus parceiros nunca ou apenas às vezes perguntaram antes de agarrar seu pescoço. Para muitas, houve momentos em que elas não conseguiam respirar ou falar, comprometendo a capacidade de retirar o consentimento, caso o tivessem dado.
Entre as meninas e mulheres com quem Peggy diz já ter conversado, muitas não queriam ser asfixiadas no sexo, embora não chamassem isso de agressão. Ainda assim, um número considerável tinha interesse e entusiasmo na prática, por gostar da sensação de vulnerabilidade, da dinâmica de poder ou do suposto prazer desencadeado pela privação de oxigênio no cérebro. Curiosamente, a jovem que deu esse relato nunca havia atingido o clímax com um parceiro. O estudo de Herbenick mostra a mesma contradição: a chamada "lacuna de orgasmo" entre homens e mulheres continua igual a antes, apesar das práticas mais ousadas.
Keisuke Kawata, neurocientista da Escola de Saúde Pública da Universidade de Indiana, foi um dos primeiros pesquisadores a soar o alarme sobre como os golpes repetidos a que os jogadores de futebol americano são submetidos podem deflagrar uma terrível doença cerebral degenerativa, diz ver uma semelhança com as consequências do estrangulamento, embora o mecanismo da lesão seja muito diferente.
O estrangulamento – sexual ou não – muitas vezes deixa poucas marcas visíveis e pode ser facilmente ignorado como causa de morte. Aqueles cujas experiências não são letais raramente procuram atendimento médico. As jovens que Herbenick estudou relataram principalmente tontura, dores de cabeça, dor no pescoço, perda temporária de coordenação e zumbido nos ouvidos. Os sintomas tendem a sumir logo, mas, como acontece com os jogadores de futebol americano, os efeitos podem aparecer somente depois de muitos anos.
De acordo com a Academia Americana de Neurologia, restringir o fluxo sanguíneo para o cérebro, mesmo que brevemente, pode causar lesões permanentes, incluindo acidente vascular cerebral (AVC) e comprometimento cognitivo (de memória e aprendizado).
Em ressonâncias magnéticas conduzidas pela equipe de Kawata, universitárias que foram repetidamente sufocadas mostram uma redução no dobramento cortical do cérebro em comparação com mulheres que nunca foram sufocadas. Os exames também mostraram um espessamento cortical generalizado, uma resposta inflamatória que está associada a um risco elevado de doença mental de início tardio. Ao completar tarefas simples de memória, seus cérebros tiveram que trabalhar muito mais do que o grupo de controle, recrutando mais regiões para alcançar o mesmo nível de precisão.
Os hemisférios cerebrais do grupo de mulheres submetidas a asfixia também apresentaram alterações, com o lado direito hiperativo e o esquerdo com desempenho inferior. Um desequilíbrio semelhante está associado aos transtornos de humor – e, de fato, nas pesquisas de Herbenick, as meninas e mulheres que foram sufocadas tinham maior tendência a sensações de ansiedade avassaladora, bem como tristeza e solidão.
Ainda não está claro se as meninas e mulheres com problemas de saúde mental têm maior probabilidade de procurar (ou serem sujeitas a) asfixia; se a asfixia causa distúrbios de humor; ou se há alguma combinação de ambos. Mas a hipóxia, ou privação de oxigênio, pode ser um fator contribuinte.
Os impactos físicos, cognitivos e psicológicos da asfixia sexual são perturbadores. Como Peggy ressalta, estamos numa época em que o poder social, econômico e político das mulheres está em ascensão, e o movimento #MeToo trouxe progressos em relação ao assédio contra mulheres. No entanto, um ato sexual que pode danificar o cérebro, minar a saúde mental e até matar as mulheres está se tornando cada vez mais popular.
As duas especialistas estão preocupadas, e acreditam que esse tipo de informação também precisa ser abordado pelos pais, ao falarem com os filhos sobre sexo. Ainda que a(o) parceira(o) peça para ser asfixiada(o), se algo de errado acontecer, o jovem pode ser preso. É preciso ajudar os jovens a comunicar o que não querem fazer durante o sexo, sem receio de serem rejeitados. Afinal de contas, existem inúmeras outras formas de se obter prazer sem risco de morte.
A responsabilidade da indústria do entretenimento é outra questão que precisa ser discutida. A colunista observa que a mídia reflete o comportamento, mas também o impulsiona, expandindo possibilidades ou aumentando os riscos. "As plataformas de redes sociais já foram pressionadas a proibir conteúdos que promovam distúrbios alimentares, automutilação e suicídio – deveriam também ser pressionadas a proibir conteúdos que promovam asfixia", conclui.
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