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Quem tem alergia a gatos pode conviver com um bichano? Médicos respondem

Alergia costuma vir de uma informação herdada geneticamente, o que faz com que a pessoa reaja de maneira exagerada - iStock
Alergia costuma vir de uma informação herdada geneticamente, o que faz com que a pessoa reaja de maneira exagerada - iStock

Cármen Guaresemin Publicado em 06/04/2022, às 14h00

Não é difícil encontrar pessoas que dizem que adorariam ter um gato, mas que são alérgicas. Há também as que começam a se relacionar com alguém que tem um bichano, ou vice-versa, e ficam em uma situação complicada: desistir do relacionamento ou doar o gato? Mas a convivência é mesmo impossível ou há meios de se contornar a situação sem que ninguém seja prejudicado, principalmente o felino?

A alergia é causada pela sensibilização de uma proteína chamada Fel d 1, que o gato elimina na urina, em sua glândula anal e glândulas sebáceas próximas aos pelos. Mas, como ele se lambe com frequência, a proteína se espalha por todos os pelos”, explica Victor Nudelman, alergologista da Clínica de Especialidades Pediátricas do Hospital Israelita Albert Einstein.

Segundo Clóvis Eduardo Santos Galvão, membro do Departamento Científico de Alérgenos da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia), assim como na alergia aos ácaros da poeira, aos pólens e fungos, os alérgicos ao gato apresentam uma predisposição genética para produzir o anticorpo IgE - proteína que está presente no sangue em baixas concentrações, normalmente encontrada na superfície de células do sangue, em especial nos basófilos, células de defesa que aumentam a quantidade em casos de alergia.

A alergia geralmente advém de uma informação herdada geneticamente, que faz com que a pessoa com essa genética reaja de uma maneira imunológica exagerada a substâncias que são inertes para a maioria das pessoas”, afirma Nudelman.

A médica veterinária Juliana Andrade, Professora de Clínica Médica de Pequenos Animais no curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário da Serra Gaúcha FSG, conta que muitos quadros de alergia têm relação direta com fatores ambientais e estilo de vida: "Porém as alergias são determinadas geneticamente e, portanto, têm tendência hereditária. Quando um progenitor tem alergia, a chance de ocorrência em sua prole é de 40%, se ambos os progenitores são alérgicos, esta possibilidade é dobrada".

Sintomas

Os sintomas mais comuns de quem tem alergia ao gato são rino-oculares, como coriza, obstrução nasal, coceira no nariz e nos olhos, espirros, lacrimejamento e vermelhidão nos olhos, podendo também apresentar falta de ar e chiado no peito - não é comum, mas algumas pessoas podem se queixar de coceiras no corpo, com ou sem lesões, angiodema e, em casos muito graves, anafilaxia.

Juliana afirma que a intensidade desses sintomas vai depender de alguns fatores como: sensibilidade, predisposição individual e intensidade da exposição ao animal, podendo ocorrer minutos após o contato direto com o gatinho ou apenas ao entrar em um ambiente que tenha um felino, mesmo que ele não esteja mais lá, uma vez que o alérgeno do gato é muito pequeno e fica em suspensão no ar por muito tempo.

Tratamento

“O tratamento pode incluir corticoides tópicos inalatórios ou de uso nasal, além de anti-histamínicos por via oral, intranasal ou mesmo oculares. Temos o tratamento específico, que pode ser feito com vacinas para alergia e que deve ser supervisionado pelo alergista devido à possibilidade de reações alérgicas durante a terapia. Tem a duração de três a cinco anos dependendo de cada caso”, afirma Galvão.

É possível uma pessoa alérgica conviver com gatos?

Segundo Nudelman, gato em casa de alérgicos tem recebido uma série de respostas ainda controversas cientificamente. Alguns trabalham/advogam que a exposição a cargas elevadas do alérgeno Fel d 1 pode induzir tolerância em uma pessoa alérgica, como se fosse uma imunoterapia. “Classicamente, o sugerido é retirar a fonte do desencadeante de dentro da casa, o que é um tanto difícil para quem tem o ‘bichano’ como membro da família”, admite.

Para Galvão, em geral, quando a pessoa tem uma sensibilização clinicamente importante, não consegue conviver com animais, pois o contato realmente gera muitos sintomas. A dificuldade aqui se dá pelas características do alérgeno do gato que é muito leve e fica disperso no ar que respiramos por meses - dificultando sua retirada do local, mesmo quando o animal está em outro cômodo da casa. Assim, a pessoa está indiretamente exposta e isso dificulta o controle dos sintomas e a eficiência do tratamento.

Uma saída para quem é alérgico e se relaciona com pessoas que têm gatos, segundo Galvão, é evitar exposição direta com o animal: “Uma vez detectada a alergia a animais domésticos, a orientação geral é de que os animais não sejam adotados por pessoas alérgicas, mas se na ocasião do diagnóstico elas já forem tutoras fica difícil se separar de seus filhos felinos. Desta forma, orientamos deixar o animal o maior tempo possível longe do quarto de dormir e dar banhos frequentes, mesmo em gatos”.

Outras medidas que minimizem a exposição indicadas por ele são: deixar a casa arejada, usar pano úmido no chão e nos móveis na hora da limpeza e procurar sempre o alergista para confirmar o diagnóstico e iniciar prontamente o tratamento mais adequado, tomando os medicamentos sintomáticos de acordo coma orientação do médico. “E se tiver intenção de tornar o relacionamento mais duradouro, considerar o tratamento com vacinas”.

A veterinária é enfática ao afirmar que sim, pessoas alérgicas a gato podem conviver com os felinos:

Porém, claro, precisam adotar certos cuidados para a vida toda. Uma das principais recomendações é evitar o contato com os alérgenos dos gatos, colocando em prática medidas rigorosas como (as citadas) banho semanal, limpeza com alta frequência de todo ambiente onde o felino tem contato. E não deixar a presença de pelos nas roupas. Em casos muito extremos, diminuir a interação direta com o gatinho pode ser necessário".

Ela acrescenta que o principal é a pessoa alérgica passar a ter esse convívio de forma gradativa, interagindo indiretamente com o felino, evitando o contato direto para que o organismo possa se adaptar à nova realidade aos poucos. E, claro, manter as mesmas regras citadas de limpeza tanto do felino quanto do ambiente, além de não pegar o gatinho no colo para evitar o contato direto com seus alérgenos. Com o passar do tempo, o organismo sensibilizado pela alergia pode conseguir se adaptar melhor, convivendo com o gatinho sem desencadear crises graves ou até mesmo diminuindo as que tinha.

Confira:

Gatos hipoalergênicos

Na web não é incomum encontrarmos propagandas de venda de gatos que não causariam alergia. Mas isso é verdade?

“Uma vez identificado o alérgeno principal do gato que conhecemos como Fel d 1, alguns pesquisadores modificaram geneticamente algumas espécies e as denominaram de hipoalergênica. Chegaram a comercializar estes animais fora do Brasil, mas atualmente não saberia dizer se estão disponíveis. Estas raças mencionadas têm estudos que confirmem esta característica hipoalergênica. Como uma das origens desta proteína que causa alergia é o aparelho reprodutor, os gatos castrados são menos alergênicos que os demais”, explica Galvão.

Nudelman completa: “Gatos de linhagens ditas hipoalergênicas são desenvolvidos e vendidos comercialmente, mas ainda não se comprovou cientificamente se no ambiente físico, onde eles ficam realmente, houve diminuição da carga de alérgenos e se há correlação com melhora de sintomas”.

Para as pessoas que são alérgicas e mesmo com todos os cuidados desencadeiam crises frequentes de alergia, Juliana diz que uma opção é o gato da raça Sphynx, originário do Canadá, famoso por ser um gato sem pelos: "Ele é desprovido de qualquer pelagem, desta forma diminui a exposição da pessoa alérgica com os alérgenos comumente encontrados no pelo do gato. Porém, ele é chamado de gato 'hipoalergênico' erroneamente, uma vez que ainda tem a presença de alérgenos na saliva".

Acostumados desde criança

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 Se for acostumada  com gato desde cedo, uma criança potencialmente alérgica pode desenvolver tolerância -  iStock

Vários estudos mostram que crianças que convivem com animais desde o nascimento têm menos tendências alérgicas. Galvão diz que sim, existe uma hipótese na literatura médica, segundo a qual, se uma criança, antes de se sensibilizar, ou seja, antes que comece a produzir anticorpos for exposta a uma grande quantidade de alérgenos (por exemplo, do gato), ao invés de criar uma sensibilização ela criaria uma tolerância. “Embora seja uma teoria demonstrada em alguns estudos experimentais, não conseguimos reproduzir esta resposta totalmente nas pessoas, portanto esta não é uma recomendação da prática diária do alergista”.

Já Nudelman tem outra opinião: “Sim, parece ser verdadeiro que, se acostumarmos o bebê com gato, pode haver tolerância para uma criança potencialmente alérgica. A explicação é que, em vez de produzir a IgE que medeia a resposta alérgica, ela passa a produzir os anticorpos IgG4 (que exerce um papel imunomodulador com atividade anti-inflamatória)”.

Alguns estudos comprovam que crianças que convivem com animais desde pequenas têm menos tendências alérgicas, ou seja, se conviver desde pequena com um gato é menos provável que vá desencadear alergia ao gato no futuro. Não só alergias relacionadas ao pelo ou aos alérgenos liberados pelo gato, mas a vários outros alérgenos ambientais, pois os trabalhos mostram que a esterilização excessiva em torno dos bebês é negativa, trazendo pouco desafio ao sistema imunológico e, desta forma, desencadeando mais alergias no futuro", comenta Juliana.

Uma dica bem valiosa que a veterinária dá às pessoas alérgicas a gatos é que já existe uma alimentação antialérgica para eles, que foi lançada no Brasil pela Purina: Pro Plan LiveClear, uma ração que tem a função de diminuir a alergia a gatos em seus tutores. "Ela possui anticorpos contra Fel d1 em sua composição e atuaria bloqueando até 47% desses alérgenos e consequentemente diminuindo os sintomas de alergia ao gato nos humanos. Na prática, se observa bons resultados com o uso deste alimento, sendo uma ótima opção para testar, pois, dessa forma, devolve ao tutor o prazer do contato direto com seu gatinho", finaliza.

Uma coisa que você nunca deve fazer, independente de ser alérgico a gatos, é abandonar seu animal de estimação. Se não houver outra saída, doe o pet para alguém responsável que possa cuidar dele até o fim, dando tudo o que ele precisar, principalmente amor.

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