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Relatório faz raio-X do uso nocivo de álcool no Brasil

O impacto do uso nocivo de álcool no Brasil é desigual para brancos, pretos e pardos - iStock
O impacto do uso nocivo de álcool no Brasil é desigual para brancos, pretos e pardos - iStock

Dados de mortes por uso de bebida alcoólica no Brasil revelam como o impacto do uso nocivo dessa substância é desigual para brancos, pretos e pardos.

De acordo com a sexta edição do relatório Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panorama 2024, a taxa de mortes exclusivamente atribuíveis ao álcool foi de 10,4 por 100 mil habitantes em 2022 30% a mais que a registrada entre brancos, que foi de 7,9.

A análise inédita do Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool) ainda mostra que, entre mulheres, a diferença é ainda mais significativa. A taxa de mortes entre pretas e pardas é de 2,2 e 3,2, respectivamente, e de 1,4 entre brancas.

Aumento de mortes entre pardos e pretos

Ao se comparar os números de 2022 aos de 2012, também é possível detectar um impacto desigual. As taxas de mortes totalmente atribuíveis ao álcool (como doença do fígado e dependência) entre pardos aumentaram de 41% para 50%. Na população preta, aumentou de 11% para 12% nesse mesmo período. Já na população branca, diminuiu de 40% para 36%.

Discriminação eleva risco de abuso de substâncias

Como destacam os especialistas no relatório, o estresse causado pela discriminação racial crônica também pode levar a problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão, traumas psicológicos e abuso de substâncias, incluindo o álcool. Embora o uso nocivo de bebida alcoólica seja um problema de saúde pública que afeta pessoas de todas as raças e etnias, existem alguns aspectos específicos relacionados à população negra.

“O estigma em relação ao alcoolismo também pode ser um obstáculo significativo para a busca de tratamento por essas populações. A falta de serviços de saúde mental culturalmente sensíveis pode dificultar o diagnóstico e tratamento adequado de problemas relacionados ao álcool nesse grupo.”

Mortes na população geral

De 2010 a 2019, os óbitos atribuíveis ao álcool vinham reduzindo. O ano de 2019 apresentou a menor taxa de mortes em todo o período analisado. Porém, essa tendência é interrompida pela pandemia. A partir de 2020, é possível observar que as mortes passam a aumentar até o ano de 2022.

No último ano completo da pesquisa, a taxa de mortes atribuíveis ao álcool foi de 33 por 100 mil habitantes. Quando se consideram apenas as mortes exclusivamente atribuíveis à bebida alcoólica, como doença do fígado e dependência, a taxa é de 9,4 por 100 mil.  

Mortes diminuíram entre jovens

A participação da parcela da população com 55 anos ou mais para as mortes atribuíveis ao álcool vem aumentando ano a ano. Em 2022, 55,5% destes óbitos ocorreram em pessoas com mais de 55 anos; em comparação, em 2010, esse percentual era de 42,6%. A proporção também é maior para o sexo masculino.

Já entre os jovens, as mortes atribuíveis ao álcool apresentaram redução. Entre 2010 e 2022, houve uma diminuição de 3,2% para 1,8% na faixa etária até 17 anos. Já dos 18 a 34 anos, a queda foi de 20,5% para 13,7%. Vale adicionar que entre os mais jovens, as mortes têm mais relação com comportamentos de risco associados ao uso da bebida alcoólica, como acidentes e violência. 

O estado com maior taxa de mortes devido ao uso de álcool é o Paraná (42,0), seguido pelo Espírito Santo (39,4) e Piauí (38,9). O Amapá (21,2) é o que possuía a menor taxa desse tipo de morte em 2022. Ao todo, 16 estados estão acima da média nacional (de 32,8) e 10 e o Distrito Federal estão abaixo da média nacional.

Consumo de álcool na população geral

O Brasil apresentou redução de 10,4% no consumo per capita de álcool, passando de 8,6L (de álcool puro) em 2010 para 7,7L em 2019. Apesar disso, nosso país permanece acima da média das Américas.

 Apesar da redução do consumo per capita, o país apresentou aumento do BPE, o Beber Pesado Episódico, considerado o hábito mais nocivo e com maior risco de complicações. Essa proporção subiu  de 12,7% em 2010 para 19,4% em 2016, na contramão da tendência mundial, que é de redução.

A prevalência de consumo abusivo de bebidas alcoólicas por região aumentou em todas as regiões no período de 2010 a 2023, exceto na região Norte. Os maiores aumentos ocorreram nas regiões Centro-Oeste e Sul. A região Norte aparece com as menores frequências de consumo nocivo para todas as populações (geral: 16,1%, homens: 22,4% e mulheres: 10,3%).

Quando se leva em conta apenas as capitais, em 2023, a frequência de consumo abusivo de bebidas alcoólicas na população geral adulta, nos 30 dias anteriores à pesquisa, foi menor em Manaus (12,6%) e maior em Salvador (28,9%).

As maiores frequências observadas entre os homens foram em Salvador (37,5%), Maceió (34,2%), Cuiabá (33,0%) e Teresina (33,0%), e as menores em Manaus (17,1%), Rio Branco (18,3%) e Natal (20,8%).

Entre as mulheres, as maiores frequências foram observadas em Salvador (21,9%), Porto Alegre (20,8%) e no Distrito Federal (20,5%), e as menores em Manaus (8,4%), Fortaleza (9,6%) e Macapá (9,9%).

Beber e dirigir

A boa notícia é que a condução de veículos após o consumo de bebida alcoólica, na população geral de 18 a 34 anos, diminuiu em 2023 (6,1%) em relação a 2011 (8,6%). A faixa etária de 35 a 54 anos foi a que apresentou maior frequência de dirigir após beber em 2023 (7,8%). Para a faixa de 55 anos e mais, a frequência se manteve constante de 2011 a 2023.

Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin