Redação Publicado em 09/02/2021, às 15h04
Muito já se falou sobre os acontecimentos mais recentes do BBB e a saída precoce do Lucas. Ficou no ar uma sensação que todos falharam, mais uma vez, com ele. Racismo, bifobia, agressões, falta de empatia e acolhimento são algumas camadas de explicação para o cancelamento quase coletivo que ele não suportou. O foco aqui hoje é discutir um pouco mais a fundo o bullying e a exclusão social, que acontecem dentro e fora da casa, e ajudam entender com o a vida se torna muito mais difícil para milhões de jovens brasileiros.
Ok, Lucas pode não ter sido um “brother” fácil de conviver e, de fato, pode ter tido uma série de posturas e atitudes que impactaram o cotidiano dos demais participantes. Ele infernizou a vida de Kerline depois de interpretar, a seu modo, uma mensagem dúbia dela, que deixava no ar um possível interesse nele. Mas quem nunca enxergou uma oportunidade romântica onde não havia nem miragem dela, ainda mais sob efeito do álcool?
Na festa seguinte, ele adotou um tom agressivo e equivocado com vários participantes ao defender seu ponto de vista, suas lutas, sua estratégia. Lucas era intenso e marcava suas posições de uma forma bastante enfática, por vezes, repetitiva.
Na festa do último final de semana, ele protagonizou um beijo com Gilberto, um participante assumidamente homossexual. Lucas, que saía do armário em rede nacional naquele momento, afirmando ser bissexual, teve sua atitude questionada pelos colegas de confinamento e acusado de beijar outro homem apenas como estratégia de jogo, para tentar se apropriar de uma bandeira LGBTQIA+, já que na pauta do racismo ele vinha batendo de frente com outros participantes.
Lucas tem problemas com a bebida? Talvez! Tem instabilidades emocionais que mereceriam uma atenção maior? Talvez! Reagiu mal a um jogo de confinamento com altos níveis de competição e estresse? Talvez! Pegou pesado com os outros na discussão de temas como racismo? Talvez! Se fez de vítima em algumas situações? Talvez! Foi um erro de escalação? Talvez!
Será que a reação quase coletiva da casa foi apenas uma estratégia, orquestrada por algumas lideranças, para tentar desestabilizar um participante que ameaçava um certo equilíbrio de forças, e poderia se transformar em uma ameaça ao sossego dos demais e ao objetivo de vencer que todos têm? Talvez!
Mas nada disso justifica a violência psicológica, o isolamento social e o bullying que ele sofreu. O que ofereceram a Lucas foi o oposto do que ele precisava para enxergar erros, reavaliar condutas e tentar mudar. Cancelar foi o remédio que apagou e “matou” simbolicamente a vítima ao invés de recuperá-la.
Bullying é um fenômeno comum. É a soma diária e repetida de ações violentas (físicas e emocionais), de intimidação, de exclusão, de humilhação, que visam desestabilizar e isolar a vítima. Bullying vem do termo inglês “bully” que ‘é usado para designar o valentão, o brigão, aquele que quer mandar. Bullying tem tudo a ver com um jogo de poder e de dominação. Essa edição do BBB anda profícua em participantes que encaram muito bem esse papel.
Três observações importantes sobre o bullying:
1-Ele produz um tremendo impacto na vítima, que pode ter sua saúde mental abalada, queda no rendimento, dificuldades de relacionamento, quadros ansiosos, depressivos e maior risco de comportamentos auto-agressivos, inclusive com risco de suicídio.
2-O bullying é praticado, muitas vezes, por agressores que já foram vítimas de violências físicas e psíquicas em sua história pessoal (pais agressivos, preconceitos, discriminação e exclusão social). Assim, se forma um ciclo em que vítimas podem ser transformar em agressores e assim sucessivamente. Isso não justifica e nem atenua o bullying, mas pode apontar caminhos para interrompê-lo.
3-Não existe só agressor e vítima no bullying. Existe um terceiro elemento muito importante, a plateia, que assiste calada ou até aplaude as agressões e que acaba, mesmo involuntariamente, autorizando o agressor a seguir seu caminho. Ele joga para seu público cativo para se afirmar e tentar manter sua liderança. A vítima é o que menos importa nessa história, ela passa a ser apenas o “meio” que justifica os “fins”. Por isso, para desarmar e evitar uma situação de bullying em uma sala de aula, por exemplo, o s três elementos (agressor, vítima e plateia) têm que ser trabalhados.
No BBB, a plateia dentro da casa envolvida com o jogo e “isolada” do mundo aqui fora, talvez tenha poucas condições de mudar suas atitudes por conta própria, a não ser que se inverta a dinâmica e o agressor (es) é que passe (m) a ser anulados. Já a plateia aqui fora (o público) pode entender perceber esse jogo e passar o recado de forma clara para quem está dentro da casa.
Nesse sentido não me surpreenderia nada se, daqui para frente, os agressores e seus seguidores passarem a ser removidos, um a um, pelo público até que a casa possa voltar a viver seus conflitos e diferenças com mais empatia e respeito ao próximo. Seria uma forma de desconstruir o bullying e, talvez, apontar caminhos para que se faça o mesmo aqui do lado de fora.
(Texto extraído da Coluna do Jairo Bouer no UOL VivaBem)