Quando falamos dele, surgem histórias de quem o extraiu, segue com ele intacto ou nunca o teve
Redação Publicado em 20/06/2021, às 08h00
Quando falamos de dentição, um dos assuntos que sempre rouba a cena é o dente do siso. Surgem dúvidas, opiniões, histórias de quem os extraiu, quem segue com eles intactos e até aqueles que nunca os ‘tiveram’. Sim, ele rende muita conversa, é cercado de dúvidas e cada pessoa tem a própria experiência para contar, mas o que se sabe sobre ele não é nenhum mistério e, sim, ciência.
Geralmente, a erupção desses dentes ocorre entre os 17 e 25 anos de idade, mas também pode ser depois disso. O apelido, dente do juízo, deve-se ao fato de que, na maioria das vezes, ele “nasce” nesta faixa etária, quando se acredita que as pessoas começam a ter juízo ou a amadurecer. O próprio termo já remete a isso, pois, na Língua Portuguesa, siso significa boa capacidade de avaliação e bom senso.
Quem explica um pouco sobre os terceiros molares, como são tecnicamente chamados, é o cirurgião-dentista e professor Cássio Edvard Sverzut, integrante da Câmara Técnica de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp).
A curiosidade principal: por que há pessoas que não têm mais os sisos? O professor comenta que isso ocorre porque os dentes do siso tendem a desaparecer por agenesia, um processo evolutivo devido às mudanças no estilo de vida dos seres humanos, pois não precisamos mais dos terceiros molares, apenas dos primeiros e segundos. Com essa evolução, as arcadas dentárias diminuíram de tamanho ao longo das gerações, não tendo mais espaço para todos os dentes. Ou seja, como o siso não tem mais função ele desaparecerá.
Alguns estudos recentes observaram que a agenesia de pelo menos um dos dentes do siso ocorreu em 20% a 25% da população em geral. E, como os terceiros molares são os últimos dentes permanentes a erupcionar, ficam sem espaço. Além da herança genética, que é um outro fator que colabora para a falta de espaço, pois o tamanho da arcada pode ser “herdado” dos progenitores.
“Mesmo quando há espaço suficiente, a erupção dos dentes do siso pode variar muito. Ele pode não nascer, como comumente é dito, ou erupcionar parcialmente, e é aí que ocorre parte dos problemas. Quando o siso vai desaparecer? Infelizmente, a ciência não pode ainda nos dar essa resposta porque está na dependência do processo evolutivo, mas, com certeza, ainda necessitará de muitos milênios”, diz.
A seguir, Sverzut explica como o processo de evolução mudou nossa dentição: “Pode-se observar no hominídeo Australopithecus afarensis Lucy, encontrada na Etiópia, no ano de 1974, e estimada que tenha vivido há 3,2 milhões de anos, que a quantidade de dentes é igual à dos seres humanos atuais. Qual a diferença, então? A diferença está no tamanho das arcadas dentárias. Pode-se observar em fotos, por exemplo, que os maxilares dela eram bem maiores e bem mais projetados do que os nossos. Portanto, acomodavam com tranquilidade todos os dentes”.
Ele conta que, entretanto, ocorreu uma mudança importante na alimentação dos seres humanos com o processo evolutivo, passando a ser cada vez mais uma dieta menos consistente. Com essa alteração, diminui-se também a força necessária da musculatura para a mastigação. O reflexo direto disso foi uma diminuição do volume da musculatura mastigatória e, como consequência, uma diminuição do volume dos ossos das arcadas dentárias onde essa musculatura se ancora. O tecido ósseo segue a chamada Lei de Wolff, também chamada de Lei de Transformação do Osso, que determina que a estrutura micro e macroscópica do osso dependa diretamente da função que é dada a ele.
Pode-se dizer que um osso submetido a cargas elevadas que não o fraturam terá o seu fortalecimento, enquanto que aquele privado de carga se enfraquece, diminuindo sua estrutura interna e externa (volume). Essa lei foi creditada a Julius Wolff, médico e pesquisador que nasceu na Prússia, em 1836, e que estudou muito a dinâmica de adaptação do tecido ósseo frente às diferentes funções e cargas nele empregadas.
Os problemas mais sérios causados pela presença dos dentes do siso são de ordem infecciosa. Existem dois tipos de processos infecciosos, um crônico e o outro agudo. O infeccioso crônico geralmente ocorre naqueles dentes do siso parcialmente erupcionados. “Nesta situação, fica praticamente impossível as pessoas higienizarem corretamente esses dentes, o que propicia o acúmulo de placa bacteriana e de restos alimentares ao redor do dente do siso, passando a ser uma fonte de bactérias que são ‘jogadas’ na circulação sanguínea, a chamada bacteremia transitória, durante a escovação ou mesmo durante a mastigação.
Para a maioria das pessoas, essa bacteremia transitória não ocasionará problemas, mas, para uma parcela da população, ela pode comprometer seriamente a saúde geral, podendo, por exemplo, ser a fonte causal da endocardite bacteriana, que é um processo inflamatório da membrana que reveste o coração”, alerta o cirurgião dentista.
Já o processo infeccioso agudo pode se desenvolver de um processo inflamatório ao redor da coroa do dente do siso, chamado de pericoronarite, ou de um problema de canal do dente causado por uma cárie. Isso gera uma quantidade abundante de pus, que pode acumular debaixo da língua, dificultando ou impedindo a respiração, ou mesmo se deslocar para os pulmões ou para o mediastino (onde fica o coração), podendo, ambos, levar ao óbito se não tratados de imediato.
Outra dúvida muito comum é se os dentes do siso “empurram” os demais ao erupcionar. Muitas pessoas têm os dentes da frente das arcadas (incisivos) fora da posição, o que tecnicamente é chamado de apinhamento dentário anterior, e isso pode ocorrer durante a época de erupção dos dentes do siso. Estudos atuais mostram que pessoas que nasceram sem os dentes do siso ou os removeram antes do período de erupção também tiveram esse problema.
“Portanto, se os dentes do siso participam desse processo em algum momento, essa participação não é relevante quando comparada aos outros fatores. O que não mais justifica a indicação da remoção dos dentes do siso para se evitar o apinhamento dentário anterior”, admite o professor.
A remoção do dente do siso, assim como de qualquer outro, depende da avaliação e indicação profissional. Um dente do siso que esteja com pequena cárie é menos difícil de ser removido quando comparado ao mesmo dente com cárie extensa ou com infecção grave. Por isso é importante que, ao ter indicação, a remoção seja realizada. Caso contrário, o procedimento terá que ser feito no futuro e, possivelmente, em piores condições.
Se a pessoa tem medo de extrair o dente, Sverzut explica que existem alternativas, como a sedação consciente ou por anestesia geral, para solucionar problemas bucais e garantir o conforto e segurança do paciente. Já o total de dentes a ser removido depende da situação: se a pessoa tiver os quatro dentes do siso com indicação de remoção, a quantidade de extração por sessão dependerá do posicionamento dos dentes e do tipo de anestesia.
“Um dente em posição vertical (normal e erupcionado) tem menor dificuldade de remoção quando comparado ao dente em posição horizontal (deitado). Isso deve ser levado em consideração, bem como a quantidade de anestesia permitida para aquele paciente por procedimento cirúrgico, pois há um limite de injeção de anestesia local que não pode ser ultrapassado. Se for utilizada a anestesia geral, é possível remover todos os quatro dentes do siso em uma única sessão, mas, nesse caso, a cirurgia deve ser realizada em hospital”, detalha.
A recuperação pós-cirúrgica, tanto para anestesia local quanto geral, está diretamente relacionada aos fatores locais e sistêmicos de cada paciente. Sverzut lembra que um fator local é a cárie e um fator sistêmico é a idade. Por exemplo, pacientes jovens geralmente se recuperam mais rápido e têm um pós-operatório melhor com menos complicações quando comparados a pacientes adultos.
Além disso, todas as demais condições do paciente precisam ser avaliadas de forma criteriosa. Naqueles sem nenhum problema de saúde e com dentes em posição vertical e erupcionados, a extração pode ser feita pelo cirurgião-dentista clínico geral habilitado. Entretanto, para dentes nas demais posições, por exemplo, a horizontal, e para pacientes com problemas sistêmicos (hipertensão arterial, diabetes), que tenham sofrido infarto ou façam uso de medicações, a recomendação é realizar a remoção com um profissional especializado em cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial.
Sverzut enfatiza que, em todos os casos, somente a avaliação e atuação de um profissional da Odontologia levará ao sucesso do procedimento, seja para tratar do dente do siso, monitorar seu impacto na saúde bucal ou realizar a extração.
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