Nos últimos anos, pesquisadores e empresários têm criado videogames com finalidade terapêutica. Existem jogos desenhados para melhorar sintomas do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), ansiedade e até depressão. A ideia de tratar uma condição de maneira lúdica é bastante atraente, mas será que isso funciona?
Em uma revisão de estudos, uma equipe do Centro Infantil Johns Hopkins e da Universidade do Alabama, nos EUA, concluiu que alguns videogames criados como intervenções para a saúde mental podem ser ferramentas úteis — ainda que o benefício seja modesto — para melhorar o bem-estar mental de crianças e adolescentes com as condições descritas acima. Os resultados foram publicados no periódico Jama Pediatrics.
Estima-se que 20% das crianças e adolescentes entre 3 e 17 anos nos EUA tenham um transtorno mental, emocional, de desenvolvimento ou comportamental. Comportamentos suicidas entre estudantes também aumentaram mais de 40% nos 10 anos anteriores a 2019, de acordo com um relatório da Agência de Pesquisa e Qualidade em Saúde.
Algumas pesquisas trazem evidências de que as interrupções causadas pela pandemia de Covid-19 agravaram essas tendências, e, embora pesquisas sugiram que pais e cuidadores estão buscando mais cuidados de saúde mental para as crianças, o tempo de espera para consultas aumentou.
"Encontramos literatura que sugere que, mesmo dobrando o número de provedores de saúde mental pediátrica, ainda não seria suficiente atender à demanda", diz o médico Barry Bryant, do Departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins e principal autor do estudo.
Com o objetivo de determinar se as chamadas “intervenções digitais gamificadas” para a saúde mental beneficiam pessoas com ansiedade, depressão e TDAH, a equipe de pesquisa analisou o uso desses jogos em ensaios clínicos randomizados para crianças e adolescentes.
Bryant e o psicólogo infantil e adolescente Joseph McGuire identificaram 27 ensaios desse tipo nos EUA e ao redor do mundo. No total, os estudos incluíram 2.911 participantes, sendo aproximadamente metade meninos e metade meninas, com idades entre seis e 17 anos.
As intervenções digitais para saúde mental variaram em conteúdo, mas foram todas criadas com o objetivo de tratar TDAH, depressão e ansiedade. Por exemplo, para o TDAH, alguns jogos envolviam corrida ou divisão de atenção, exigindo que o usuário prestasse atenção em mais de uma atividade para ter sucesso no jogo.
Para depressão e ansiedade, algumas intervenções ensinavam conceitos orientados pela psicoterapia em formato de jogo. Todos os jogos foram realizados em plataformas tecnológicas, como computadores, tablets, consoles de videogame e smartphones. Os jogos estão disponíveis de várias maneiras — alguns online e outros acessíveis apenas por meio de equipes de pesquisa específicas.
As medidas de resultado variaram dependendo do estudo. No entanto, a equipe de pesquisa conseguiu padronizar os tamanhos dos efeitos com ajuda de técnicas estatísticas.
A análise da equipe de pesquisa mostrou que videogames projetados para pacientes com TDAH e depressão proporcionaram uma redução modesta (ambos com um tamanho de efeito de 0,28) nos sintomas relacionados ao TDAH e à depressão, como a melhora na capacidade de manter a atenção e a diminuição da tristeza, com base no feedback dos participantes e suas famílias.
Vale mencionar que, de acordo com os autores, um efeito de 0,28 está associado a um efeito menor, uma vez que intervenções presenciais geralmente produzem efeitos moderados (de 0,50) a grandes (de 0,80).
Já os videogames projetados para ansiedade não mostraram benefícios significativos (tamanho de efeito de 0,07) na redução dos sintomas de ansiedade.
Os pesquisadores também examinaram fatores que levaram a uma melhora nos benefícios das intervenções digitais para a saúde mental. Fatores específicos relacionados à entrega do videogame (ou seja, intervenções em computadores e com limites de tempo pré-definidos) e aos participantes (ou seja, estudos que envolveram mais meninos) trouxeram influências positivas nos efeitos terapêuticos. Isso mostra que existe potencial para melhorar o benefício limitado das intervenções.
"Embora os benefícios ainda sejam modestos, nossa pesquisa mostra que temos algumas ferramentas novas para ajudar a melhorar a saúde mental de crianças — particularmente para TDAH e depressão — que podem ser relativamente acessíveis às famílias", diz Joseph McGuire, autor do estudo e professor associado de psiquiatria e ciências do comportamento na escola de medicina.
Segundo ele, se o pediatra estiver com dificuldades para obter atendimento em saúde mental para o paciente, intervenções gamificadas seriam um bom primeiro passo para tratar os sintomas enquanto a criança ou adolescente aguarda o acesso à terapia individual.
A equipe diz que a revisão não indicou por que certas intervenções com videogames tiveram melhor desempenho do que outras. Os pesquisadores também observam que alguns dos ensaios incluídos no estudo usaram medidas de resultados relatadas pelos pais ou pela criança, em vez de avaliações padronizadas por clínicos. Além disso, os trabalhos não examinaram os mesmos fatores e características. Tudo isso pode ter influenciado os efeitos obtidos.
Outro ponto importante é que, embora o vício em videogames e o tempo de tela sejam um problema, as crianças que utilizaram os jogos estudados em um formato estruturado e com tempo limitado tendiam a se sair melhor. "Se uma criança tem um problema com videogames, geralmente ela joga por várias horas ao dia, ao contrário de uma intervenção digital gamificada para saúde mental, que pode durar de 20 a 45 minutos, três vezes por semana", observa Bryant.
Para os pesquisadores, ter várias ferramentas disponíveis pode ser útil para enfrentar a crescente demanda por cuidados de saúde mental entre crianças e adolescentes.
Obs: o estudo foi financiado por doadores e pela Johns Hopkins Medicine. Os autores afiliados à Universidade Johns Hopkins não declararam conflitos de interesse de acordo com as políticas da instituição. Os conflitos de interesse do terceiro autor podem ser vistos no periodico.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin