Cármen Guaresemin Publicado em 24/08/2021, às 10h00
Não tem jeito, cedo ou tarde (para alguns quanto mais tarde melhor), vamos todos ficar grisalhos. E, para a felicidade das mulheres, um movimento de aceitação dos fios prateados vem derrubando clichês como o de que “homem grisalho é charmoso, mulher grisalha é desleixada”. Ou de que "tão estranho quanto um homem pintar o cabelo é uma mulher não o pintar". São conceitos que vêm caindo conforme as mulheres se emponderam.
Mas, afinal, por que os cabelos embranquecem? “Nós temos uma enzima no folículo, o local onde o cabelo se configura, e que é responsável pela formação do pigmento escuro, a melanina. Esta enzima vai perdendo a eficiência com os anos, até parar de funcionar. A partir daí não produz mais a melanina”, afirma a médica dermatologista Fabiane Andrade Mulinari Brenner, coordenadora do Departamento de Cabelos e Unhas da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
Apesar de muita gente achar motivos de sobra para justificar os fios brancos, a principal causa é mesmo a genética. E isso muda de pessoa para pessoa. Assim, pela tendência genética familiar, o filho de um pai que tem cabelos brancos tem mais chances de ficar igual, aponta a médica. E não há diferença de idade entre homens e mulheres para os cabelos começarem a clarear.
Será que o fator genético vale mesmo quando o cabelo fica grisalho precocemente? A canície precoce acontece quando os fios brancos surgem antes da segunda década de vida. Ela pode acontecer, segundo especialistas, por uma exaustão do reservatório de melanócitos ou algum defeito na ativação ou migração celular, geralmente agravada por fatores ambientais, inflamações diversas ou estresse psicológico. Algumas condições também podem fazer com que os cabelos fiquem brancos: vitiligo, alopecia areata e deficiências nutricionais.
A alopecia areata causa a queda de tufos de cabelo (geralmente aqueles com cor). Isso pode parecer um envelhecimento repentino porque os fios que restam são grisalhos ou brancos. Quando o cabelo volta a crescer, ele poderá ser cinza, branco ou da cor normal.
A questão étnica também conta. O início do embranquecimento dos fios é mais precoce nos caucasianos, por volta dos 35 anos, e nos negros inicia-se em torno dos 45 anos. Na mulher, geralmente, é na região de implantação capilar que ocorrem os primeiros fios brancos.
Há algumas teorias de que o cigarro seria um dos aceleradores do processo, mas a dermatologista não acha que ele seja um fator importante e aponta que não há evidências científicas que comprovem isso até agora. Mas vale lembrar que fumar não traz benefício algum, pelo contrário.
E quem nunca ouviu aquela máxima: se você arrancar um grisalho, três crescerão de volta. Isso é crendice e, claro, não acontece. Ainda assim, não arranque os fios! Você está apenas atrasando o inevitável – outro fio cinza irá substituir o anterior. Além disso, arrancar o cabelo pode danificar tanto os folículos que eles não geram mais cabelo. Isso pode fazer sua juba parecer fina com o tempo.
O cabelo branco tem características próprias, como ser mais grosso na textura e crescer mais rapidamente. Porém, é mais seco e frágil, ou seja, com maior tendência à quebra. Isso também traz mais dificuldade às tinturas. Ele também exige cuidados especiais, por isso é indicado evitar alisamentos. Já os crespos, como dos afrodescendentes, podem ter mais pigmento, retardando a canície. Porém, como os fios têm mais curvatura, a distribuição de queratina é irregular, o que significa que ela se concentra ao redor do fio e não no centro, e isso o deixa mais sensível e frágil, tornando-o mais sujeito à quebra. Por serem mais frágeis do que outros tipos de fios, quando ficam grisalhos é importante tomar um cuidado ainda maior nos atos de pentear e escovar.
Vale lembrar que, finalmente, há uma gama generosa de produtos para cabelos grisalhos disponíveis no mercado nacional. O mais importante é sempre hidratar os fios e usar xampus, condicionadores e máscaras com tonalização (lilás, black ou grey) para manter a cor e não deixar os fios amarelos. Secadores de cabelo e chapinhas, usados com parcimônia, não fazem mal. “Vale a pena investir em leave-in e protetores térmicos”, enfatiza Fabiane.
No verão, os fios prateados também pedem atenção: “O cabelo branco protege menos, portanto é preciso usar filtro solar específico”, frisa a dermatologista. Chapéus, viseiras, lenços e bonés são ótimas barreiras para os raios de sol.
É muito difundida a história de que a rainha da França no século XVIII, Maria Antonieta, aos 38 anos, na véspera de sua execução na guilhotinha, durante a Revolução Francesa, tenha ficado com os cabelos brancos de repente. E que isso teria sido causado por forte estresse, afinal, ela sabia que iria morrer no dia seguinte.
Um relatório publicado nos Arquivos de Dematologia dos Estados Unidos traz relatos mais modernos, referindo-se a sobreviventes de ataques à bomba durante a Segunda Guerra Mundial que ficaram com cabelos brancos rapidamente. Porém, nenhuma pesquisa até agora, felizmente, sugere que você pode ficar de cabelos brancos da noite para o dia. O mais provável é que os casos apontados estejam ligados à alopecia areata ou à eliminação temporária de cabelo. No caso da rainha, como naquela época os nobres usavam muitas perucas, pode ser que na hora da morte, claro, ela tenha surgido com o cabelo verdadeiro.
Grisalhas: um estudo sobre cabelo, liberdade feminina e política-vida, feito por Tatiana Miranda e Carlos Eduardo Fialho, teve como objetivo analisar os motivos de as mulheres estarem assumindo os cabelos grisalhos. Para a pesquisa foram feitas entrevistas com mulheres dos 20 aos 80 anos. No texto, os autores afirmam que existe “uma forte atitude política ao deixar de pintar os fios brancos... Percebemos que assumir os cabelos brancos é, para muitas mulheres, tanto uma forma de liberdade quanto de reivindicação do direito delas sobre sua aparência física e sobre as formas de lidar com seu envelhecimento”.
Para eles “o tema do cabelo grisalho nas mulheres nos interessou pois o vemos como uma transgressão e um enfrentamento aos modelos de ideal físico que são esperados com relação ao corpo das mulheres. Em uma primeira observação, uma mulher que se recusa a tingir seus cabelos brancos nos fala de diversos conteúdos: aceitação do envelhecimento, questionamento de padrões engessados de beleza (e da própria beleza como atributo obrigatório em uma mulher), poder feminino de decisão sobre seu próprio corpo e diversos outros”.
No estudo, citam frase da doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional - UFRJ, Patrícia Bouzón: “o cabelo classifica e hierarquiza, qualifica e desqualifica, exclui e inclui, aproxima e distancia, deixando pouco espaço para indefinições”, sendo um dos elementos de representação dos indivíduos no cenário social.
Durante a pandemia, muitas mulheres acabaram assumindo os fios brancos, seja por comodidade, por não conseguirem ir a salões de beleza, ou por empoderamento e liberdade. As atrizes Samara Felippo, Glória Pires e Andie MacDowell, e as jornalistas Carla Vilhena e Sandra Annenberg, assim como as cantoras Fafá Belém e Alcione são exemplos.
Porém, antes delas, muitas outras, como o ícone da moda, Costanza Pascolato, a cantora Rita Lee, a primeira diretora gerente mulher do FMI, Christine Lagarde, já assumiam os fios brancos. E quem não se lembra da poderosa personagem de Meryl Streep em O diabo veste Prada, Miranda Priestly?
“Uma nova geração de mulheres grisalhas com peles impecáveis tem frequentado os nossos consultórios”, afirma Fabiane, confirmando a tendência. Pelo jeito, assumir os fios prateados veio para ficar, emponderar e embelezar as mulheres de qualquer idade.
Angela Vitalino de Farias, química e cosmetóloga da Bambbu Cosméticos, têm se tornado uma referência para as mulheres que não querem mais investir em tintas e tonalizantes. Ela abriu um grupo no Facebook para que as grisalhas encontrassem um lugar para conversar e já são mais de 70 mil inscritas.
Angela recebe todos os dias milhares de perguntas sobre como cuidar dos fios brancos e grisalhos. Abaixo, ela responde a algumas das dúvidas mais comuns:
Este processo pode levar até dois anos para ser concluído, pois depende do grau de crescimento dos fios de cada mulher. E se a grisalha não tiver de fato decidida a encarar a transição de forma leve, ela pode desanimar e desistir de enfrentar a jornada até o objetivo final. Existem três formas de acelerar a transição:
– Fazer um big chop (cortar curtíssimo) ou raspar;
– Eliminar o multicolorido (vários tons/cores) do cabelo, fazendo uma descoloração global e tonalizando em tons acinzentados ou frios, aproximando o máximo possível da raiz natural.
– Usar produtos que acelerem o crescimento dos fios e ir cortando todos os meses.
– Desamarelar: usar cremes com corantes ou pigmentos específicos para neutralizar/combater os tons amarelados que surgem nos cabelos devido à oxidação dos fios. Muitas grisalhas utilizam “desamareladores” de cores violeta ou azul, que podem manchar os fios brancos. A melhores opções são black ou acizentados.
– Tonalizar: uma coloração sem amônia e semipermanente para neutralizar/quebrar e intensificar a cor do cabelo. Para o início da transição pode ser uma opção momentânea até que os fios estejam mais crescidos.
Por perderem ao longo do tempo os componentes que um fio comum possui, se tornam mais carentes de cuidados. Para ter madeixas brancas e radiantes é importante incluir na rotina um cronograma capilar, ou seja, um tratamento periódico para reposição de água (hidratação, massa lipídica), nutrição (aminoácidos), reconstrução de fios, além de nutrientes e vitaminas.
Com o envelhecimento natural ou até mesmo precoce do fio, existe a perda da melanina (pigmentação natural do fio), da massa capilar, dos aminoácidos e nutrientes, entre outros itens que formam a fibra capilar. Com isso, o fio branco se torna mais suscetível à oxidação por ser o que consideramos “oco” e por ser muito sensível a altas temperaturas. É imprescindível que mulheres grisalhas protejam o cabelo com o uso de protetor térmico/leave-in após todas as lavagens mesmo se for secar ao natural.
A verdade é que mulheres grisalhas e com fios brancos não devem fazer procedimentos de alisamento, pois os componentes ácidos que vão na formulação podem agredir e amarelar os fios, principalmente quando termoativados com a alta temperatura do secador e da prancha, os queimam e os tornam extremamente oxidados/amarelados. Quando isso ocorre, dificilmente algum produto irá resolver a questão. Mas, se ainda assim optar por “reduzir o volume” (porque um alisamento perfeito jamais iremos conseguir sem “pranchar”), as dicas são: misturar um bom matizador desamarelador no ativo alisante, deixar o tempo de pausa, enxaguar 100% o cabelo e somente escovar em temperatura média, e nunca pranchar.
Ao longo do tempo o fio vai perdendo seus principais componentes, dentre eles a proteína que representa em média 70% da composição do fio, a melanina, e outros em menor quantidade, como carbono, oxigênio, hidrogênio, enxofre, etc., que juntos dão peso molecular aos fios. Essa perda de peso os torna mais leves e ocos. Assim, eles são preenchidos por oxigênio, o que os deixa leves e “arrepiados”.
Cronograma capilar é imprescindível! A ingestão de água para hidratar o corpo e irrigar os folículos capilares também. Alimentação rica em vitaminas, como vitamina A – mantém e desenvolve o tecido capilar, diminuindo a queda de cabelo e a calvície; vitamina B7 (biotina) – contribui com o metabolismo de proteínas e gorduras, evitando a fraqueza e queda dos fios; vitaminas C e E – poderosos antioxidantes que contribuem com o crescimento e saúde dos fios; e vitamina D – cuja deficiência também causa a queda dos fios. Evite uso de equipamentos de altas temperaturas, que acabam por ressecar os fios, deixando-os opacos e até quebradiços.
A depender do grau de amarelamento, pode-se remover com uma simples tonalização, claro, se o profissional for bom em colorimetria para que não deixe os grisalhos manchados. Ou passar a usar desamareladores black, que, a cada aplicação, vão remover os resíduos dos corantes azul e/ou violeta. Pode-se utilizar, ainda, xampu de limpeza profunda. Porém, por ter o pH elevado e abrir demais a cutícula, pode gerar o efeito palha e ressecado. Se isso acontecer, deve-se fazer uma boa reconstrução de fios para recuperar o dano.
O ideal é não utilizar nenhum tipo de equipamento que emane altas temperaturas nos fios brancos e grisalhos devido à extrema sensibilidade. Mas, se fizer uso, faça em temperatura baixa ou média, e não pranche as mechas mais do que duas ou três vezes. Assim, evita-se o amarelamento e o ressecamento.
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