Uma pesquisa mostra que até mesmo um breve episódio de raiva, desencadeado ao lembrar de experiências passadas, pode prejudicar a capacidade dos vasos sanguíneos de relaxar — um fator crítico para manter um fluxo sanguíneo saudável.
O estudo, publicado no Journal of the American Heart Association, destaca como respostas emocionais agudas podem ter efeitos fisiológicos imediatos, com o potencial de aumentar o risco de doenças cardiovasculares.
A aterosclerose é uma das principais causas subjacentes de complicações cardiovasculares, caracterizada pelo acúmulo de gorduras, colesterol e outras substâncias nas paredes das artérias. Esse acúmulo pode levar a problemas cardiovasculares graves, incluindo ataques cardíacos e derrames. Compreender os gatilhos e os fatores que contribuem para a doença é crucial para desenvolver estratégias preventivas e terapêuticas.
Desde o final da década de 1950, estudos sugerem que certos padrões comportamentais, especialmente aqueles categorizados como “Tipo A”— competitivos, ambiciosos e agressivos — estão ligados a um maior risco de eventos cardiovasculares. Isso despertou interesse sobre como respostas emocionais específicas, como raiva, ansiedade e tristeza, podem afetar diretamente a saúde cardiovascular.
A raiva, em particular, foi identificada em numerosos estudos como um forte gatilho para eventos cardiovasculares imediatos, provavelmente devido ao seu impacto intenso e imediato na função dos vasos sanguíneos.
No entanto, embora a associação entre raiva e risco cardiovascular seja bem documentada, os mecanismos específicos pelos quais a raiva e outras emoções negativas influenciam as fases iniciais da aterosclerose e outros aspectos da saúde cardiovascular ainda são pouco compreendidos.
Há um interesse particular em como essas emoções afetam o endotélio, o revestimento interno dos vasos sanguíneos, que desempenha um papel crítico na manutenção da saúde e função vasculares. A interrupção na função endotelial é considerada uma fase precoce e reversível da doença cardiovascular, o que poderia ser fundamental para evitar infartos e derrames a longo prazo.
Os pesquisadores inscreveram 280 pessoas com mais de 18 anos da comunidade em torno da Universidade de Columbia, em Nova York. Eles não tinham problemas de saúde significativos, nem usavam medicamentos que pudessem afetar o estudo.
Os participantes foram aleatoriamente designados para um dos quatro grupos: três que passariam por tarefas projetadas para evocar emoções específicas (raiva, ansiedade ou tristeza) e um grupo de controle que realizaria uma tarefa neutra. Os estados emocionais foram induzidos usando dois métodos principais: uma tarefa de recordação (relembrar e refletir sobre memórias pessoais que despertaram raiva ou ansiedade) e a técnica de Velten (ler e refletir sobre uma série de declarações padronizadas que evocam tristeza).
Cada integrante passou por uma série de avaliações de saúde básicas, incluindo a medida de vasodilatação dependente do endotélio (EDV, na sigla em inglês), feita com um dispositivo chamado EndoPAT2000. A saúde endotelial também foi avaliada pela medição dos níveis de micropartículas derivadas do endotélio (EMPs) e células progenitoras endoteliais (EPCs) na corrente sanguínea, que são indicadores de lesão endotelial e de capacidade reparadora, respectivamente.
A principal descoberta foi que a raiva provocada prejudicou significativamente a EDV, que é crucial para manter a função normal dos vasos sanguíneos. Este prejuízo foi mais notável 40 minutos após a indução emocional e indicou que a raiva pode reduzir agudamente a capacidade dos vasos sanguíneos de se dilatar adequadamente em resposta ao aumento do fluxo sanguíneo. No entanto, esse efeito não persistiu, sugerindo que o impacto da raiva na função dos vasos sanguíneos é transitório, pelo menos em indivíduos saudáveis.
Os autores observam que ainda é preciso investigar melhor como o estado de raiva leva a uma disfunção dos vasos sanguíneos.
Curiosamente, os pesquisadores não encontraram efeitos semelhantes com as emoções de ansiedade e tristeza. As medições feitas após induzir essas emoções não mostraram mudanças significativas na EDV em comparação com a condição neutra. Isso sugere que nem todas as emoções negativas têm o mesmo impacto fisiológico na função endotelial.
Também não houve mudanças significativas nos níveis de EMPs e EPCs após nenhuma das tarefas de indução emocional em comparação com a condição neutra. Essa descoberta sugere que, embora a raiva possa prejudicar transitoriamente a função vascular medida pela EDV, ela não necessariamente causa danos físicos imediatos às células endoteliais ou afeta seus processos reparadores dentro do curto prazo do estudo.
Mas há algumas ressalvas a considerar. A amostra era relativamente jovem e saudável, por isso não é possível generalizar os resultados. O desenho do estudo também não considerou os riscos cardiovasculares a longo prazo associados ao estresse emocional crônico ou repetido.
De qualquer forma, os resultados se somam a evidências de que emoções intensas podem afetar a saúde do coração – até partidas de futebol importantes podem aumentar o risco de infartos ou arritmias em indivíduos predispostos.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin