Muitos homens transgênero, além de pessoas de outras identidades sexuais, optam por tomar testosterona para desenvolver características masculinas, como voz mais grossa e mais pelos no corpo e no rosto, e também suprimir características femininas, como a menstruação. Durante a terapia hormonal, uma pessoa pode deixar de menstruar, porém, ainda pode ovular e, portanto, há risco potencial de engravidar, segundo um pequeno estudo.
A pesquisa incluiu 52 pessoas transmasculinas, ou seja, pessoas que foram designadas como do sexo feminino ao nascer, mas cuja identidade de gênero está alinhada com a masculinidade – isso pode incluir homens trans e algumas pessoas não binárias ou de gênero fluido, por exemplo.
Os participantes haviam tomado testosterona por pelo menos um ano antes de passarem por uma ooforectomia, uma cirurgia de afirmação de gênero para remover um ou ambos os ovários. Após a remoção, os cientistas analisaram os ovários dos pacientes em busca de sinais de ovulação.
Nenhum dos participantes do estudo estava menstruando antes do procedimento — tipicamente, a terapia com testosterona faz com que os pacientes parem de menstruar dentro de três a seis meses de uso. Geralmente se assume que quando uma pessoa que toma testosterona para de menstruar, ela não ovula mais, o que significa que nenhum óvulo é liberado dos ovários.
No entanto, o novo estudo descobriu que 33% dos participantes mostraram sinais de ovulação, independentemente do tempo em que estavam utilizando o hormônio, da quantidade no sangue ou se haviam usado gel ou injeções de testosterona. Esses sinais de ovulação incluíam a presença de sacos preenchidos com líquido onde um óvulo não fertilizado se desenvolve, ou o corpo lúteo, um grupo de células que se formam após a ovulação e produzem hormônios que apoiam uma possível gravidez.
Os resultados do novo estudo, publicados esta semana no periódico Cell Reports Medicine, destacam que pessoas trans em terapia com testosterona ainda têm o potencial de engravidar e, portanto, é recomendável que os pacientes utilizem contraceptivos se desejarem se envolver em atividades sexuais que possam levar a uma gravidez indesejada.
"As consequências físicas e mentais de uma gravidez não planejada e indesejada são enormes", disse Joyce Asseler, coautora sênior do estudo e candidata a doutorado nos Centros Médicos da Universidade de Amsterdã, em um comunicado. "É importante que pessoas trans e seus provedores de saúde estejam cientes desse risco e ajam de acordo", acrescentou.
Estudos anteriores mostraram que pessoas trans em terapia com testosterona poderiam potencialmente engravidar. Por exemplo, um estudo de 2020 mostrou que 7 de 20 pessoas trans em terapia com testosterona tiveram aumentos temporários nos níveis de um produto de degradação da progesterona, um hormônio sexual que apoia a menstruação, em sua urina. Os níveis de progesterona geralmente atingem o pico após a ovulação, sugerindo que esses indivíduos provavelmente estavam ovulando e teoricamente poderiam ter engravidado.
Mas o novo estudo foi um passo adiante e encontrou evidências diretas de atividade ovulatória recente nos ovários de pacientes em terapia com testosterona.
Pesquisas futuras precisarão "aprofundar" o motivo pelo qual a ovulação ocorre em algumas pessoas que tomam testosterona e em outras não, disse Asseler ao site Live Science. Também não está claro como essa capacidade de ovulação pode se traduzir nas chances de alguém engravidar.
No entanto, o potencial para ovulação ainda destaca a importância da contracepção e aconselhamento reprodutivo na saúde transgênero, acrescentou.
"É crucial abordar essa questão devido às significativas consequências físicas e mentais de uma gravidez não planejada, especialmente considerando o acesso limitado à saúde reprodutiva para indivíduos transgênero e queer em todo o mundo", afirmou ainda.
Isso é especialmente pertinente considerando que tomar testosterona durante a gravidez pode influenciar o desenvolvimento do feto. Vale notar que pessoas transmasculinas que suspendem a testosterona podem ter uma gravidez bem-sucedida, se desejarem ter filhos.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin