Você acha que é possível saber se uma pessoa sofre de transtornos de saúde mental apenas ao analisar o que ela fala, escreve, ou, mais especificamente, como usa a linguagem para se expressar?
Cada vez mais estudos têm se debruçado sobre isso, até para tentar criar ferramentas de diagnóstico a partir, por exemplo, de posts publicados nas redes sociais.
Um trabalho recente, publicado no Journal of Psychopathology and Clinical Science, descobriu padrões de linguagem distintos e sobrepostos em dois transtornos comuns: ansiedade e depressão.
O estudo, conduzido por pesquisadores das universidades da Pensilvânia, de Stanford e do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos EUA, contou com 486 participantes com mais de 18 anos. Do total, 65% eram do sexo feminino, 56% eram brancos, e a idade média era de 32 anos. A amostra incluiu:
Dos participantes que concordaram em voltar ao laboratório para mais testes, 184 tinham ansiedade ou depressão, enquanto 55 não tinham nenhum dos dois. Os transtornos foram medidos com questionários clínicos e também por autorrelato.
Tanto os resultados avaliados por clínicos quanto os autorrelatados mostraram várias características de linguagem comuns à depressão e à ansiedade, como, por exemplo:
- Maior uso de palavras relacionadas à percepção (por exemplo: dizer “olhar”);
- Palavras relacionadas ao corpo (por exemplo: “sono”, “cabeça”, “coração”) e palavras relacionadas a sentimentos (por exemplo: “senti”, “dor”, “difícil”). Esse padrão de linguagem provavelmente indica uma preocupação com estados internos.
Veja outras semelhanças encontradas na linguagem de quem possui ansiedade e depressão, e seu potencial significado:
- Menos palavras relacionadas ao trabalho (por ex: “emprego”, “escritório”). Isso pode sugerir falta de emprego ou talvez uma maior atenção dada aos estados internos em vez de eventos externos, como trabalho e escola.
- Aumento da linguagem de causalidade (“porque”, “por que”, “desde” etc). Isso pode indicar uma forma mais abstrata de processar informações e uma maior ênfase nas razões por trás de emoções ou eventos.
- Mais preposições (“como”, “sobre”), o que pode refletir um desejo de precisão.
- Mais interrogativas (“o que”, “onde”, “quando”), o que pode refletir uma busca por informações e uma intolerância à incerteza.
- Menos artigos (“um”, “uma”, “o”), o que pode indicar uma falta de atenção ao mundo externo. Artigos geralmente ocorrem antes de substantivos concretos, ou seja, substantivos como “cadeira” ou “cachorro” que se referem ao que pode ser detectado pelos sentidos.
- Uso frequente de verbos comuns, muitas vezes acompanhado do uso de "eu" (“eu fui”, “eu tenho”, “eu sei”). Isso pode sugerir problemas com a distância em relação a si mesmo.
- Contagem de palavras mais alta, o que geralmente está associado a relatar um maior número de problemas ao entrevistador/interlocutor.
Embora ansiedade e depressão tenham muito em comum, e muitas vezes andem juntas, certas características de linguagem foram mais específicas para uma condição do que para a outra, segundo o trabalho.
A ansiedade, por exemplo, estava mais associada a uma ampla gama de palavras que denotam emoção negativa, como “ansioso”, “preocupado”, “estressado”, “pior”, “ difícil” ou “doente”.
A depressão, por outro lado, estava associada principalmente a palavras relacionadas a solidão e tristeza (“desculpe”, “baixo”, “perdido”) e à falta de palavras com emoção positiva (“gentil”, “bom”, “bonito”, “melhor”, “amor”, “cuidado”).
O uso do "eu" também foi mais comum na depressão, mesmo que o uso do "eu" tenha sido anteriormente relacionado à negatividade emocional, angústia geral e neuroticismo, e, como resultado, tanto à ansiedade quanto à depressão.
O uso do "eu" geralmente indica atenção voltada para si mesmo; ou seja, a pessoa presta mais atenção aos pensamentos e sentimentos internos do que às informações provenientes do ambiente.
Como a atenção voltada para si mesmo geralmente envolve se fixar em conteúdo negativo relacionado ao eu, essa preocupação com estados internos pode ter consequências pessoais negativas. Por exemplo: concentrar-se muito na experiência interna negativa impede a adoção de uma perspectiva distante de si mesmo, o que pesquisas anteriores relacionaram a uma redução da depressão e a um maior senso de significado na vida.
Existem, também, consequências sociais negativas desse uso, segundo o estudo. Para ilustrar, quando o conteúdo negativo relacionado ao eu é expresso verbalmente em situações sociais – na forma de compartilhamento excessivo de pensamentos negativos ou na busca excessiva por tranquilização – isso deixa os ouvintes desconfortáveis, irritados ou frustrados. Portanto, pode levar à rejeição.
Os dados também revelaram características de linguagem relacionadas à depressão e ansiedade que não tinham sido relatadas anteriormente.
Uma delas é que indivíduos com depressão parecem usar palavras mais curtas, possivelmente como resultado de fadiga ou retardamento psicomotor. Eles também são mais propensos a fazer referência a comer/peso. Isso pode ser devido a uma imagem corporal negativa, alta insatisfação corporal ou a distúrbios no apetite, peso e distúrbios gastrointestinais (por exemplo, constipação), que são comuns na depressão.
Indivíduos com transtorno de ansiedade generalizada, em comparação com aqueles com depressão, são menos propensos a usar negações (por exemplo, “não” e “nada”). A descoberta provavelmente indica que pessoas ansiosas podem ter mais problemas para compartilhar com os outros.
Os autores acrescentam que as relações sobre o uso de conjunções (que também podem indicar falar sobre problemas) e interrogações (talvez refletindo a busca por respostas) com a ansiedade ainda fornecem evidências de que esse transtorno é expresso ao se discutir problemas.
Fonte: Psychology Today
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin