Você agarraria seu melhor amigo para atrair mulheres no Tik Tok?

Dois garotos dividem um pirulito ao som de Cannibal, da Kesha. Outro par de amigos dança “agarradinho”, fingindo que vai se beijar, e ainda há outra dupla

Jairo Bouer Publicado em 30/10/2020, às 17h07 - Atualizado às 17h50

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Dois garotos dividem um pirulito ao som de Cannibal, da Kesha. Outro par de amigos dança “agarradinho”, fingindo que vai se beijar, e ainda há outra dupla que faz xixi de mãos dadas. Se você pensa que essas cenas saíram de algum pornô gay, está muito enganado. São vídeos que têm sido publicados no Tik Tok por milhares de adolescentes, boa parte deles ingleses ou norte-americanos. Basta buscar por #homiesexual nessa e em outras redes sociais para ver a popularidade desses garotos.

Conheça os “homiesexuals”

Você leu certo: é “homiesexual” e não “homossexual”. Porque esses garotos apenas fingem ser gays, segundo eles próprios. O jargão “homie”, em inglês, costuma ser usado para se referir a alguém que mora na mesma cidade que você, um amigo mais próximo ou um “brother” (irmão), como falamos no Brasil. Mas a alusão à homossexualidade é proposital – o que essa turma do Tik Tok quer, mesmo, é confundir as pessoas.

Vídeos de garotos que se identificam como heterossexuais, mas se comportam como gays, viraram um chamariz de audiência no Tik Tok. Uma reportagem no The New York Times  sobre o assunto dá o exemplo de Connor Robinson, um inglês de 17 anos que aparece dançando de um jeito sensual com o amigo Elijah Elliot num quarto de hotel. O vídeo teve mais de 2,2 milhões de visualizações e mais de 31 mil comentários.

O garoto estimou ao jornal que 90% dos seus 1 milhão de seguidores são – acredite – mulheres. Seguidores gays e bi-curiosos do sexo masculino também são bem-vindos, segundo ele. Alguns podem até dizer que se trata de “bromance” (amor entre amigos). Mas o conceito é diferente: no bromance, abraços e beijos não têm conotação sexual.

Experimentos ou provocações

A verdade é que esses “homiesexuals” têm conseguido deixar muita gente meio perplexa, o que traz à tona uma série de reflexões que vale a pena a gente fazer. Em primeiro lugar, nos faz pensar na tal da sexualidade mais fluida que parece definir muitos garotos e garotas das novas gerações.

Será que, no fundo, eles estão aproveitando o argumento de chocar, zoar ou obter mais “views” e “likes” porque estão naquela fase de experimentações pela qual muitos jovens passam antes de definir sua orientação sexual?

Será que o fato de terem nascido nos EUA ou no Reino Unido, países que já têm uma tradição de casamentos de pessoas do mesmo sexo, faz com que eles tenham vencido de vez o preconceito? Há uma década, ter uma foto em contato íntimo com o amigo poderia ser considerado um “suicídio social”, como define a reportagem. Mas, para a geração Z, isso não é uma ofensa.

Para a maioria dos pais desses rapazes, aparecer nas redes sociais fazendo de conta que beija o amigo na boca é algo incômodo, ou “meio gay”, mesmo que seja só para zoar. Mas, afinal, quantos adolescentes não gostam de chocar os pais e os amigos? Se rebelar contra a sociedade e questionar tradições é um velho clichê dos jovens.

Garotas curtem

Assim como tantos homens heterossexuais adoram ver duas ou mais garotas se agarrando, porque fantasiam estar no meio delas, as garotas da geração Z parecem se sentir atraídas por garotos que posam de “bi” ou “gay”, talvez porque isso sinalize uma certa liberdade deles em lidar com sua própria sexualidade. Será que mulheres mais maduras também curtiriam a ideia, de ver parceiros potenciais que “ousam” mais nesse sentido? Me arrisco a dizer que aquelas mais abertas a experiências sexuais podem achar a brincadeira interessante.

Vamos combinar que essa exposição toda pode até servir de crítica para o fato de que, há tantos séculos, mulheres têm seu corpo usado como mero objeto de prazer. Será que homens que distribuem curtidas para fotos de garotas que dão “bitoca” nas amigas teriam direito de se indignar com um garoto que lambe o pirulito (o doce) do colega para milhões de seguidores?

E o que pensam os gays?

Gays e bissexuais também têm se manifestado de forma ambígua em relação aos “homies”. Eles podem achar aquilo legal, afinal as postagens estão quebrando estereótipos e tabus que cercam a masculinidade tradicional, mas também podem se ofender: será que a ideia é tirar sarro dos homossexuais ou ainda desvalorizar as lutas e conquistas históricas das minorias sexuais? Será que pegar o melhor amigo pelo queixo, como se estivesse prestes a dar um beijo louco de paixão, é engraçado? Por que seria?

O ativista LGBTQ+ canadense Nick Toteda gravou um vídeo em seu canal do YouTube em que reage a alguns vídeos de “homies” do Tik Tok. Ele também manifesta um misto de ironia e perplexidade. Será que é para fazer rir? Será que está na moda ser gay, da mesma forma que antigamente era “cool” ser heterossexual convicto? Difícil saber a resposta.

Por último, a pergunta que me levou a escrever este artigo: será que essa moda tem potencial para “pegar” no Brasil ou nos demais países latinos? Com todo o machismo que vemos por aqui, eu acho difícil, mas não impossível! A ver…

(Texto extraído da Coluna do Jairo Bouer no UOL)

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