Leo Fávaro* Publicado em 10/09/2021, às 09h00
A cada 40 segundos uma pessoa tira sua própria vida. O suicídio é a segunda principal causa de morte entre pessoas de 15 e 29 anos no mundo, ficando atrás apenas dos acidentes de trânsito. No Brasil essa realidade turva não é muito diferente: são registrados cerca de 32 suicídios por dia, e essa é a 4ª principal causa de morte entre jovens de 15 e 29 anos. Por trás de cada número há um nome, uma história, uma pessoa. E uma enorme sensação de desesperança.
Quase 97% dos suicídios têm relação com problemas de saúde mental, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Assim, identificar os sintomas e buscar tratamento são medidas fundamentais para a prevenção dessas mortes, o que envolve toda a sociedade. "Agir salva vidas" é o mote da campanha da associação para o Setembro Amarelo, mês escolhido para conscientizar as pessoas porque hoje (10) é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.
“Devemos acreditar sempre no lado positivo da vida. Ter visão positiva de nós mesmos, dos outros e do mundo. Não é um pensamento ingênuo, do tipo Imagine, do John Lennon, mas a fraternidade ainda é o ponto crucial do nosso existir humano. Assim, todos devem participar das atividades para o bem comum na sua comunidade, em seu local de trabalho e no seu país”, explica Valdir Campos, psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica do Espírito Santo, filiada à ABP.
O especialista salienta que “problemas de toda ordem podem afetar as pessoas que passam por momentos delicados e necessitam de apoio, de serem escutadas e compreendidas nesse processo do amadurecimento humano. A falta de esperança de dias melhores nos torna vazios e sem propósito de vida, o que nos deixa mais vulneráveis”. Trata-se, então, de um papel social coletivo se engajar na proposta de um bem comum, independentemente de convicções e crenças.
Uma das formas de evitar o suicídio é o acolhimento daquele que, de alguma forma, pensa em abrir mão de sua vida. Para isso, Campos destaca que o primeiro passo é “fazer uma escuta reflexiva, sem o prejulgamento de que a pessoa esteja querendo chamar a atenção ao tentar algo contra si". O psiquiatra destaca que suicídio não é uma doença, mas "o contínuo de um processo que vai desde pensamento, atitudes, até o desfecho fatal”. A desesperança é um sintoma chave em suicidologia; um indicativo e um alerta de proximidade com o trágico desfecho.
O especialista também destaca a importância de se falar sobre o autoextermínio em diversos espaços. Mas como tratar de um tema tão difícil? “A temática do suicídio é cercada de tabus, entre eles a crença de que falar abertamente sobre isso aumenta o risco de sua ocorrência. Essa crença é deletéria e aumenta o risco de comportamento suicida, uma vez que se perde a oportunidade de identificar, tratar e prover meios de proteção ao paciente com risco iminente”, explica.
A construção história e social em torno do suicídio, condenando-o por razões morais, religiosas e sociais, aumenta o estigma e dificulta sua prevenção. Por medo ou vergonha de falar disso e dos sentimentos que normalmente estão associados a ele, como tristeza, preocupação, sensação de inutilidade, de solidão e vazio, buscar ajuda fica difícil e reforça esse tabu, que deve ser desconstruído cotidianamente. Essas distorções criam uma percepção errônea de que o comportamento suicida não é um evento frequente e de que não há o que ser feito. Ao contrário, é fundamental saber que há especialistas e instituições que podem ajudá-lo.
Confira:
Os impactos de tirar a própria vida não se limitam àquele que se foi. Cada caso de suicídio interfere na vida de pelo menos outras seis pessoas. “Esses problemas são de cunho emocional ou financeiro e podem ter como consequência o desencadeamento de doenças mentais entre os familiares e amigos, como depressão, ansiedade, luto patológico e transtorno do estresse pós-traumático", detalha Campos. Como consequência, essas pessoas também podem estabelecer o envolvimento com consumo de álcool e outras drogas, o que pode levar a alterações do comportamento, brigas, violência e dependência.
E não é difícil imaginar esse cenário: o suicídio do provedor de uma família, por exemplo, pode levá-la a enfrentar dificuldades financeiras, empobrecimento e piora da qualidade de vida. Isso, por sua vez, gera reflexos que podem alcançar as relações sociais e profissionais desses indivíduos, afetando o círculo de amizades ou a equipe de trabalho. Essa responsabilidade social de preservação da vida compete a todo mundo que pode ajudar alguém que passa por um momento difícil.
É possível e muito importante acompanhar a saúde mental de quem passa por momentos de tristeza, com sensação de solidão e desesperança ou que, de alguma forma, pensa em tirar a própria vida. Combinando medicamentos e psicoterapia, o tratamento é feito pelo acompanhamento de médico psiquiatra e de psicólogo. Nunca é tarde para buscar ajuda especializada, e quanto antes for encontrado esse suporte, melhor o resultado do tratamento “Como 90% das pessoas que se suicidaram tinham doença mental como depressão, transtorno bipolar, dependência de drogas, esquizofrenia, a prevenção seria o tratamento precoce dessas doenças mentais”, explica Valdir Campos.
O psiquiatra completa que “para os casos leve a moderado, com boa rede de apoio familiar, o tratamento pode ser realizado a nível ambulatorial. Para os casos graves, onde ocorre a tentativa, a indicação de internação se faz necessária, principalmente se houver um passado de tentativas prévias de autoextermínio e esta tentativa ocorreu recentemente. A internação é também um momento propício para o envolvimento da família e amigos no processo terapêutico e no manejo de crises, educando sobre atitudes mais adaptativas”.
O psiquiatra destaca que “a primeira estratégia deveria ser o comprometimento dos gestores de saúde em prover os meios de saúde adequados para a comunidade. Nos últimos anos temos vivenciado problemas de corrupção no país, com desvios de verbas destinadas ao sistema público de saúde. Houve redução drástica de leitos destinados ao tratamento de pessoas com doença mental e os Caps (Centro de Atenção Psicossocial) têm baixa resolubilidade, não atendem pacientes mais graves, têm alto custo, equipe sem preparo técnico, e não cumpre o seu papel de ser um serviço substitutivo como é proposto na política de atenção ao portador de doença mental”.
Investir na qualidade e na oferta desses serviços faz toda a diferença. “Pesquisas têm mostrado que, em locais onde há serviços de saúde mental, os índices de suicídio são bem menores, indicando que a facilidade de acesso aos serviços de atenção à saúde é um ponto fundamental no gerenciamento da assistência e prevenção de doenças físicas e mentais. Os serviços de saúde devem criar protocolos para a assistência ao suicídio, que é uma emergência médica” comenta Campos.
Ações como o Setembro Amarelo são importantes por normalizar discussões sobre o suicídio, educar a população e oferecer aos gestores de saúde diretrizes para medidas preventivas. Na página virtual da campanha é possível fazer o download da cartilha “Suicídio: informando para prevenir”, que traz informações relevantes para salvar vidas. Além disso, é possível ser voluntário no Centro de Valorização da Vida (CVV), que atende pessoas que passam por momentos de angústia por telefone e por chat virtual.
Caso você precise ou conheça alguém que precise de ajuda, o telefone do CVV é 188 e funciona 24 horas para escutar, aconselhar e orientar as pessoas em momentos de grande angústia e pensamentos negativistas e de suicídio.
Clique AQUI para saber mais onde buscar ajuda.
*Leo Fávaro é acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo
Veja também: