Adolescentes estão deixando os estudos e faculdade de lado para se tornarem desenvolvedores de aplicativos e de jogos para celulares. Seria esta a mais nova forma de garantir um futuro promissor?
Jairo Bouer Publicado em 14/10/2019, às 16h13 - Atualizado às 23h57
Reportagem recente do jornal The New York Times traz um fenômeno curioso que vem sendo detectado nos EUA. Adolescentes estão deixando os estudos de lado, ou até mesmo abandonando o plano de fazer uma faculdade, para se tornarem desenvolvedores de aplicativos e de jogos para celulares. O sonho de ser um novo empreendedor no promissor mundo da tecnologia está deixando muitos pais e especialistas de cabelo em pé.
O fenômeno não é uma novidade, mas tem alcançado dimensões nunca vistas. Antes restrita a jovens atletas de sucesso ou a talentos precoces do mundo das artes e do entretenimento, a decisão de largar a escola ou adiar o diploma universitário está ganhando cada vez mais adeptos, graças ao poder de sedução dessa nova indústria e da relativa facilidade de se conectar com quem faz e decide.
O baixo custo para se desenvolver jogos ou um aplicativo e as ferramentas disponíveis online têm estimulado jovens que gostam de programação a abraçar a causa. Além disso, a possibilidade de sucesso e, é claro, o dinheiro que se pode ganhar dão maior alcance ainda ao “canto da sereia”.
O mercado, sensível ao movimento, também tem seguido esses jovens e oferecido cada vez mais eventos e oportunidades. O South by Southwest (SXSW), uma descolada feira de tecnologia, música e filmes, se encerrou em Austin (Texas), no último domingo, reunindo milhares desses jovens antenados. Uma versão juvenil do Ted Global (TedxTeen) ocorre desde 2010, trazendo as famosas palestras de 15 minutos, que usam criatividade e revelam trabalhos inovadores, ao universo dos adolescentes. O próximo grande encontro será em outubro, em Londres.
As empresas não perdem tempo. De olho nesse filão dos adolescentes empreendedores, os investidores, cada vez mais, compram esses projetos e produtos e, muitas vezes, fazem grandes aportes financeiros. A Apple, por exemplo, em 2013, diminuiu de 18 para 13 anos a idade dos jovens que podem frequentar a sua conferência mundial de desenvolvedores, que ocorre anualmente em São Francisco (na Califórnia, EUA).
No Brasil, também existe potencial para esse fenômeno. Loucos por tecnologia, campeões no uso das redes sociais, cada vez mais conectados, criamos condições para que os nossos jovens mergulhem de cabeça nessa onda. Um estudo divulgado há duas semanas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostrou que, em 38% dos lares no Brasil, pelo menos uma pessoa acessa a internet pelo celular. Entre os mais novos, essa tendência talvez seja mais aguda.
Como se sabe, certa dose de imediatismo é comum entre os adolescentes. Para muitos, a promessa de dinheiro, fama e sucesso, aliada à monotonia e à repetição das aulas em boa parte das escolas brasileiras, pode ser um grande estímulo para que os estudos não sejam prioridade.
A questão é que, até hoje, as pesquisas mostram que, na média, quem tem um diploma de curso superior pode alcançar salários maiores do que quem não fez uma faculdade. Mais dedicação aos estudos mostra também, em geral, uma maior chance de sucesso no futuro profissional. Lógico que há muitas exceções.
Outro ponto a se considerar: será que vender um bom aplicativo ou jogo aos 15 ou 16 anos significa um acerto constante na carreira de empreendedor e um futuro promissor? Provavelmente, como muita gente que foi uma grande revelação nos esportes ou nas artes na infância, nem sempre a vida adulta garante o mesmo destino feliz. Será que ganhar muito dinheiro tão cedo é bom para a cabeça do jovem e para sua relação com os pais e com o mundo? Será que a tecnologia garante esse sucesso? É bom pensar no assunto.
É PSIQUIATRA
via Estadão