Vitor Sérgio Kawabata* Publicado em 10/08/2021, às 15h48
Em março de 2020, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo convocou a SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), Organização Social de Saúde, ligada à EPM (Escola Paulista de Medicina) e a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), para fornecer recursos humanos especializados para a abertura de leitos de UTI COVID-19 no renomado Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Inicialmente eram 30 leitos; com o progredir da pandemia, chegamos a 60 leitos de UTI e 22 de enfermaria. Neste período, como diretor da unidade, e acompanhando a divulgação de informações na mídia e em redes sociais tenho uma série de considerações que gostaria de partilhar com vocês.
Gostaria de iniciar com a desinformação e “fake news”, tão frequentes nos dias de hoje. Com a facilidade da disponibilidade dos meios digitais, qualquer pessoa publica o que bem entende e muitas vezes conteúdos alarmistas, sem qualquer compromisso com a verdade. Com o pânico gerado pela pandemia, muita informação sem qualquer embasamento tem sido divulgada. Devemos ter muito cuidado com as fontes de informações. Pesquisas em “sites” sérios como o CDC (Center of Disease Control), para doenças infecciosas, o FDA (Food and Drug Administration), para medicamentos, e o da Anvisa aqui no Brasil são as mais seguras.
Tornando a situação ainda mais grave, a pandemia resultou em palco de disputa política, onde as informações divulgadas pelos nossos governantes não estão embasadas na verdade ou na ciência, mas na posição política e interesse conveniente ao declarante.
O próprio Conselho Federal de Medicina, de forma totalmente vergonhosa, autorizou o uso do “tratamento precoce” para “não cercear a autonomia do médico”, apenas para agradar o governo, mesmo não havendo evidência científica para o uso do mesmo.
O “tratamento precoce”, já que foi citado, consiste em medicamentos com a capacidade de inativar o vírus “in vitro” (no laboratório, fora do nosso organismo). Entretanto, não há evidência científica suficiente que sugira que eles também sejam eficientes “in vivo” (no nosso corpo). Pode até ser que estudos em andamento demonstrem eficácia em alguma das medicações no futuro. No momento, essa evidência não existe. Álcool, vários desinfetantes, temperaturas acima de 60º C também inativam o vírus “in vitro”.
– Ora, alguém usaria alguma destas coisas pra tratar o doente com Covid?
As drogas utilizadas no tratamento precoce são remédios seguros em sua maioria quando bem indicados. Ocorre que, em raros casos, pessoas que os utilizam podem evoluir com lesão hepática (fígado) grave, com necessidade de transplante e até óbito. Apesar de muito raros, por que arriscar efeitos adversos graves, sem comprovação de benefícios?
Muito mais comuns, são as interações medicamentosas (interferência de um medicamento sobre outro) que os componentes do tratamento precoce apresentam. E convenhamos, são frequentes os idosos que precisam utilizar cronicamente uma longa lista de remédios, potencializando em muito este risco. Em resumo, os mesmos medicamentos que salvam vidas e melhoram a condição de saúde das pessoas, podem se comportar como “veneno” quando mal utilizados.
Paradoxalmente, muitos dos que são a favor do tratamento precoce são contra a vacina, que tem demonstração científica de eficácia... Estas são perfeitas? Não, não são. Cada uma delas tem vantagens, desvantagens e diferenças na aplicação. Sempre há um que objeta, dizendo que conhece fulano que tomou a vacina e mesmo assim adoeceu.
As vacinas reduzem o risco da doença e a chance de evoluir para as formas graves ou fatais. Vamos fazer uma comparação: se um fabricante de automóveis demonstra que um novo mecanismo de segurança reduz em 40, 50, 70, ou 90% a chance de morrer em uma colisão, você não vai querer este acessório se o preço for razoável? O mecanismo não impede o óbito. Reduz o risco. Se uma carreta desgovernada atingir o seu veículo, você pode morrer. A vacina funciona da mesma forma, e para nós, o custo é zero.
Falando em vacina, não podemos nos esquecer da vacina da gripe (influenza). A doença pode ser tão grave quanto o Covid, e o quadro inicial, muito semelhante. No atendimento médico, você será naturalmente encaminhado para a área dos pacientes com risco de Covid. Se você não tinha a infecção terá boa chance e oportunidade de adquiri-la. Além disso, a influenza tem um caráter sazonal, alternando um ano “bom”, com um ano “ruim”. E infelizmente este é o ano “ruim”...
Os efeitos adversos das vacinas, publicadas frequentemente na mídia e tão temidos pela população, como indisposição, dores pelo corpo, febre e tromboses, em geral são manifestações da doença e do próprio vírus. Se as vacinas contêm o vírus inativado ou atenuado, ou, ainda, parte do vírus, é como se tivéssemos uma “infecção light” pelo agente imunizante. Portanto, não “fiquem escolhendo” a vacina. Tomem a que estiver disponível, o mais rápido possível. O importante é se proteger e defender àqueles que amamos.
Sobre o autor:
* Dr. Vitor Sérgio Kawabata
Médico Cardiologista / Intensivista. Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico da UTI do Hospital Universitário – USP. Diretor Técnico do Instituto de Ensino e Saúde da SPDM / UTIs do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.