Após cerca de 2 anos, há mais conhecimento para controle e entendimento das sequelas
Raphael Ribeiro Spera* Publicado em 22/02/2022, às 13h00
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou estado de pandemia pelo vírus Sars-CoV-2, um novo tipo de coronavírus, causador da Covid-19. Os primeiros relatos da infecção ocorreram na China, mais especificamente na cidade de Wuhan, com população estimada de 11 milhões de indivíduos. No início, o enfrentamento ainda era de uma doença desconhecida, em aspectos epidemiológicos, clínicos e terapêuticos. Muitas dúvidas ainda pairam. Entretanto, após cerca de 2 anos, o conhecimento científico aumentou de forma exponencial, proporcionando melhor conhecimento para controle e entendimento das sequelas do mesmo.
Você ficou com sintomas duradouros ou crônicos após infecção por Covid-19?
- Não, nenhum sintoma permaneceu após me recuperar
- Sim, mas só por algumas semanas ou meses
- Sim, e ainda continuo com o(s) sintoma(s)
O termo pandemia descreve basicamente a infectividade de um determinado micro-organismo de forma acelerada por diversos países e continentes de forma simultânea. Historicamente o termo é “temido”, pois os exemplos anteriores levaram a períodos de extrema dificuldade, sofrimento e milhões de mortos pelo mundo, como no caso da peste bubônica, varíola, cólera e a gripe espanhola. Entretanto, é importante reconhecermos que decretar esse estado é identificar um período de adversidade, realizar medidas preventivas e concentrar esforços para controlar e mitigar danos.
Quando se diz “novo” coronavírus, é necessário reconhecer que é parte de uma família já anteriormente descrita, inclusive com surtos de doença respiratória pontuais em outros momentos do século 21, como do Sars, na China, em 2002-2004, e do Mers, no Oriente Médio, entre 2012-2014.
Após aproximadamente 6 milhões de óbitos e mais de 400 milhões de infectados em todo o mundo pela Covid-19, sendo 10% dos óbitos no Brasil, o surgimento de diversos tipos de vacinas, variantes do vírus, medidas para prevenção e terapêuticas para amenizar os sintomas, os esforços se voltam aos sinais que permanecem por semanas (4-12, a depender da definição do autor) após a recuperação completa das ocorrências respiratórias – conhecida como síndrome pós-Covid-19 – e na reabilitação dos pacientes com esses tipos de transtorno.
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A síndrome pós-Covid-19 (também chamada por alguns autores de Covid-19 “longa” ou “crônica”) envolve sintomas sistêmicos – os mais comuns são fadiga, tontura, falta de ar, dor de cabeça e dores musculares, assim como neurológicos – caracterizados por dificuldade de concentração, raciocínio, linguagem e memória. Em relação aos três últimos, que podemos chamar de “domínios cognitivos”, acrescenta-se outros menos comumente afetados nessa entidade, como praxias (atos motores previamente aprendidos), habilidades visuoespaciais (capacidade de se localizar no espaço) e visuoperceptivas (reconhecimento de faces e objetos).
Observamos essa situação em casos graves, por exemplo, quando há necessidade de assistência ventilatória (oxigênio por cateter e máscara, ou mesmo intubação orotraqueal), quando ocorrem complicações relacionadas ao estado crítico do paciente (acidente vascular cerebral, crises convulsivas e trombose venosa central, principalmente), mas também em casos leves.
A intensidade dos sintomas também pode variar: alguns pacientes apresentam sintomas “menores”, quando o médico neurologista habilitado ou o neuropsicólogo podem encontrar pequenas alterações em avaliação cognitiva sistematizada, mas sem que isso repercuta em atividades diárias básicas e complexas do indivíduo, como trabalhar, dirigir, realizar compras e organizar finanças. Em outras situações, os sintomas podem ser intensos e atrapalhar suas funções e independência, sendo definido como sintomas “maiores”.
As causas para esse tipo de apresentação clínica são múltiplas, correlacionados ou não a própria infectividade do vírus, resposta inflamatória exacerbada e desregulada que ele causa, pelo próprio isolamento relacionado à pandemia, ou por sintomas psicológicos que acompanham o indivíduo nesse período, dentre outras.
Há necessidade de avaliação pormenorizada por médico neurologista e equipe multiprofissional na maior parte dos casos, com suporte e terapêutica, para que o paciente possa ter possibilidade de reabilitação e retome suas atividades diárias da melhor forma possível.
*Sobre o autor: Raphael Ribeiro Spera
Graduado em medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e residência médica em Neurologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Especializado em Neurologia Cognitiva e do Comportamento pela mesma instituição. Atualmente é médico-assistente da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da FMUSP. Membro do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento (GNCC) do HC-FMUSP. Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), membro da Academia Americana de Neurologia (AAN) desde 2018 e Colunista do Portal Trevoo.
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