Jairo Bouer Publicado em 14/10/2019, às 16h13 - Atualizado às 23h57
Na última semana, cientistas americanos anunciaram um novo gel, aplicado na vagina após a relação sexual, que poderia ser, no futuro, um aliado importante na prevenção à contaminação pelo vírus HIV, causador da aids.
O novo gel vaginal, testado até agora apenas em macacos, se mostrou efetivo para bloquear o vírus nos primeiros testes. Composto pelo antiviral raltegravir, o produto impediria a integração do vírus ao DNA humano, evitando que o HIV faça suas cópias. Essa fase do ciclo de vida do vírus leva até seis horas para acontecer, o que daria tempo suficiente para a atuação de um gel aplicado após a relação sexual.
O gel, que está sendo desenvolvido pelo Centro de Controle de Doenças (CDC), de Atlanta, deve levar, ainda, de 5 a 10 anos para chegar ao mercado. A eficácia de proteção do método, nessa fase inicial dos testes, foi de 84%. A pesquisa busca, também, um gel para aplicação no sexo anal, via frequente de contaminação pelo HIV.
Já existem no mercado americano outros géis vaginais, aplicados antes e durante a relação sexual, como o Caprisa, composto pelo antiviral tenofovir, que mostrou efeito moderado na proteção contra o HIV (da ordem de 39%).
O que está por trás do desenvolvimento desse tipo de produtos é a tentativa de descobrir alternativas ao uso da camisinha, que embora seja extremamente eficaz na prevenção ao HIV, quando usada de forma consistente, vem enfrentando uma resistência crescente de boa parte da população, principalmente a geração dos mais jovens.
Também, na esteira dessas tecnologias para se prevenir o HIV, começa no Brasil, nos próximos meses, uma nova pesquisa para avaliar como seriam a adesão e o impacto do uso da profilaxia pré-exposição (usar remédio antes de se contaminar com o vírus HIV) em uma população de risco.
O estudo (Prep Brasil), uma iniciativa da Fiocruz e da Faculdade de Medicina da USP, vai avaliar o resultado do uso preventivo de um remédio antiviral em uma população de homens que fazem sexo com homens e que se expõem a riscos de contaminação pelo HIV (múltiplos parceiros, história de outras DSTs, sexo sem proteção, relação sexual com soropositivos, etc).
Pesquisas anteriores nesse campo (como o Iprex) mostraram que o uso de antivirais de forma profilática teve um efeito muito importante na redução da chance de contaminação dessa população. Hoje, nos Estados Unidos, quem quer tomar remédio para diminuir o risco de se infectar pelo HIV pode consultar um médico e conseguir a receita para comprar o medicamento nas farmácias.
O estudo no Brasil vai acontecer em São Paulo e no Rio de Janeiro e, em breve, entrará em fase de recrutamento. Se os resultados forem positivos (ou seja, se a adesão ao método for alta e se ele tiver um impacto significativo no risco de contaminação), é possível que o Ministério da Saúde entenda que essa também é uma estratégia importante de prevenção e passe a oferecer antivirais de forma profilática para populações de risco.
Um dos temores de alguns especialistas com as novas tecnologias que devem chegar ao mercado nos próximos anos (além das tentativas de desenvolvimento de uma vacina eficaz e do uso de remédio pela maior parte dos portadores, o que reduziria a quantidade de vírus circulando) é que a camisinha perca espaço no universo da prevenção, o que seria um grande erro. Ela ainda é o melhor padrão de proteção e as novas tecnologias devem ser entendidas como complementares. Tão importante como avançar em novos métodos é pensar em formas de mostrar para a população como é importante se proteger com o preservativo.
JAIRO BOUER É PSIQUIATRA
via Estadão