Jairo Bouer Publicado em 14/10/2019, às 16h13 - Atualizado às 23h57
No último fim de semana, em Londres, a Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL) divulgou novas diretrizes, aprovadas em tempo recorde, para os tratamentos mais modernos da hepatite C. A urgência surgiu por causa do potencial impacto que os novos antivirais, recentemente aprovados (ou em vias de aprovação), vão ter na vida de milhões de pessoas que são portadoras do vírus.
A exemplo do que aconteceu com o vírus HIV, na década de 1990, em que novas drogas, mais potentes e combinadas, mudaram a história do tratamento da aids, esses novos remédios podem transformar o combate da infecção pelo vírus da hepatite C, que, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), acomete hoje cerca de 160 milhões de pessoas no mundo, com quase 4 milhões de casos novos e até 500 mil mortes por ano.
No Brasil, dados do último Boletim Epidemiológico das Hepatites Virais, de 2012, do Ministério da Saúde, mostram que quase 1,5% da população pode estar infectada pelo vírus da hepatite C, ou seja, cerca de 3 milhões de pessoas (quase 3 vezes o número de infectados pelo HIV no País). Dois terços dos casos notificados estão na Região Sudeste e 75% acontecem em pessoas com mais de 40 anos.
O vírus da hepatite C é adquirido basicamente pelo contato com sangue contaminado (transfusão, transplantes, agulhas compartilhadas, etc). Em alguns casos, também pode ser transmitido via sexual. No Brasil, há muitos anos, os bancos de sangue fazem a testagem, praticamente zerando essa via de transmissão.
Depois da infecção, 15% a 25% das pessoas eliminam o vírus por conta própria e 75% a 85% vão se tornar portadores crônicos do vírus, sem ter nenhum sintoma por até 20 ou 30 anos. No entanto, um quarto desses portadores vão evoluir para cirrose e falência hepática e muitos deles vão desenvolver câncer de fígado. A hepatite C é a responsável por 25% de todos os casos de câncer de fígado. Por isso, fazer o diagnóstico precoce da hepatite C (exame de sangue específico) é tão importante.
O tratamento padrão disponível até então era longo (quase um ano), em geral associado ao uso de interferon subcutâneo (que traz efeitos colaterais importantes, como perda de peso, fraqueza, afastamento do trabalho), com taxa de sucesso da ordem de 50%.
Pesquisas atuais revelaram que novos antivirais potencializam muito a chance de eliminação do vírus. Alguns estudos, ainda mais recentes, mostram que terapias exclusivamente orais, feitas por apenas 3 meses, combinando novos e potentes antivirais, sem uso de interferon injetável, podem alcançar eficácia da ordem de 90% a 100%, com poucos efeitos colaterais.
Em pacientes com cirrose, de mais difícil tratamento, a eliminação do vírus alcançou 92% dos casos. Pacientes que não teriam indicação de transplante, por exemplo, pela alta chance de recorrência da hepatite C, podem passar a ter seu status reavaliado.
O grande limite que deve surgir inicialmente é o alto custo das novas medicações, que provavelmente terão de ser financiadas pelos sistemas públicos de saúde. Em contrapartida, o dinheiro gasto com os custos sociais e médicos da doença (diálise e transplantes, entre outros) pode diminuir de forma significativa. Bom lembrar que, diferentemente dos casos de hepatite B e do HIV, em que não se consegue eliminar o vírus totalmente do organismo (e o uso do remédio pode ser permanente), no caso da hepatite C, os especialistas falam de erradicação do vírus com três meses de terapia. Para terminar, uma vacina (como a que hoje existe para hepatite B) não deve aparecer nos próximos anos para a hepatite C, em função da variabilidade genética do vírus.
JAIRO BOUER É PSIQUIATRA
via Estadão