Até que ponto episódios de raiva e melancolia na adolescência podem afetar a vida afetiva de um adulto?
Jairo Bouer Publicado em 14/10/2019, às 16h14 - Atualizado às 23h57
Será que enfrentar episódios de melancolia e raiva com frequência durante a adolescência pode afetar a vida afetiva do adulto? Uma nova pesquisa do Journal of Family Psychology, publicada pelo periódico inglês Daily Mail na última semana, sugere que emoções negativas nessa fase da vida podem impactar os relacionamentos até 25 anos depois.
Os especialistas seguiram cerca de 350 pessoas por mais de duas décadas e perceberam que depressão e raiva na adolescência podem ficar “presas” ao universo emocional das pessoas, atravessar os anos e atrapalhar importantes áreas da vida como casamento, maternidade ou paternidade e carreira profissional.
O que surpreendeu os pesquisadores foi o “enraizamento” das emoções negativas vividas nos anos iniciais. Muitas não desaparecem por completo. O que acontece do ponto de vista emocional na adolescência pode ser fundamental para definir a felicidade dos relacionamentos na vida adulta.
Não são apenas eventos traumáticos (separações, perdas) ou experiências ruins (como o bullying) que impactam o futuro das emoções. Melancolia e raiva (que podem surgir mesmo em famílias muito afetivas, em que filhos têm ótima relação com seus pais) também podem ter esse efeito.
Por falar em impactos que eventos traumáticos ou estressantes vividos na infância e adolescência podem ter na saúde e nas emoções futuras, outro trabalho divulgado na última semana mostrou também que episódios de violência experimentados pelas crianças parecem ter relação direta com um maior risco de problemas com álcool, drogas e depressão na vida adulta.
Em uma nova rodada de divulgação de dados do 2.º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), os pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostraram que sofrer agressão na infância aumenta em até três vezes o risco de dependência química entre os adultos. Em média, pouco mais de 20% dos brasileiros sofreram algum tipo de agressão na infância. Entre os usuários de maconha, o índice foi de 47,5%. Entre os de cocaína, 52%. A pesquisa entrevistou 4,6 mil pessoas em 149 municípios.
A pesquisa também mostrou que cerca de 14% das mulheres e 12% dos homens tinham sido vítimas de alguma forma de bullying na infância. Violência sexual também foi enfrentada por 7% das mulheres e 3,5% dos homens nos primeiros anos de vida.
Em comum, os dois trabalhos reforçam a ideia de que a infância e a adolescência são fases cruciais para nosso desenvolvimento emocional. Eles mostram o peso que eventos traumáticos ou emoções negativas podem ter no futuro das relações e no sucesso profissional. De alguma forma, violência, estresse, melancolia ou raiva podem “moldar” nosso cérebro e nos tornar mais vulneráveis à depressão, à dificuldade nos relacionamentos e ao risco da dependência de álcool e drogas. Além disso, outras linhas de pesquisa também mostram que experiências negativas em nosso desenvolvimento emocional também podem aumentar o risco de agressividade contra outras pessoas e contra nós mesmos, elevando a chance de violência social e de suicídio. Isso só reforça a importância de estar atento para a saúde mental dos jovens como forma de garantir um futuro mais feliz para todos.
Já que o tema de hoje é raiva e as emoções negativas na adolescência, a semana que se encerrou trouxe mais um caso dramático. Em Foz do Iguaçu (PR), uma garota de 13 anos foi morta a pedradas por outras duas garotas (uma de 15 e outra de 19), por supostamente ter se envolvido com o namorado de uma delas. O ciúme teria motivado o crime. Mais um sintoma do escalonamento de violência que tem se percebido entre os jovens. Impulsividade, intolerância, falta de habilidade para diálogo, dificuldade de controle sobre as emoções e a incapacidade de perceber o impacto que atitudes como essa podem ter no futuro de todos os envolvidos. Triste!
via Estadão