É ano de Copa do Mundo e de eleições, ou seja, uma pauta mais ousada no Congresso parece muito distante. Quem sonha com discussões que impliquem mudanças sociais mais profundas não deve estar muito esperançoso com o que se desenha no horizonte.
Jairo Bouer Publicado em 14/10/2019, às 16h13 - Atualizado às 23h57
É ano de Copa do Mundo e de eleições, ou seja, uma pauta mais ousada no Congresso parece muito distante. Quem sonha com discussões que impliquem mudanças sociais mais profundas não deve estar muito esperançoso com o que se desenha no horizonte. No território selvagem das alianças partidárias para a perpetuação de poderes e privilégios, e dos acordos políticos inimagináveis, ousar é muito arriscado, ainda mais em ano em que ninguém quer perder, nem tomar gol contra.
Mas é justamente nos períodos mais críticos, por quaisquer que sejam os motivos, que o clamor por mudanças fica ainda mais agudo. Quem atravessou o ano de 2013 de olhos bem abertos sabe que a batata ainda está quente, quase pelando. As vozes das ruas estão falando mais baixo, mas estão longe de se calar. Muito do que foi pedido não foi atendido. É de bom tom que a sensibilidade dos velhos caciques do Planalto fique aguçada.
Há quase um ano, o deputado e pastor Marco Feliciano assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, com posições dogmáticas e intransigentes já bem conhecidas. Com ele, foi um ano perdido para as minorias na luta pelos seus direitos. No momento em que nossos vizinhos (Argentina, Chile, Uruguai) avançam nas discussões que acompanham as transformações sociais das últimas décadas, o Brasil estacionou.
Enquanto isso, por aqui, gays continuam a ser vítimas de preconceito, intolerância e assassinatos; mulheres são alvo de agressão cotidiana dos seus parceiros e ex-parceiros; o aborto ilegal continua a comprometer o futuro reprodutivo e a vida de milhares de brasileiras; a Aids continua a avançar nos jovens homo e bissexuais, que não são alcançados pelas campanhas de prevenção tímidas e envergonhadas do Ministério da Saúde; o contingente de presos cresce sem parar e sobrecarrega ainda mais um sistema carcerário precário e desumano; e violências de todas as ordens assombram dia e noite a maior parte da população.
Para piorar o quadro, outro deputado de posições claramente contrárias ao avanço das questões de direitos civis e humanos iguais para todos, Jair Bolsonaro, afiou as garras no último mês para tentar ocupar o posto do seu amigo e antecessor Marco Feliciano na Comissão. O que estava ruim poderia piorar. Aos 45 do segundo tempo, depois de muitos protestos, o partido majoritário (PT) entendeu que a posição era estratégica e avocou o processo para si, impedindo que as trevas tomassem conta das discussões. Seria a perpetuação de uma ditadura de hábitos, moral e costumes inaceitável.
Em uma democracia de fato, todos devem estar protegidos pela lei da mesma forma e com os mesmos direitos. Casamento para quem quer casar (independente de orientação sexual), adoção, herança, pensão e por aí vai. É inadmissível criar castas ou cidadãos de segunda categoria em função de questões de foro íntimo, pessoal, sexual, social, cultural, religioso ou de qualquer outra ordem. Sem isso, a ditadura política, que tomou conta do país há 50 anos, mesmo estando morta e enterrada, continua a dar sinais de que deixou propágulos que se irradiam para outros campos. Para completar o ciclo, a garantia de que todos tenham os mesmos direitos deve ser real.
via Cultura