Uma pesquisa da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) havia chegado a resultados interessantes sobre um paciente que não apesentava mais o vírus HIV no organismo, mesmo sem tomar os medicamentos antirretrovirais há mais de um ano. Esses resultados foram divulgados na Conferência de Retrovírus e Infecções Oportunistas 2020 (CROI 2020) pelo pesquisador responsável, o médico infectologista Ricardo Diaz.
Algo inédito e animador não apenas para as pessoas que vivem com HIV, mas também para a comunidade científica como um todo. Infelizmente, o “paciente de São Paulo”, como ficou conhecido, voltou a ter carga viral detectável em setembro de 2020, ou seja, um teste de anticorpos foi capaz de encontrar vírus circulantes na corrente sanguínea do paciente, implicando a necessidade de ele voltar a fazer o tratamento antirretroviral (TARV) com os medicamentos disponibilizados.
Em setembro de 2020, o paciente teve um quadro de sífilis e no mês de dezembro seguinte a carga viral dele chegou a 6300 cópias, disse Diaz.
Com isso, o paciente do estudo voltou ao tratamento antirretroviral e já em janeiro de 2021 a carga viral dele tornou-se indetectável novamente.
Os antirretrovirais são uma classe de medicamentos disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aos pacientes com diagnóstico de HIV. Porém, a oferta do tratamento amplo e gratuito só ocorreu após a instituição do Programa Nacional de DST/Aids, em 1996, antes disso muitos pacientes não tinham acesso ao tratamento adequado, que, na época, ainda não apresentava grande eficácia no prognóstico dessa infecção sexualmente transmissível.
É sabido que o tratamento precoce com os medicamentos e seu uso contínuo significa também uma importante medida de prevenção do HIV. Ter a carga viral indetectável é questão de tempo para pacientes que fazem o uso da TARV e inúmeros estudos demonstram e comprovam que indetectável é igual intransmissível (I=I), elucidando assim que uma pessoa vivendo com HIV, em tratamento contínuo e com carga viral suprimida, já não transmite o vírus a outras pessoas, corroborando a eficácia dessa medida de prevenção.
Quando se fala em “pessoa vivendo com HIV” – ou PVHIV –, não são poucos os que associam essa condição à imagem de uma pessoa caquética, lipodistrófica e em mal estado geral. No entanto, muitos efeitos colaterais dos medicamentos ficaram no passado, porque o estudo contínuo e o desenvolvimento de novas drogas mais potentes e com menos efeitos colaterais estão disponíveis aos pacientes hoje em dia.
Os sintomas mais citados por pessoas em uso de TARV incluem náusea, enjoo e desequilíbrio no trato gastrointestinal. No entanto, o principal efeito colateral de viver com HIV é o estigma e isso influencia demais na adesão ao tratamento. Pessoas discriminadas e mal acolhidas no serviço de saúde aderem menos ao tratamento e, consequentemente, apresentam prognóstico ruim da infecção ao longo dos anos.
Com o objetivo de mitigar isso, a Política Nacional de Humanização do SUS deve ser posta em prática e seguida por todos os profissionais da saúde, já que um atendimento humanizado gera um tratamento mais responsivo e um paciente com maior qualidade de vida.
Como visto, para um tratamento eficaz da infecção pelo HIV, o paciente precisa tomar corretamente os antirretrovirais e, para isso, é preciso que cada um tenha acesso ao sistema de saúde, a consultas e farmácias do SUS para a retirada dos medicamentos, porém, com a pandemia da Covid-19 e as medidas de distanciamento social impostas no Brasil desde março de 2020, será que esse trânsito entre paciente vivendo com HIV e o serviço de saúde ficou dificultado?
Um estudo realizado em Uganda mostrou que a entrega de antirretrovirais em domicílios com distâncias superiores a 5 km do centro de saúde diminuiu a proporção de pacientes que perderam uma dose de TARV, de 20% para 8,5% e, 12 meses após essa intervenção, aqueles com carga viral detectável caíram de 19,9% para 7,4%, ou seja, aumentou a adesão e a eficácia do tratamento.
Contudo, diante dos desafios impostos pela pandemia, a escassez de recursos e até de profissionais para compor as equipes, a realidade brasileira é desafiadora para ser implantada alguma ação nesse sentido. A Revista Tendências em HIV AIDS de 2021, periódico bimestral da disciplina de infectologia da Escola Paulista de Medicina, por meio de um artigo, analisou a quantidade de atendimentos na farmácia do Centro de Testagem e Acolhimento da Vila Mariana, São Paulo, em março de 2019 e março de 2020, analisando, dessa forma, se houve aumento ou diminuição dos atendimentos nos meses antes e depois da pandemia. O resultado mostrou que, comparativamente a março de 2019, houve, em março de 2020, aumento de 33% na retirada de medicamentos antirretrovirais no serviço supracitado, quando a pandemia já se arrastava no Brasil e as medidas de restrição na capital paulista começavam a ser impostas.
O gráfico abaixo se refere a quantidade de pacientes que retiraram medicamentos antirretrovirais entre janeiro e setembro de 2019 e 2020 na farmácia do Centro de Testagem e Acolhimento da Vila Mariana. Observem que no mês de março de 2020, há um pico de retirada.
É evidente que o tratamento antirretroviral é de suma importância não apenas para as pessoas vivendo com HIV, mas sim para todo o conjunto da sociedade, desde suas famílias até o sistema de saúde como um todo, que, ao garantir o acesso universal e seguir os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, estrutura a política de saúde e fomenta os direitos básicos de todos os cidadãos em um país que, atualmente, enfrenta grandes desafios político-sanitários.
Não apenas o “paciente de São Paulo”, mas todo e qualquer um deste país tem o direito de ser bem acolhido no serviço de saúde, de ter acesso a um médico, de tomar seus medicamentos e, sobretudo, de ser respeitado e tratado como cidadão e cidadã.
Anderson José
Estudante de medicina na Ufac (Universidade Federal do Acre), autor do podcast Farofa Médica e da página de Instagram @oiandersao