Já imaginou como seria sua vida sem o sabão e, neste momento, sem o álcool gel? Coisas que hoje parecem muito simples e usuais no nosso dia a dia levaram décadas de pesquisa, estudo e preparação até chegar na prateleira do mercado ou da farmácia onde você compra aquela Dipirona.
É neste sentido que fica nítida a importância do desenvolvimento de pesquisas para melhorar a vida de todas as pessoas. O desenvolvimento de um perfil epidemiológico para formulação de políticas públicas e a criação de uma vacina, por exemplo, podem contribuir não apenas para a formação do pesquisador e incremento de seu Lattes, mas sim para o desenvolvimento pleno da sociedade, ofertando qualidade de vida e saúde.
Se você gosta do cheirinho de lavanda que fica na sua mão após lavá-la com sabonete e acha incrível como algumas gotas daquele remédio consegue aliviar aquela dorzinha chata de cabeça, então, por favor: valorize e acredite nos cientistas e na ciência. Muitas pessoas desconsideram o trabalho científico por, justamente, não se ater de que boa parte da melhora das condições de vida vêm a partir de pesquisas, testes e muito estudo.
Talvez essa visão esteja muito atrelada a uma possível valorização daquilo que a gente vê: o médico atendendo os pacientes, a cabeleireira Leila e seu sobrinho Antônio Carlos fazendo hidratação e unhas em suas clientes, ou seja, aquilo que nossos olhos alcançam. Quando falamos em “cientistas” parece algo muito abstrato, já que dificilmente alguém aqui já se deparou com algum trabalhando arduamente em uma bancada. Mas eles existem, trabalham muito e precisam de valorização e apoio.
Um relatório da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), feito em parceria com a empresa norte-americana Clarivate Analytics, apontou que a produção científica brasileira é feita quase exclusivamente por instituições públicas de ensino. Atualmente, durante a pandemia de Covid-19 no Brasil, ao menos 823 pesquisas relacionadas ao coronavírus são conduzidas por essas instituições, além de 96 ações de produção de álcool gel e produtos sanitizantes e 104 projetos de produção de equipamento de proteção individual, segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
O governo brasileiro projeta um corte de R$1,43 bilhão no orçamento das universidades e institutos federais para o ano de 2021. É evidente que a pandemia agravou a crise econômica que o Brasil já tentava enfrentar e, devido ao aumento de despesas, sobretudo em ações de combate à pandemia, as finanças do país foram seriamente comprometidas.
Tomar decisões significa fazer escolhas, ainda mais quando a grana está curta e a maioria das pessoas têm vasta experiência nisso. Diante disso, mirar a tesoura da austeridade de forma vigorosa nas estruturas da educação pública representa um grave risco no desenvolvimento científico do país desde o estudante que não é amparado com um auxílio permanência até o pesquisador que perde sua bolsa.
Fazer malabarismo com dinheiro, e escolher entre comprar um iogurte 0% lactose produzido nos Alpes e o pacote de arroz e feijão, faz parte do cotidiano de grande parte dos brasileiros. É uma questão de prioridades. O orçamento federal, então, deveria ir no mesmo sentido em garantir o que dá sustância ao presente e ao futuro do país. Não estou falando de emendas parlamentares, mas sim de algo maior que realmente tem potencial para mudar os rumos de vidas no sentido mais amplo, desde as que já estão aqui até aquelas que ainda nem sofreram partenogênese ou meiose II: educação que abarca o desenvolvimento técnico-científico. Este é o arroz com feijão capaz de alimentar esse berço gigante de 210 milhões de seres humanos famintos por tanta coisa e carentes por tantas outras.
Valorizar a ciência significa valorizar a vida para não comprometer as futuras gerações, pois não podemos ser egoístas e achar que somos ad eternum. Valorização envolve destinar verba para áreas estratégicas, mas significa, também, acreditar nos dados científicos, porque, quando isso não ocorre, alguém pode começar a crer que a Terra é plana e que vacinas fazem parte de um plano comunista chinês de erradicação humana.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou dados que demonstram aumento de 195% no número de queimadas detectadas no Pantanal em 2020 quando comparados com o mesmo período de 2019. No entanto, parte de autoridades governamentais não acredita nos dados e coloca em xeque a metotodologia científica adotada pelo órgão. Por mais que tentem maquiar os dados e disfarçar o cheiro de queimado com a fragrância da mentira e da hipocrisia, a realidade está posta e nem a nebulosidade da fumaça preta é capaz de tampar os olhos daqueles que prezam pela vida, ciência e senso crítico.
Não querer enxergar a realidade só pode partir daqueles que, além de questionar fatos, não se interessam em preservar a vida e fomentar o desenvolvimento em seu significado mais abrangente, desde o destino de verbas às ações de combate às queimadas ilegais, por exemplo, passando pela desvalorização da ciência e tecnologia brasileira e chegando até o desinvestimento na educação, comprometendo não apenas a vida destes que aqui estamos, como também das futuras gerações.
Somos finitos. A gente vai embora. A natureza se reinventa. Se você não a respeita, deveria temê-la, pelo menos. O que ontem era mar, hoje é falésia. O que era placa tectônica, agora é cordilheira, portanto a fauna e a flora poderiam dar um recado a la Quintana: vocês passarão, eu passarinho.
Defender a ciência é defender a vida. Acreditar nos dados científicos é crer em dias melhores. Uma coisa está atrelada a outra! Você só investe em algo quando você acredita naquilo; logo, se não acreditam na força e na capacidade da ciência, não há desenvolvimento. Se desacreditam verdades científicas, ocorre a supremacia do senso comum, enquanto nossas florestas queimam e um PhD abandona as pipetas e os livros.
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* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Site Doutor Jairo
Anderson José
Estudante de medicina na Ufac (Universidade Federal do Acre), autor do podcast Farofa Médica e da página de Instagram @oiandersao