A Praça da República, na região central de São Paulo, é cercada por prédios públicos, avenidas famosas e marcada pelo vaivém de centenas de pessoas diariamente. É em meio a esse movimento cotidiano que Bruna (nome fictício) negocia com clientes interessados em fazer sexo em algum hotel da região.
Bruna é uma travesti de pouco de mais de 1,80 m, parda, cabelos tingidos de preto, tatuada. No dia de seu depoimento, vestia uma roupa bem justa ao corpo, marcando bem a sua silhueta. Ela é do Rio de Janeiro e trabalha na Praça da República há seis meses.
“Antes da Praça, eu ficava na avenida Indianópolis e também na Barra Funda, fazendo programas na região, mas me disseram que a Praça era melhor, então vim pra cá”, diz ela em meio às árvores da praça e de olho nos homens que passam e a olham fixamente.
Segundo ela, seus clientes são os mais diversos, desde jovens a executivos casados, trajando terno e gravata. Todos em busca de sexo rápido e anônimo no centro de São Paulo. No entanto, há algo em comum na maioria de seus clientes: são casados com mulheres e muitos querem transar sem o uso de preservativo.
De cada dez homens, uns quatro pedem pra transar sem camisinha, é o que afirma Bruna, mas ela garante que não aceita as propostas. “Tem cliente que quer pagar até mais, mas eu não aceito, porque eu me cuido”.
E se engana quem acha que isso é algo incomum, dados de uma pesquisa de 2017 sobre hábitos sexuais dos brasileiros mostraram que 47% dos homens nunca ou raramente usam camisinha e, de acordo com o professor Alexandre Faisal, do departamento de Medicina Preventiva, da Faculdade de Medicina da USP, apenas 34% dos homens que apresentam comportamento vulnerável a adquirir alguma IST (Infecção Sexualmente Transmissível) – HSH, múltiplos parceiros, prostituição – se previnem usando camisinha durante a relação sexual.
Uma pesquisa da Universidade de Vigo, na Espanha, mostrou que uma das motivações de um homem para ter encontros com profissionais do sexo é a sensação de poder, ou seja, de exercer o papel dominante na relação, já que ele está pagando por isso, além de outros fatores, como a realização de fetiches os mais variados, que, comumente, não faria com a companheira em casa.
Os preços praticados por trabalhadoras e trabalhadores sexuais varia bastante, dependendo do local onde atuam, do tipo de cliente e também do serviço a ser realizado. Segundo Bruna, seu valor em média é de R$ 100,00 a R$ 150,00, mas já ofereceram muito mais para que ela aceitasse transar sem camisinha, embora afirme que nunca topou, por medo de adquirir alguma IST.
O termo correto a ser utilizado é IST (Infecção Sexualmente Transmissível) e não mais DST (Doença Sexualmente Transmissível), pois a palavra “doença” já implica um conjunto de sinais e sintomas associados a esse quadro. No entanto, a infecção é anterior à doença, sobretudo nos períodos de latência, janela imunológica e início do processo infeccioso no organismo do indivíduo. No início da infecção nem sempre surgem sinais e sintomas característicos, sendo, por isso, necessário fazer exames laboratoriais para o correto diagnóstico da IST.
O HIV/Aids pode ilustrar essa questão. O HIV é o vírus que pode causar a Aids, ou seja, o vírus provoca um processo infeccioso no organismo da pessoa, deprimindo o sistema imune e abrindo espaço para a instalação da doença que é a Aids e os quadros a ela associados. Então, o paciente pode ter a infecção e não a doença propriamente dita.
Quando tocamos no assunto “sexo”, muitos sentimentos são despertados nas pessoas. Agora quando se soma a esse assunto a palavra “prostituição”, o negócio mexe ainda mais.
Tem gente que olha para uma prostituta como um contrafilé, ao passo que outros as veem como detentoras do pecado profano.
No entanto, deixando o moralismo de lado, a discussão sobre esses assuntos é sempre válida do ponto de vista médico, científico e social, já que versa desde o risco de ficar doente, por conta da vulnerabilidade e de comportamentos de risco, até direitos e deveres como qualquer outro cidadão.
* Esta coluna não reflete, necessariamente, a opinião do Site Doutor Jairo
Anderson José
Estudante de medicina na Ufac (Universidade Federal do Acre), autor do podcast Farofa Médica e da página de Instagram @oiandersao