Nesta série de entrevistas do Dose de Responsabilidade sobre álcool, gênero e idade, entrevistamos o urologista Daniel Zylbersztejn, especialista em fertilidade e criador da campanha #VemProUro, voltada para os adolescentes do sexo masculino.
Na conversa com Jairo Bouer, ele explica que existe uma pressão informal para que os garotos consumam álcool, e isso vem não apenas dos pares, mas também da família. “A gente vê, muitas vezes, no seio familiar – o pai, o avô ou o irmão mais velho que oferecem uma dose de bebida alcoólica ao jovem”, comenta. É como se o álcool deixasse o garoto mais viril, ou “mais homem” do que aquele que não bebe.
O entrevistado conta que a presença do álcool em eventos culturais e até em rituais religiosos faz com que as pessoas tenham uma perceção de que a bebida é algo que faz bem. O que não é verdade.
Jairo questiona se, essa masculinidade tradicional, que empurra o jovem, muitas vezes, para o álcool e até para comportamentos agressivos também não faz com que o homem, desde cedo, cuide menos da sua saúde. Segundo dados da própria companha #VemProUro, da Sociedade Brasileira de Urologia, a chance de um garoto ir ao médico na adolescência é 20 vezes menos que a de uma garota ir ao ginecologista.
“Na adolescência o cérebro ainda está em formação (até os 21 anos), em especial o córtex pré-frontal, que atua também como freio moral. Por não ter essa parte do cérebro bem desenvolvida ainda, o adolescente perde a capacidade de saber até onde ele pode ir”, descreve o urologista.
Numa fase que, por natureza, já envolve mais riscos por causa dessa imaturidade cerebral, o álcool age como um grande potencializador. A proporção de uso de preservativo, por exemplo, que já é baixa entre os jovens, fica ainda menor com o uso da bebida alcoólica. E isso pode resultar em gravidez indesejada e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).
Segundo o urologista, os adolescentes são o segundo grupo populacional que mais se infecta com sífilis hoje em dia, e também com o HIV. É uma parcela da população que não vivenciou o início da epidemia de Aids, e, por isso, não se preocupa tanto com a prevenção.
Confira:
Questionado sobre os impactos do uso crônico e abusivo do álcool para a fertilidade, Zylbersztejn diz que o impacto é grande, e isso ficou ainda mais visível por causa da pandemia de Covid. “Muitos casais que bebiam eventualmente um pouco de vinho começaram a fazer uso abusivo sem se dar conta. Começaram a abrir uma garrafa por dia. E aí a gente vê as repercussões”, relata.
Ele conta a história de um paciente que tinha um espermograma praticamente normal, e começou a fazer uso abusivo de uísque – cerca de uma garrafa a cada dois ou três dias, durante a pandemia. O que aconteceu?
“Depois de 6 meses de uso abusivo ele entrou em azoospermia, perdeu completamente a produção de espermatozoides. Além disso, a relação com a esposa começou a gerar conflitos.” O paciente já tinha uma filha, mas queria ter mais um, por isso após a recomendação médica, ele conseguiu parar de beber. Em 5 meses o espermograma dele voltou ao que era antes, segundo o médico.
Estudos mostram que tanto o uso crônico e moderado como o uso excessivo e ocasional podem trazer prejuízos aos espermatozoides. Mas o segundo caso, ou seja, beber grandes quantidades de álcool de vez em quando só no fim de semana, ou em eventos sociais, é o que traz mais consequências negativas. E isso acaba associado a várias outras ameaças à fertilidade masculina, como a idade, histórico de varicocele, tabagismo etc.
E o desempenho sexual? Pois é, o álcool também pode, com o passar da idade, favorecer as dificuldades de ereção.
O álcool tem um efeito ruim para a circulação de sangue no pênis, que é o que provoca a ereção. E dependendo da quantidade utilizada, a bebida pode levar à dificuldade de orgasmo, o que atrapalha muito a relação sexual.”
Por todos os motivos acima, a recomendação é que os jovens não se exponham à bebida alcoólica. Já que, depois de um tempo, muita gente não consegue deixar de usar, ou aumenta a quantidade sem perceber:
“É preciso deixar muito claro que o álcool é uma droga que traz repercussões importantes no organismo. E muita gente que começa a usar pode ter grandes problemas na vida por conta desse uso, que começa em doses pequenas”.
Para saber mais sobre álcool, saúde e comportamento, confira o site DrinqIQ.
Veja a entrevista completa:
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin