Covid-19: é seguro ter crianças na escola? Professora da USP responde

Pediatra Ana Escobar responde a dúvidas sobre os riscos do ensino presencial

Redação Publicado em 01/03/2021, às 20h53

A pediatra Ana Escobar respondeu a dúvidas sobre Covid em crianças e volta às aulas - Arte/Site Doutor Jairo
  1. A pandemia já completa quase um ano no Brasil e não dava mais para segurar as crianças em casa. Além dos prejuízos na aprendizagem, alguns estudos indicam que os pequenos, junto com os adolescentes, são a parcela da população que mais teve a saúde mental afetada pelo isolamento. Mas será que, com esse caos no país, já era hora de liberar o retorno das crianças à escola?

"Apenas 0,6% das crianças podem desenvolver uma forma grave, a Síndrome Inflamatória Multissistêmica", responde a pediatra Ana Escobar, professora livre-docente de medicina da USP (Universidade de São Paulo), que participou de uma live com o médico Jairo Bouer (seu ex-aluno, por sinal) na semana passada. "E elas precisam voltar para a escola", enfatiza. 

Risco baixo para as crianças

Quando o Brasil entrou em quarentena, no início do ano passado, havia o temor de que as crianças fossem grandes transmissoras, como é o caso em diversos tipos de viroses. Mas, com os estudos, ficou claro que elas transmitem menos a doença do que os adultos. Mais de 90% dos pequenos são assintomáticos, ou apresentam apenas sintomas leves da Covid-19.  Quando diagnosticada a tempo, a forma grave pode ser tratada com uma terapia bem estabelecida, a mesma que é adotada em pacientes com a chamada Síndrome de Kawasaki. 

Também ficou evidente que, para crianças de classes econômicas menos favorecidas, os prejuízos de ficar longe da escola foram muito graves. A pediatra garante que com distanciamento nas salas de aula, uso de máscara, lavagem de mãos e ambientes ventilados, a permanência delas na escola é segura, então os pais podem ficar tranquilos. E, para professores e funcionários, o risco de contrair o vírus é menor que o de outros trabalhadores, como os que estão em supermercados, por exemplo.

Vacina e "lockdown"

Apesar disso, Escobar também acha que a vacinação dos professores deveria ser priorizada no país, assim que a população idosa e os profissionais de saúde forem imunizados. Ela ainda acredita que em cidades onde a situação estiver mais crítica, ou em "fase vermelha", como foi o caso de Araraquara (SP), é preciso que as escolas fechem junto com o comércio. "Esse 'abre e fecha' vai fazer parte da vida até que todos tenham vacina", diz. Como a imunização está engatinhando no país, por erros de gestão, ela avisa que 2021 será um ano híbrido, e diz não ter certeza se todos os brasileiros serão mesmo imunizados até o fim do ano.

A pediatra participou dos estudos clínicos com a Coronavac no ano passado, como profissional de saúde com mais de 60 anos. Em janeiro, ela soube que tomou as duas doses da vacina, e não placebo. Apesar disso, não mudou seus cuidados em nada. “Eu continuo sem ir a restaurante (...) Eu só vou ao consultório, com todas as medidas de proteção. E as aulas na faculdade de  medicina agora estão virtuais, então essa foi a grande mudança de rotina." Veja algumas perguntas respondidas pela médica durante a live

As crianças transmitem menos por se infectarem menos? 

A pediatra diz que as crianças têm carga viral menor e isso provavelmente ocorre porque elas têm menos receptores nas células que permitem a entrada do vírus. E, talvez por isso, elas transmitem menos a doença. "Ainda são necessários mais estudos, mas o caminho parece ser esse", pondera. Ela também diz que medidas de segurança, como uso de máscara, ambientes arejados, distanciamento social e lavagem de mãos, fazem com que as escolas sejam seguras. Se uma criança carente não puder ir à escola, é possível que ela fique em um local com muito maior risco de contaminação.

Os adolescentes estão sofrendo muito. O que fazer?

Os adolescentes precisam de socialização. Por isso, a sugestão da médica é a formação de “bolhas”, ou seja, ter um grupo fixo de amigos para se encontrar sempre, jogar bola, conversar.... Mas não ir para a balada, é claro. "Neste momento a gente deve se segurar assim."

Há mais crianças e adolescentes com piora de quadros de ansiedade ou de comportamento compulsivo?

Sim. "Eles 'descompensaram', porque é muito difícil", avalia Escobar. Ela também diz que algumas crianças não queriam voltar para escola, mas, depois do retorno, perceberam o quanto é bom voltar. "Eu sempre pergunto o que elas gostam mais, e elas sempre respondem que preferem o presencial. Ou seja, a escola ganhou um novo significado para elas.

A gente di que esta geração de jovens já vinha sofrendo, por usar muito a tecnologia para se relacionar; mas, ao sermos apresentados a uma situação dessas, a gente se dá conta que a escola é muito mais que um espaço de aprendizagem", observa, também, Bouer. "O jovem se individualiza olhando para o entorno; é importante para eles ter esse termômetro."

O que fazer, de maneira geral, com os jovens que foram mais impactados pela doença (às vezes por terem perdido familiares), e estão com receio, ou até mesmo com um quadro fóbico? 

A pediatra acredita que as crianças são muito o reflexo do que os pais pensam. São como esponjas e absorvem muito o comportamento dos cuidadores. Assim, se elas percebem que o pai ou a mãe estão com medo de deixarem que fiquem na escola, elas também vão sentir. Então, a médica diz que o primeiro passo é o pai e a mãe estarem conscientes da segurança e transmitirem isso aos filhos, para que elas passem a ter outra posição emocional em relação à escola. "Os pais devem conversar e explicar que é tão seguro estar na escola quanto estar em casa", sugere. Afinal, nnguém mais está completamente isolado.

Uma leitora grávida diz que tem uma filha de 3 anos, que está louca para voltar para escola. É seguro? 

Gestante é um grupo de risco. Então Escobar acha que é preciso analisar se escola é capaz de adotar todas as medidas de segurança, e se a filha consegue ficar de máscara o tempo todo. "Se fosse um filho de 7 ou 8 anos, acho que tudo bem. Mas com 3 anos eu esperaria mais um pouco para deixá-la ir para a escola", responde. 

Muita gente tem questionado que escola é essencial, então por que não vacinar agora os professores?

"Eu sou a defensora número um da campanha 'professores, vacina já'. Não tenho nenhuma dúvida. O que garante o futuro do país é a educação, é o tesouro de um país. O Brasil nesse ponto é uma vergonha. E a gente só vai conseguir lutar por uma educação decente se houver respeito pelo professor e seu trabalho for valorizado. Por isso acho que os professores tinham que passar na frente, mesmo. Idosos e profissionais de saúde são prioridade, sim, mas logo depois deveriam entrar os professores."

O FDA (autoridade sanitária norte-americana) divulgou que a chance de transmissão do vírus por embalagens é improvável. Podemos parar de lavar tudo o que chega do supermercado?

"Pode parar", garante a médica. Com a carga viral adquirida em uma embalagem, é praticamente impossível ficar doente, segundo ela. "Lava só o que já se lavava antes, mas não pela Covid; só a higiene normal que a gente já seguia antes da pandemia."

Uma criança que tem Covid precisa, depois, fazer acompanhamento com pediatra por quanto tempo?

Como as crianças têm quadro leve em geral, a pediatra diz que é só acompanhar a oxigenação, com o uso do oxímetro no dedo duas vezes ao dia, e observar se a saturação está acima de 93%. Depois que os sintomas desaparecerem, é só esperar 10 dias para que a criança esteja liberada. Se a doença foi leve, é só seguir com acompanhamento pediátrico de rotina. Apesar de rara, a síndrome inflamatória multissistêmica associada à Covid pode ocorrer em 0,6% dos casos, por isso é importante saber o que acontece: 15 dias após ter a doença, a criança de repente apresenta febre alta, manchinhas vermelhas pelo corpo, conjuntivite e fraqueza. Nesse caso é preciso procurar o médico para que seja iniciado o tratamento o quanto antes

Assista à íntegra da live aqui:

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