Marcelo Magalhães* Publicado em 09/06/2022, às 11h00
Todos nós já sabemos, ou deveríamos saber, que a genitália que temos não define quem somos. Ter um pênis não faz uma mulher trans ser menos mulher, assim como ter uma vagina não faz um homem trans ser menos homem, nem classificam alguém como isso ou aquilo. Esta é uma lição que ainda estamos aprendendo, mas não é sobre ela que quero falar neste texto.
Parece que uma outra lição, talvez ainda mais antiga, também não estamos nem perto de aprender. Homens cis, independente da orientação sexual, sofrem com a ansiedade causada pelo tamanho e/ou espessura do pênis, cada vez mais cedo e por vezes durante a vida inteira. Estima-se que até 90% dos homens cis acham o próprio pênis menor do que a média e cada vez mais eles procuram formas para mudar a estética peniana, por vezes arriscando a saúde sexual em si, para não dizer a própria vida.
Isto é o que deveria ser visto como normal: o tamanho médio peniano em ereção é de 13 a 14 cm - pois compreende a maioria das pessoas com pênis. É considerado realmente pequeno, ou micropênis, aqueles que na idade adulta não passam dos 7-8 cm eretos. O micropênis é extremamente raro: apenas 0,015% das crianças nascidas com pênis apresentam a genitália com o tamanho muito abaixo da média. Idealmente estes casos devem ser identificados ainda na infância, pois é quando tratamentos hormonais podem trazer alguma melhora real. Na idade adulta, os tratamentos passam por cirurgias, muitas ainda experimentais, com riscos e resultados que, apesar de positivos, não atingem a média da pessoa comum.
O problema, na verdade, está no que chamamos de dismorfofobia peniana. Dismorfofobia é o sofrimento emocional e preocupação excessiva com um ou mais presumidos defeitos corporais, levando a um comportamento para evitar exposição ou busca por modificações nas áreas específicas. Pequenas insatisfações com o órgão genital podem ser consideradas normais. Porém, quando há fixação, sofrimento psíquico e prejuízo funcional no indivíduo que possui o pênis de tamanho médio, é esta a condição de saúde a ser cuidada.
As razões são inúmeras. E não existe apenas a preocupação com o tamanho, mas muitos pacientes nos procuram excessivamente preocupados com a forma, a cor, pequenas manchas, cheiros, secreções ou glândulas que quase sempre são variações do normal. Não estou dizendo que o surgimento de algo diferente não necessita atenção, mas algumas pessoas desenvolvem uma fobia às mínimas e transitórias alterações no genital, o que pode até limitar sua vida afetiva e sexual.
Por vivermos numa sociedade patriarcal e machista, somos criados desde pequenos com a ideia de que o pênis é símbolo de força, potência e prova de masculinidade. Alguns acreditam que o órgão maior oferece mais prazer à sua parceria e a si mesmo. Por sentirem mais atração sexual com a aparência física, acham que ficariam mais confiantes se o genital fosse diferente. Sem dizer que filmes eróticos e revistas exibem apenas homens com pênis maiores, em situações irreais, que objetificam as pessoas e não retratam a vida como ela é. Não é de se espantar que todos estes fatores pressionam e fazem crescer a dúvida e insegurança, até naqueles com pênis de tamanho acima da média.
A dismorfofobia peniana pode causar prejuízos sérios à qualidade de vida do indivíduo, levando ele a evitar situações como ir à praia, usar o vestiário da academia ou mesmo urinar em banheiros públicos. Além disso, faz com que ele evite o contato sexual pelo medo de ser julgado e rejeitado, podendo levar também à disfunção erétil pela falta de confiança e baixa auto-estima. Alguns relatos mostram o quanto a vida pode girar em torno desta questão, deixando de lado outras áreas importantes como o trabalho e o convívio social.
Somado a isto, não é incomum as parcerias realmente rejeitarem pessoas com tamanho de pênis médio ou não saberem acolher as inseguranças do companheiro. Fato interessante é que estudos mostram que o tamanho do pênis tem menos importância para mulheres que fazem sexo com homens do que para homens que fazem sexo com homens. Isto nos faz pensar que homens cis gays talvez sofram ainda mais pressão com este assunto.
Até existem técnicas cirúrgicas ou menos invasivas para melhorar a satisfação com o tamanho ou estética do pênis, mas é primordial uma consciência do paciente e médico a respeito dos fatores que estão por trás desta demanda. Corrigir pequenos desvios ou alterações físicas podem mesmo melhorar a confiança da pessoa com pênis, mas identificar e tratar a dismorfofobia deve sempre ser a prioridade. Estas pessoas têm uma visão distorcida do que é o pênis normal ou como deve ser uma relação sexual saudável. Casos assim vão necessitar cuidados de saúde mental, aprender a lidar com tais medos e inseguranças ou mesmo tratar condições associadas como ansiedade e depressão.
Quanto às técnicas, todas elas são consideradas experimentais, nenhuma delas possui recomendação formal pelas principais sociedades médicas em Urologia. No entanto, podem ajudar neste processo, desde que respeitando os limites e levando em conta os potenciais riscos das intervenções:
Em tempos onde o físico é supervalorizado, esquecemos o quanto somos diferentes uns dos outros, pessoas únicas e como a aparência é somente uma pequena parte do que somos. Não estou minimizando a importância de estarmos bem com nosso corpo, mas esta preocupação não deve limitar nossas vidas, nem causar medos e ansiedades paralisantes. Quando o assunto é tamanho do pênis, o emocional deve ser considerado em primeiro lugar, não ignorando o sofrimento que pode existir ali. Apesar de controversas, existem algumas poucas opções médicas para melhorar a satisfação com o próprio pênis. No entanto, converse com um profissional sério e habilitado para alinhar expectativas e minimizar possíveis complicações.
* Marcelo Magalhães é urologista