Pedro Campana* Publicado em 07/04/2022, às 11h00
A tuberculose ainda é um grande problema de saúde pública no Brasil e no mundo. De acordo com a OMS, a tuberculose foi, até 2019, a principal causa de óbitos por doença infecciosa mundialmente. Com a pandemia de Covid-19, ela passou a ser a segunda causa de óbito ao redor do globo. De qualquer forma, precisamos de muita atenção quando falamos desse tema.
Sabe-se que a tuberculose é uma doença conhecida desde as populações egípcias. Sarcófagos descobertos na modernidade e estudados microscopicamente evidenciam a presença da micobactéria em múmias, revelando a capacidade impressionante de sobrevivência desse microrganismo nos seres humanos. De qualquer forma, a tuberculose tornou-se um problema de saúde pública apenas a partir da Revolução Industrial Inglesa na segunda metade do século XIX, quando cortiços foram criados aos montes, com pessoas aglomeradas nessas residências, bem como funcionários sem direitos básicos, expostos a longas horas de trabalho em condições precárias.
A infecção pela micobactéria se dá através da inalação de aerossóis contendo o microrganismo. A partir de então, a bactéria pode causar a doença no pulmão - forma clássica - ou ainda atingir outras estruturas do corpo, pela disseminação através da corrente sanguínea ou pela circulação linfática. Além disso, na grande maioria dos casos, o sistema imune consegue conter a infecção, restando apenas um foco latente no pulmão, no qual a micobactéria pode permanecer viável por anos – trata-se da infecção latente pelo M. tuberculosis.
Aproximadamente um terço da população mundial já teve contato com a micobactéria causadora da tuberculose e formou o que chamamos de complexo primário – uma espécie de invólucro feito pelo sistema imune que impede a disseminação da doença. Todavia, aproxidamente 10% dessas pessoas adoecerão por tuberculose durante a vida. É importante, portanto, rastrearmos as populações mais vulneráveis ao desenvolvimento das formas de tuberculose ativa.
Dentre essas populações, temos pessoas em situação de rua, presidiários, pessoas vivendo com HIV/Aids e outras imunossupressões como as mais vulneráveis para o desenvolvimento da doença. Além delas, pessoas que moram com pacientes em tratamento ou com sintomas de tuberculose também têm alto risco de desenvolver doença e devem ser rastreados e investigados.
Os principais sintomas de tuberculose são: tosse por mais de 2 semanas, febre geralmente no final da tarde, perda de peso e suores noturnos. Saber identificar esses sintomas e procurar auxilio médico é de extrema importância para o diagnóstico precoce e tratamento adequado da tuberculose.
Com a pandemia de Covid-19, muitas pessoas com sintomas de tuberculose não procuraram o sistema de saúde com medo de contrair o coronavírus, ou muitas vezes, pelo fato do sistema de saúde não conseguir suprir a demanda de atendimento, não foram atendidas. Essas pessoas invariavemente evoluíram com formas mais graves da tuberculose, além de se tornarem transmissores prolongados da doença. Pessoas já em tratamento da tuberculose, por sua vez, muitas vezes abandonaram o tratamento por dificuldade de acesso durante a pandemia, o que pode gerar formas de tuberculose resistentes aos remédios rotineiramente utilizados, bem como transmissão de formas resistentes da tuberculose.
É muito importante lembrar que a tuberculose é uma doença intimamente ligada a desigualdade social. Ambientes que favorecem aglomerações e locais com pouca luminosidade e sem ventilação são ideiais para a transmissão da micobactéria. Sabendo que a parte da população brasileira vive em favelas, com casas pequenas e famílias grandes, esse problema é evidentes nas classes sociais mais pobres.
Além disso, temos a 3ª maior população carcerária do mundo, com superlotação de presídios e políticas de saúde para presidiárias praticamente inexistentes. Isso faz com que tenhamos, de acordo com último boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, um número de homens pretos jovens com tuberculose altíssimo. Faz também com que o Brasil esteja entre os país com maiores taxas de tuberculose do mundo.
Erradicar a tuberculose é um grande desafio. Envolve, além de diagnóstico e tratamento adequados e precoces, políticas públicas que garantam direitos humanos e igualdade social. Engloba, de forma ampla, a necessidade do acesso à saúde, envolvimento da comunidade e estratégias de tratamento. Moradias adequadas, sistemas prisionais mais justos e dignos, cuidados com população em situação de rua são medidas urgentes que devem ser tomadas. Caso contrário, nos próximos anos teremos um cenário ainda pior dessa doença tão antiga em nossa socidade.
* Pedro Campana é infectologista