Redação Publicado em 08/02/2022, às 12h00
Embora a obesidade seja comum, há muitos equívocos associados a ela – e esses mitos geralmente alimentam o estigma social. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a PNS 2019, Pesquisa Nacional de Saúde realizada em parceria com o Ministério da Saúde divulgada em outubro passado, seis em cada dez brasileiros, cerca de 96 milhões de pessoas, estão acima do peso — isto é, o resultado do IMC indica que elas estão na faixa de sobrepeso ou de obesidade. Se focarmos o olhar exclusivamente para a porcentagem de adultos com obesidade, veremos que ela mais do que dobrou nesse mesmo período, indo de 12,2% para 26,8%.
Globalmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que sejam cerca de 650 milhões. As pessoas estão cada vez mais conscientes dos problemas de saúde associados à obesidade. No entanto, apesar das campanhas de saúde pública, os mitos continuam inabaláveis. Muitos dos mais comuns geram estigmas que podem afetar a saúde mental das pessoas.
Por exemplo, os resultados de uma meta-análise de 2020 sobre o assunto indicam “uma associação mais forte entre o estigma do peso e a diminuição da saúde mental com o aumento do índice de massa corporal [IMC]”. Abordar os mitos que cercam a obesidade é importante. Com isso em mente, confira a seguir cinco dos mal-entendidos mais comuns em torno dessa condição.
Em muitos casos, consumir mais calorias do que o corpo precisa por um período prolongado de tempo é a causa direta da obesidade. De fato, a grande maioria das medidas para reduzir a obesidade visa diminuir a ingestão calórica, aumentar a atividade física ou ambos. Embora a dieta e o exercício sejam fatores importantes, vários outros não relacionados também podem desempenhar um papel significativo na obesidade. Esses fatores, que as pessoas muitas vezes esquecem, incluem sono insuficiente, estresse psicológico, dor crônica, desreguladores endócrinos (hormonais) e uso de certos medicamentos.
Nesses casos, comer demais, por exemplo, pode ser um sintoma e não uma causa. Além disso, alguns desses fatores trabalham juntos para aumentar a chance de obesidade. Por exemplo, o estresse pode aumentar a chance de obesidade. Devido à prevalência do estigma do peso, a obesidade pode ser estressante para algumas pessoas, aumentando assim os níveis de estresse e provocando um ciclo de feedback negativo.
Somado a isso, o estresse pode afetar a qualidade do sono, e isso, por sua vez, pode causar uma privação crônica, que é outro fator no desenvolvimento da obesidade. A privação do sono também parece aumentar os níveis de estresse por meio da liberação de cortisol, conhecido como o hormônio do estresse.
A apneia do sono, em que uma pessoa para de respirar por curtos períodos durante o sono, é mais prevalente em pessoas com sobrepeso ou obesidade. Novamente, um ciclo pode se formar: à medida que ganham peso, a apneia do sono pode piorar, o que pode levar à privação do sono, o que pode levar a um ganho de peso adicional.
Outro exemplo: parece haver uma associação entre dor crônica e obesidade. As razões para essa relação certamente são complexas e diferem de pessoa para pessoa, mas provavelmente incluem fatores químicos, sono, depressão e estilo de vida. Não é difícil ver como a dor crônica aumentaria os níveis de estresse e afetaria o sono, aumentando os laços negativos descritos acima.
Estresse, sono e dor são apenas três fatores interligados que podem levar à obesidade. O caso de cada pessoa será diferente, mas simplesmente receber uma instrução para “se movimentar mais e comer menos” pode não ser uma intervenção eficaz para todos. Como este texto continuará a reiterar, a ingestão de calorias e o exercício são fatores vitais na redução da obesidade, mas não contam toda a história.
A obesidade não causa diretamente o diabetes. É um fator de risco para diabetes tipo 2, mas nem todos com obesidade desenvolverão diabetes tipo 2, e nem todos com diabetes tipo 2 têm obesidade. Estar acima do peso também é um fator de risco para diabetes gestacional, que ocorre durante a gravidez, mas não é um fator de risco para diabetes tipo 1.
Um estilo de vida inativo é um fator de obesidade, e tornar-se mais ativo pode ajudar na perda de peso, mas há mais na obesidade do que inatividade. Um estudo de 2011 usou aparelhos portáteis para medir os níveis de atividade de 2.832 adultos, com idades entre 20 e 79 anos, por quatro dias. A contagem de passos diminuiu à medida que o peso aumentou, mas as diferenças não foram tão significativas quanto se poderia prever, principalmente para as mulheres.
A lista abaixo mostra os pesos das mulheres e quantos passos elas deram por dia durante este estudo:
-aquelas com um peso “saudável”: 8.819 passos
-aquelas com excesso de peso: 8.506 passos
-aquelas com obesidade: 7.546 passos
Quando se considera que alguém com sobrepeso ou obesidade gasta mais energia a cada passo, a diferença entre o gasto energético total dos grupos pode ser ainda menor. Isso não significa que a atividade física não seja essencial para uma boa saúde, mas a história é mais complexa.
Outro fator a considerar é que nem todas as pessoas são capazes de realizar atividade física. Por exemplo, algumas deficiências físicas podem tornar o movimento desafiador ou impossível. Além disso, certos problemas de saúde mental podem afetar severamente a motivação – e parece haver uma relação entre depressão e obesidade, o que aprofunda ainda mais a complexidade. Afora problemas de saúde física e mental, algumas pessoas com obesidade também podem ter uma imagem corporal negativa, o que pode tornar a saída de casa uma perspectiva mais assustadora.
A relação entre obesidade e genética é complexa, mas alguém cujos parentes têm obesidade não necessariamente desenvolverá a doença. No entanto, a chance disso ocorrer é maior. Compreender o papel dos genes e do ambiente isoladamente é difícil; pessoas que compartilham genes semelhantes geralmente vivem juntas e, portanto, podem ter hábitos alimentares e de estilo de vida semelhantes.
Em 1990, um grupo de pesquisadores publicou um estudo que ajudou a separar os genes do meio ambiente. Os resultados apareceram no The New England Journal of Medicine. Os cientistas investigaram gêmeos que foram criados separados e os compararam com gêmeos que foram criados juntos. Dessa forma, eles esperavam separar o impacto da genética e do meio ambiente. No geral, eles concluíram que:
As influências [genéticas] no [IMC] são substanciais, enquanto o ambiente infantil tem pouca ou nenhuma influência.”
Um estudo de gêmeos de 1986 chegou a conclusões semelhantes. Os pesquisadores descobriram que os pesos das crianças adotadas se correlacionavam com os pesos de seus pais biológicos, mas não com os de seus pais adotivos. Embora estudos mais recentes identificarem um papel mais significativo para o meio ambiente, a genética parece desempenhar um papel importante na obesidade.
Nos últimos anos, os cientistas procuraram os genes que influenciam a chance de obesidade. Como os Centros de Controle e Prevenção de Doenças explicam, na maioria das pessoas com obesidade, “nenhuma causa genética única pode ser identificada.
Desde 2006, estudos de associação de todo o genoma descobriram mais de 50 genes associada à obesidade, a maioria com efeitos muito pequenos”.
Um gene que está ligado à obesidade é uma variante de um gene chamado FTO. Essa variante, de acordo com um estudo de 2011, está associada a um aumento de 20% a 30% na chance de obesidade. Embora a genética seja importante, isso não significa que a obesidade seja inevitável para alguém cujos parentes têm a doença.
O estudo acima, que envolveu indivíduos com a variante do gene FTO, analisou o papel do exercício. Usando dados de mais de 218.000 adultos, os autores descobriram que carregar uma cópia do gene de suscetibilidade aumentava as chances de obesidade em 1,23 vezes. Mas o tamanho dessa influência foi 27% menor nos adultos geneticamente suscetíveis que eram fisicamente ativos.
Uma revisão e meta-análise que investigaram a mesma variante genética chegaram a uma conclusão semelhante. Os autores explicam que as pessoas com a variante FTO “respondem igualmente bem a […] intervenções de perda de peso e, portanto, a predisposição genética à obesidade associada ao alelo menor FTO pode ser pelo menos parcialmente neutralizada por meio de tais intervenções”. No entanto, é importante reiterar o ponto de que essas intervenções por si só podem não ser úteis para algumas pessoas.
Isso é um mito. Existem várias condições associadas à obesidade. Por exemplo, ela aumenta o risco de diabetes, pressão alta, doenças cardiovasculares, osteoartrite, apneia do sono e algumas condições de saúde mental. Dito isto, mesmo uma perda de peso modesta pode trazer benefícios à saúde. De acordo com o Centros de Controle e Prevenção de Doenças , “a perda de peso de 5%–10% do seu peso corporal total provavelmente produzirá benefícios para a saúde, como melhorias na pressão arterial, colesterol no sangue e açúcar no sangue”.
Além disso, uma revisão da literatura existente no site BMJ conclui que as intervenções para perda de peso “podem reduzir a mortalidade prematura por todas as causas em adultos com obesidade”. A obesidade é altamente prevalente e, atualmente, o estigma em torno da condição é inútil e pode ser prejudicial, portanto, precisamos abordá-lo sempre que o encontrarmos.
Fonte: Tim Newman, neurocientista pela Universidade de Manchester, Inglaterra / MedicalNewsToday e IBGE