Jairo Bouer Publicado em 13/12/2019, às 16h10
Um estudo publicado nesta sexta-feira (13) nos EUA chama atenção para um problema que nós, no Brasil, devemos ficar de olho. Pesquisadores da Universidade de São Francisco e da organização Kaiser Permanente descobriram que usuários problemáticos de álcool têm 15% mais chances de serem medicados com benzodiazepínicos, drogas para ansiedade que têm tarja preta. Esses remédios podem levar à dependência e causar reações perigosas se misturados com bebida.
O Brasil é conhecido como um dos maiores consumidores do mundo de benzodiazepínicos. De acordo com relatório da Comissão Internacional de Controle de Narcóticos (INCB, na sigla em inglês), divulgado em 2018, nosso país aparece em primeiro lugar na lista de consumo de clonazepam (princípio ativo do Rivotril), bem como de outras drogas ansiolíticas (para reduzir a ansiedade). Um estudo recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), por sinal, revela que somos “campeões” em número de ansiosos. E o nosso consumo de álcool não é baixo: o Ministério da Saúde diz que quase 18% da população adulta abusa de bebida alcoólica.
Sobre a pesquisa
Nos EUA, os “benzos” (como são apelidados esses medicamentos) também estão entre as drogas mais prescritas pelos médicos e mais abusadas pela população. O estudo atual, publicado no American Journal of Managed Care, contou com dados de 2 milhões de pacientes.
Do total da amostra, 4% preenchiam os critérios para uso problemático de álcool. Isso significa, para homens, beber pelo menos 15 doses por semana, e para mulheres, no mínimo 8 doses por semana. Cada dose equivale a 1 lata de cerveja, 1 taça de vinho ou 1 shot (copo pequeno) de destilado. E 7,5% do total havia recebido uma prescrição de “benzo” no ano anterior – um número de prescrições bem mais alto que o registrado entre abstêmios ou consumidores moderados.
Um detalhe importante é que a equipe excluiu da análise aqueles pacientes que são medicados com benzodiazepínicos para lidar com os efeitos da abstinência da bebida, algo que não é raro no início de tratamentos contra o alcoolismo. Essas pessoas devem ser sempre acompanhadas de perto pelos profissionais de saúde e pela família, já que tanto o álcool quanto os ansiolíticos são depressores do sistema nervoso. Um potencializa o efeito do outro, e se uma das doses for exagerada há risco de morte por overdose.
Mistura fatal
Os pesquisadores analisaram estatísticas do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e destacam que, entre 1996 e 2013, a proporção de americanos medicados com benzodiazepínicos aumentou de 4,1% para 5,6%. A análise indica que mais da metade dessas receitas são preenchidas por médicos de atenção primária, ou seja, não por especialistas em saúde mental.
E aí vem um dado assustador: nesse mesmo período de sete anos, o número de mortes por overdose envolvendo álcool e benzodiazepínicos saltou de 0,5 por 100 mil adultos para mais de 3 por 100 mil adultos.
De acordo com as informações do CDC, o uso de álcool esteve relacionado em uma entre quatro consultas médicas que resultaram na prescrição de benzodiazepínicos, e também em uma em cinco mortes relacionadas ao uso desses remédios.
O que fazer?
É provável que muitos médicos receitem esse tipo de droga sem saber que seus pacientes exageram na bebida – muita gente tem vergonha de admitir isso. E quem sofre de ansiedade e insônia (e por isso procura ao médico) pode ter uma tendência maior a abusar do álcool, porque a bebida tem um efeito inicial relaxante.
Atualmente, a conduta mais comum entre os psiquiatras é medicar pacientes com ansiedade com antidepressivos, que são mais seguros e até mais eficazes para esses quadros, apesar de levar um tempo para fazerem efeito. Os benzodiazepínicos são reservados apenas para emergências ou situações específicas, e os pacientes medicados devem ser acompanhados com regularidade.
É importante alertar os médicos sobre a necessidade de investigar melhor o consumo de álcool entre os pacientes antes de receitar essas drogas, e explicar os riscos de se misturar as substâncias. Também é importante que os pacientes sejam honestos com o profissional de saúde sobre o uso de bebidas e drogas – não há por que ter vergonha disso. Essas informações podem ter impacto no diagnóstico e no tratamento da ansiedade, além de evitar consequências graves.