Jairo Bouer Publicado em 20/09/2020, às 06h00
Angústia, medo, pânico, aflição causada pela incerteza, sensação de alerta…Todas essas definições ajudam a descrever o que é ansiedade, um fenômeno que é fundamental para a sobrevivência humana, mas atrapalha a vida de muita gente. Todo mundo já ficou ansioso alguma vez na vida, seja ao tomar um susto ou fazer alguma apresentação em público. E não há nada de errado com você por isso: a evolução moldou os animais para reagir diante do perigo, uma reação que envolve até a liberação de hormônios, como o cortisol (chamado de “hormônio do estresse”) e a adrenalina são alguns deles.
A reação prepara o corpo para lutar, fugir ou congelar, o que leva a sintomas como “batedeira” no peito e dor de barriga. O curioso é que esses mecanismos são extremamente úteis do ponto de vista evolutivo. Encarar um bando de gente que você nunca viu na vida era uma bela de uma cilada para nossos ancestrais, que viviam seguros com a sua tribo. Até a timidez pode ter ajudado nossos tataravós a demonstrar submissão e evitar que alguém duvidasse e suas boas intenções. O efeito da adrenalina sobre os vasos sanguíneos também era uma mão na roda para não morrer de hemorragia diante do ataque de um predador.
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A ansiedade pode aparecer como uma reação aguda, mas temporária, diante de uma situação estressante. Também pode ser o sintoma de alguma doença, do uso de substâncias ou abstinência. Mas essa sensação também pode virar um problema crônico. Por motivos que podem ter relação com genética, criação ou excesso de estressores, algumas pessoas passam a reagir ao menor estímulo, de maneira desproporcional, ou até sem razão aparente. Nesse ponto, dizemos que a pessoa tem um transtorno de ansiedade.
Além de provocar sofrimento e perdas, a pessoa afetada pode ficar mais suscetível à depressão e ao abuso de álcool ou drogas. Existem diferentes distúrbios de ansiedade, com características específicas, embora o medo seja um denominador comum entre eles. Conheça os principais:
Pessoas com esse transtorno sentem ansiedade ou preocupação excessiva, na maioria dos dias, por pelo menos 6 meses seguidas. O quadro também pode se manifestar com batedeira no peito (taquicardia), problemas gastrointestinais, insônia, dificuldade de concentração, irritação e tensão muscular, entrou outros sintomas.
Caracterizado por ataques de pânico frequentes, em que a pessoa sente que vai morrer, perder o controle, a consciência ou a sanidade. Em geral, surgem sintomas intensos como taquicardia, falta de ar, dor no peito, sudorese, tremores ou tontura. As crises podem ocorrer inesperadamente, ou podem ser provocados por algum gatilho, como uma situação temida. Quem passa por uma ou mais crises de pânico passa a se preocupar com a possibilidade de sofrer um novo ataque e, para isso, começam a evitar locais ou situações em que as sensações apareceram.
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Uma fobia é um medo exagerado ou uma aversão a objetos ou situações específicas. É importante frisar que esse medo é desproporcional ao perigo real. Ninguém gosta de baratas e ratos, mas, para o indivíduo fóbico, até uma foto desses bichos causam desespero. Alguns exemplos de fobias específicas incluem medo de: altura (acrofobia), voar de avião, espaços fechados (claustrofobia) aranhas, cães, cobras, injeções, sangue e multidões ou espaços abertos (agorafobia).
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Também conhecido como “timidez patológica”, o transtorno de ansiedade social envolve um medo intenso em situações sociais ou que envolvem desempenho. Essas pessoas temem que suas ações ou os próprios comportamentos associados à ansiedade (tremores, gagueira, respiração ofegante etc) sejam avaliados negativamente pelos outros. A vergonha é tanta, que elas passam a evitar a exposição e perdem muitas oportunidades na vida.
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É um problema relativamente comum entre crianças pequenas, que muitas vezes têm receio de não ver de novo os pais ou cuidadores ao serem deixadas na escola ou na creche. No entanto, adultos também podem ter o transtorno, ou um medo exagerado de se separar das pessoas a quem estão ligadas, como um filho ou parceiro romântico. Muitas vezes há o temor de que algo de ruim aconteça a essas pessoas enquanto estiverem separados.
Uma situação que envolve ameaça à vida, ou seja, um trauma, é sempre uma vivência dolorosa e desagradável. Pode ocorrer após acidentes, perdas importantes, catástrofes naturais, guerras ou violências. Após algumas horas ou dias, é comum que a pessoa tenha uma “reação aguda ao estresse”, com a lembrança persistente do ocorrido, pesadelos, insônia, estado de alerta e outros sintomas. Em geral, o tempo é capaz de aliviar os sintomas sozinho. Porém, algumas pessoas podem ter uma resposta mais duradoura do que outras. Muitos meses e até anos após o evento estressante, elas podem apresentar:
- Lembranças invasivas (“flashbacks”) da situação, frequentes e impossíveis de ser controladas
- Sonhos e pesadelos sobre a situação vivida
- Dificuldade de sentir emoções positivas
- Tendência a se isolar
- Preocupação em evitar qualquer coisa que tenha relação com o trauma
- Sintomas depressivos
- Tendência a abusar de álcool e drogas
Certos indivíduos manifestam um estado de sofrimento ou perturbação diante de uma mudança importante, como saída do país, escola ou emprego novo, nascimento de um filho etc. Os fatores estressantes nem sempre são extraordinários, como no luto, mas trazem prejuízos, mesmo assim. É bastante comum em adolescentes, e os sintomas envolvem:
- ansiedade, inquietação
- humor depressivo
- agressividade, irritação ou má conduta
- sentimento de incapacidade de enfrentar a situação
Apesar de ter características diferentes, o TOC também é considerado um transtorno de ansiedade. Como o próprio nome diz, a doença é marcada por obsessões (pensamentos e preocupação incontroláveis) e compulsões (comportamentos ou “rituais”, também incontroláveis, que surgem em resposta às obsessões).
Em geral essas obsessões envolvem medo de se contaminar com germes, pensamentos considerados tabu (que podem ter a ver com sexo, religião ou desejo de machucar alguém ou a si mesmo) ou desejo de ordem ou simetria. Os rituais, respectivamente, seriam lavar as mãos e desinfetar tudo compulsivamente, fazer o sinal da cruz ou algo do tipo, arrumar as coisas, contar compulsivamente ou checar se trancou a porta e desligou o gás inúmeras vezes. É importante enfatizar que todo mundo pode ter uma encanação excessiva, odiar sujeira ou voltar para casa para ver se ficou alguma panela na cozinha. Mas isso é muito diferente do sofrimento enfrentado por quem tem TOC. Em geral, essas pessoas:
- Não têm nenhum controle sobre seus pensamentos ou comportamentos, mesmo sabendo que eles são exagerados ou inadequados
- Chegam a gastar no mínimo uma hora por dia com esses rituais e pensamentos
- Não sentem prazer ao executar os rituais, mas os comportamentos trazem um alívio temporário para a ansiedade
- Enfrentam consequências importantes, como dificuldade para chegar no trabalho ou se concentrar, feridas na pele por causa da lavagem excessiva, e podem até se isolar para evitar constrangimento
O TOC, bem como outros transtornos de ansiedade, com frequência acompanham outros problemas de saúde mental, como depressão, deficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e transtornos de imagem corporal. Alguns jovens com TOC (não a maioria) ainda podem desenvolver a síndrome de Tourette, um transtorno neuropsiquiátrico que costuma ter início na infância e envolve tiques incontroláveis, como piscar o olho excessivamente, levar a mão ao rosto, contrair o ombro ou emitir sons.
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Sexo: de maneira geral, os transtornos de ansiedade afetam mais mulheres do que homens, mas essas prevalências podem variar de acordo com os tipos de transtorno
Idade: a maior parte das fobias têm início na infância ou adolescência, assim como a ansiedade social
Genética: é comum haver diversos casos de ansiedade na mesma família
Doenças: certas condições, como problemas de tireoide ou arritmias podem gerar sintomas de ansiedade. Em alguns casos, ainda, crianças podem desenvolver sintomas de TOC após a infecção por streptoccocos.
Uso de substâncias: certos medicamentos, drogas ilícitas, abuso de álcool, excesso de cafeína e outros estimulantes podem produzir ou agravar os sintomas, bem como a abstinência desses componentes
Traumas: a vivência de situações de estresse agudo ou crônico pode deflagrar o transtorno
Para controlar os transtornos de ansiedade, a dupla terapia e remédios também é imbatível. A Terapia Cognitivo-Comportal (CBT) costuma ter bons resultados para os diferentes quadros, porque ajuda a desmontar crenças e pensamentos. Terapias em grupo também podem ser úteis porque contribuem para combater a esquiva social e trazem a consequência de não ser a única pessoa no mundo com aquele problema. No caso das fobias e da ansiedade social, as terapias de exposição, um tipo específico de CBT, auxiliam o indivíduo a encarar seu objeto de pavor ou lembranças traumáticas de uma maneira gradativa e controlada. A abordagem precisa ser individualizada para surtir efeito.
A terapia farmacológica, quando necessária, pode envolver o uso de antidepressivos como os inibidores seletivos de recaptação de serotonina. Os calmantes (ou ansiolíticos) só devem ser utilizados por curtos períodos, pois podem causar tolerância e dependência. A retirada abrupta dessas drogas, no entanto, também pode agravar a ansiedade. Outros tipos de medicamentos também podem ser indicados em casos específicos, como os betabloqueadores, que ajudam a controlar sintomas de palpitação durante situações de exposição.
Técnicas de relaxamento e gerenciamento do estresse também têm um papel importantíssimo para os pacientes, assim como a atividade física regular. Quem sofre de pânico pode ter receio de fazer exercícios aeróbicos, por causa do aumento dos batimentos cardíacos, por isso o acompanhamento de um profissional bem informado pode fazer toda a diferença. Exercícios respiratórios também trazem melhora considerável para pacientes com pânico e fobia.
Se o Brasil é o país com maior número de ansiosos do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), não é de se estranhar que muita gente tenha dificuldades para se desligar das preocupações, à noite, e descansar. De acordo com a Associação Brasileira do Sono, 80% dos brasileiros têm algum problema para dormir. A consequência? Temos a triste fama de recordistas no consumo de ansiolíticos (calmantes). O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou, em 2016, que mais de 15 milhões de pessoas, ou o equivalente a 7,6% da população, usam alguma droga para relaxar e pegar no sono à noite. (1)
Quando se considera todos os tipos de ansiolíticos consumidos em todo o mundo, o Brasil ocupa o terceiro lugar na lista, atrás apenas dos EUA e da Índia, segundo informações do International Narcotics Control Board (INCB) (2). Mas é o maior consumidor mundial de consumo de clonazepam (princípio ativo do Rivotril) e do midazolam (Dormonid), dois remédios “tarja preta”. E segundo maior de zolpidem (princípio ativo do Stilnox), um indutor do sono que também pode causar problemas se mal utilizado.
Veja bem: esses medicamentos estão no mercado porque realmente funcionam e existe indicação de uso. Quando os primeiros benzodiazepínicos (classe da qual fazem parte o clonazepam, o lorazepam e o diazepam) surgiram no mercado, a partir dos anos de 1950 e 60, eles representaram um avanço em relação aos barbitúricos, que podiam até matar se consumidos em dose inadequada.
Os benzodiazepínicos são mais seguros, mas nem por isso podem ser utilizados indiscriminadamente. Eles são vendidos com tarja preta porque podem causar tolerância e dependência, isto é, com o tempo, a pessoa precisa de doses cada vez mais altas para conseguir o mesmo efeito, e se interromper o uso sentirá efeitos de abstinência semelhantes aos de algumas drogas ilícitas. É por isso que esses medicamentos só são utilizados em situações muito específicas, como antes de cirurgias, em crises de pânico ou fases de estresse emocional intenso.
Se a pessoa toma o remédio por algum tempo, por indicação médica, há um processo de “desmame” gradual para retirá-lo depois. Num contexto em que as pessoas têm pouco acesso a consultas regulares com um psiquiatra ou médico especialista em sono, não é difícil encontrar pacientes que desenvolvem dependência física ou psicológica. E diante de um quadro de extrema ansiedade ou até de sintomas de abstinência, muitos médicos ficam sem outra opção senão assinar uma nova receita.
De alguns anos para cá, casos de insônia crônica passaram a ser medicados com drogas mais modernas, da classe dos indutores de sono, também conhecidos como “hipnóticos”. Apesar de não terem tarja preta, esses remédios também devem ser usados com extrema cautela – se o paciente toma a cápsula e não dorme logo em seguida, pode fazer coisas e não se lembrar direito depois. Após o uso prolongado, também há risco de o organismo ficar “acostumado” com a substância, ainda que ela não cause tolerância e dependência como os “benzos”.
Conclusão da história? Utilizar remédios para dormir de forma crônica deveria ser exceção, e não regra. Estudos mostram que todas essas substâncias têm impacto sobre a memória, já que são depressoras do Sistema Nervoso Central. No caso dos benzodiazepínicos, há pacientes que chegam a desenvolver demência devido ao uso prolongado. Além disso, com o passar da idade as pessoas tendem a usar mais remédios, o que aumenta o risco de interações e efeitos indesejados. Em idosos, os sedativos ainda podem levar a acidentes e aumentar a probabilidade de apneia do sono. A maioria dessas compolicações poderia ser evitada se, lá atrás, essas pessoas recebessem tratamento adequado para as queixas de insônia e estresse, e esgotassem as opções não medicamentosas, como medidas de higiene do sono e atividade física.
Hoje em dia, o uso de ansiolíticos (apesar do nome) são reservados apenas para situações pontuais. Os medicamentos mais indicados para tratamento contínuo são os antidepressivos (também apesar do nome), por serem mais eficazes e seguros nesses casos. Mas o efeito não é imediato – se você tomar uma única dose não vai se sentir relaxado, muito menos alegre. Até por isso não há risco de abuso de antidepressivos. Mesmo assim, todo remédio possui efeitos colaterais, por isso a indicação precisa ser criteriosa.