Cármen Guaresemin Publicado em 01/09/2021, às 15h00
O drama sobre suicídio e transtornos mentais "Por que Você Não Chora?", estrelado por Bárbara Paz e Carolina Monte Rosa, que fez parte da seleção oficial do 48° Festival de Cinema de Gramado em 2020, estreará nos cinemas no dia 9 de setembro, véspera do Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.
A direção e roteiro são da cineasta brasiliense Cibele Amaral - que usou a própria expertise como psicóloga para construir toda a dramaticidade do filme. O irmão de Cibele apresentava ideação suicida e alguns diálogos do filme são conversas reais – ele, infelizmente, morreu em dezembro de 2020. Já a protagonista, Jéssica, é inspirada em colegas de faculdade dela. "Por que Você Não Chora" busca se comunicar em particular com o público feminino, ao trazer à luz o atual cenário de aumento de casos de suicídio entre as mulheres.
Na trama, a estudante de psicologia Jéssica recebe a missão de acompanhar e orientar um paciente e escolhe Bárbara, uma mulher diagnosticada com Transtorno de Personalidade Borderline. Gradativamente, a jovem descobre que os extremos de sua "paciente" revelam, de fato, um obscuro e sombrio lado de sua própria alma. Sempre calada, a própria psicóloga havia aprendido a ignorar os sofrimentos mais íntimos.
Para a atriz Bárbara Paz, que interpreta a paciente de mesmo nome, abrir o debate sobre a depressão e o suicídio - de forma responsável - possui um papel libertador e salienta o poder e o valor da arte produzida no Brasil. "Acho que o momento de 'silêncio' acabou. Chegou a hora de falar sobre o todo, sem ter medo ou vergonha de tratar determinados assuntos que muitas vezes estão dentro de casa. E o nosso cinema sempre esteve preparado para lidar com essas problemáticas. Essa é uma janela onde se pode experimentar tudo, por meio de uma boa linguagem".
E é por meio da franqueza e realismo de 'Por que Você Não Chora?' que o filme pretende que o público se identifique com as histórias das personagens Jéssica e Bárbara – duas mulheres completamente distintas, mas que lidam com problemas psicológicos bem semelhantes. “É um estudo da psique humana, uma vez que ele mostra, entre outros temas, as diferentes formas de lidarmos com as nossas emoções. O filme traz muito esses questionamentos: até que ponto queremos e conseguimos mudar? Do que dependemos para fazer essas mudanças nas nossas vidas? Como a infância tem impacto na nossa vida e em quem nos tornamos?", afirma a atriz Carolina Monte Rosa, interprete de Jéssica.
Leia, a seguir, entrevista com a diretora Cibele Amaral, que falou não só do filme, mas também sobre o transtorno, sobre suicídio (aproveitando que entramos no Setembro Amarelo, o mês de prevenção) e sobre como as doenças mentais permanecem um estigma.
Foi muito sofrido para você fazer um filme sobre um tema espinhoso que acabou levando seu irmão?
Fiz o filme antes. Ele não chegou a ver. Ajudou a divulgar a exibição no festival de Gramado. Postou nas redes sociais dele. Torceu pelo filme. Mas não o viu. Eu achei que teríamos tempo de ver juntos, mas em dezembro de 2020 ele foi embora. Muito difícil falar sobre isso. Porque dói demais não ter ajudado mais meu irmão, e eu tentei muito. Sempre mostrando que ele estava deprimido, que precisava de ajuda e oferecendo essa ajuda. Inclusive, recomendo às pessoas que se encontram na mesma situação que a minha, a apontar caminhos que possam ajudar. Felizmente, hoje em dia possuímos diversos mecanismos populares que oferecem grande ajuda, como o CVV (no número 188), consultórios populares em universidades de psicologia, no Instituto Olhos D’alma Sã, entre muitos outros. A relevância social do filme está justamente na abertura da discussão sobre a importância de procurarmos ajuda e de cuidarmos da nossa saúde emocional.
Ainda é difícil trabalhar com doença mental no Brasil? Ainda há muito estigma?
O estigma é gigante! Ninguém sai por aí falando abertamente sobre transtorno borderline, transtorno bipolar, esquizoidia... Quando muito, as pessoas falam que estão deprimidas, ansiosas. E é compreensível, porque o senso comum ainda julga. No entanto, é preciso que haja inclusão para as pessoas, é preciso criar pautas positivas como se fez com a deficiência física, questões raciais e de gênero. Outra dificuldade é a pouca contratação de psicólogos pelo governo. Psiquiatras e psicólogos são inacessíveis para a grande maioria da população. E para ter acesso gratuito, existem filas enormes. Na escola, também, ainda é pequeno o número de psicólogos. O curioso é que, ao mesmo tempo, Psicologia é, atualmente, o segundo curso universitário com maior procura no país. Isso nos dá uma ponta de esperança de que a sociedade esteja reconhecendo aos poucos a importância desses profissionais para a saúde de todos.
Quais os sinais, que alguém pode dar, de que está pensando em suicídio? Pois nem sempre isso fica claro.
Existem tipos diferentes. Algumas pessoas com ideação suicida avisam. Meu irmão, por exemplo, vinha avisando há anos. Outras pessoas não falam nada pra ninguém. É importantíssimo acabar com alguns mitos do senso comum: um deles é ‘quem fala não faz’. Isso é muito equivocado. Quem fala está dando um sinal. Manipulativo ou não, é um sinal bem claro e não pode ser ignorado de jeito nenhum. Isso é algo que me deixa menos triste quando penso sobre o que aconteceu com meu irmão. Eu nunca ignorei esses sinais e sempre disse aos outros familiares e amigos para ficarem de olho. E acho que isso fez muita diferença para ele e para nós. Outro mito: ‘a pessoa só quer chamar a atenção’. Se a pessoa está chamando atenção dessa forma, é porque ela precisa de atenção. Com relação àquelas pessoas que não avisam, existem sinais. Pessoas muito quietas, solitárias, fechadas, isoladas, que não se abrem sobre problemas, que não têm muitos relacionamentos sociais. Ou pessoas que são muito sensíveis a eventos negativos, para quem tudo é uma questão de vida ou morte... Neste caso, é essencial que além de buscar ajuda profissional, a pessoa também tenha alguma fonte de lazer saudável e uma rede de apoio com amigos e/ou família.
Quais conselhos você dá para quem convive com uma pessoa que pensa ou demonstra vontade de se matar.
Incentivá-la a procurar ajuda profissional urgente. Como falei antes, felizmente, hoje em dia possuímos diversos institutos, universidades e clínicas que oferecem atendimentos gratuitos ou a preços populares. O CVV por meio do número 188 também está sempre a postos para ajudar. Além disso, ouvir é extremamente importante. Não adianta falar para a pessoa que isso é errado, que isso não pode. Ela vai parar de falar sobre isso com você, mas não vai parar de pensar isso. E ela precisa falar sobre isso. Oferecer ajuda e possibilidades de tratamento adequado. E também cuidar de si.
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