Transtorno pode afetar relacionamentos e aumentar o risco de suicídio
Leo Fávaro* Publicado em 06/07/2021, às 11h40
O transtorno de personalidade borderline, também chamado de transtorno de personalidade limítrofe e de síndrome borderline, é uma condição mental que se caracteriza por alterações súbitas no humor, realização impulsiva de atos e instabilidades em relação à forma como a pessoa se enxerga e nos relacionamentos interpessoais, manifestada em diversos contextos.
Como numa montanha-russa de emoções, quem tem esse transtorno se apresenta estável num momento, mas noutros perde o controle de suas emoções, com ataques de fúria e crises de depressão e ansiedade, alterando completamente seu comportamento.
A pessoa com o transtorno de personalidade borderline pode ter dificuldades para se relacionar com outras pessoas. No início de um relacionamento, que pode ser uma amizade, mas é mais evidente em namoro, ela se mostra bem ligada afetivamente a seu companheiro, demonstrando cuidado e atenção, idealizando um relacionamento. Contudo, se ela achar que não há carinho suficiente, que o casal passa pouco tempo juntos, que não há reciprocidade na relação ou que estão em vias de terminar, ela muda abruptamente a forma como enxerga seu companheiro e expressa irritação, de modo que não consegue controlar esse sentimento.
Por vivenciar intensos medos do abandono, reage de forma inadequada com mudanças profundas na autoimagem, no afeto, na cognição e no comportamento. Assim, a pessoa com o transtorno de personalidade borderline pode reagir com rispidez, sarcasmo e irritação na fala, além de comportamentos impulsivos (detalhados abaixo). Após esses episódios, ela pode se sentir culpada, triste e com vergonha de suas atitudes.
Isso porque aqueles que sofrem com o transtorno de personalidade borderline têm, normalmente, um receio maior de ficar sozinhos e medo de serem abandonados. Assim, eles maximizam a sensação de abandono em situação cotidianas, como quando alguém se atrasa ou cancela um compromisso com eles, quando não respondem suas mensagens prontamente ou quando uma consulta médica, por exemplo, acaba. Diante disso, eles se comportam de modo exagerado para evitarem aquele suposto abandono e passam a achar que aquelas outras pessoas são más. Nesses episódios, não são incomuns tentativas de suicídio ou automutilação (cortes, queimaduras e outras lesões, por exemplo). Assim, os relacionamentos são marcados mais pela intensidade do que pela estabilidade.
As causas do transtorno de personalidade borderline não são claras, mas estão possivelmente associadas a questões genéticas e também a alterações cerebrais em regiões que controlam as emoções. Situações estressantes na primeira infância, como abuso sexual e físico, negligência, conflitos familiares ou perda de um dos pais podem aumentar o risco do desenvolvimento do transtorno posteriormente. No mesmo sentido, ter algum parente próximo com borderline agrava o risco de desenvolver a doença.
Esse transtorno é mais frequente em mulheres, representando cerca de 75% dos casos, conforme aponta o Manual de Diagnóstico de Transtornos Mentais da Academia Americana de Medicina (DSM-V). Em relação ao surgimento das características borderline, elas são vistas mais frequentemente no fim da adolescência e no início da vida adulta, quando novos paradigmas se estabelecem na vida dessas pessoas, com outras responsabilidades e enfrentamentos.
Por suas manifestações serem inespecíficas do transtorno, o borderline pode ser confundido com outras condições mentais, como o transtorno bipolar e a esquizofrenia, já que episódios dissociativos ou paranoicos (alucinações, delírios de referência) também podem estar presentes – mas normalmente são curtos, eventuais e não são graves. O que distingue o transtorno borderline de outros são os sinais que a pessoa apresenta, sua intensidade e sua frequência. De modo geral, a pessoa com esse transtorno apresenta sinais e sintomas como:
Também é frequente que aqueles que sofrem por borderline apresentem um padrão de autossabotagem. Assim, eles podem, por exemplo, abandonar os estudos prestes a se formar, destruir um relacionamento saudável quando percebe que ele está durando ou apresentar regressão considerável após conversa sobre os bons rumos de terapia.
O diagnóstico do transtorno de personalidade bipolar é feito por psiquiatra ou psicólogo com base nos sinais e sintomas que o paciente apresenta. O DSM-V estabelece que os critérios de diagnóstico do transtorno de personalidade borderline inclui um padrão difuso de instabilidade das relações interpessoais, da autoimagem e dos afetos e de impulsividade acentuada que surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos. Esse padrão – em grande parte já descrito nos sinais e sintomas – se manifesta por cinco ou mais dos critérios abaixo:
Como consequência de sua condição clínica, as pessoas com esse transtorno apresentam dificuldades especialmente em aspectos sociais, o que pode se refletir no afastamento e no isolamento social. Isso porque as intensas emoções experimentadas por elas causam desconforto entre familiares e amigos, podendo afastar pessoas de seu convívio social. Além disso, pessoas com borderline também podem ter mais dificuldade na escola e no trabalho, por causa da fragilidade nas relações interpessoais.
O tratamento, por sua vez, também é elaborado por dois profissionais, psiquiatra e psicólogo. O primeiro pode indicar medicamentos para estabilizar as crises do paciente, como antidepressivos, estabilizadores de humor e ansiolíticos, a depender do caso. Já o psicólogo conduz a psicoterapia, que pode ser de diversas abordagens, conforme a necessidade individual, e que também é peça-chave no sucesso do tratamento.
Embora a propensão para emoções mais afloradas e para a impulsividade acompanhe o indivíduo ao longo da vida, as intervenções terapêuticas costumam apresentar resultados ainda no primeiro ano. Com o passar do tempo e o seguimento da terapia proposta, ele pode passar a não mais apresentar um padrão de comportamento que atenda os critérios para o transtorno da personalidade borderline.
Quando em crise, é muito importante o acolhimento dessa pessoa e evitar que ela cometa qualquer ato que possa pôr em risco sua vida ou sua integridade física. No mesmo sentido, é necessário entender que ela não sabe lidar com as emoções, mas que com o tratamento adequado, pode se manter estável e levar uma vida saudável.
Estima-se que de 2% a 6% da população mundial tenha transtorno de personalidade borderline. Não há dados precisos no Brasil, mas a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) estima que aproximadamente 20% dos pacientes em ambulatórios de psiquiatria têm o transtorno e que a taxa de suicídio dessa população pode chegar a 10%.
*Leo Fávaro é acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo
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