Para abandonar hábitos tóxicos, mulheres dão uma pausa na procura por relações românticas
Cármen Guaresemin Publicado em 11/05/2024, às 10h00
Vivemos em uma era que passa por rápidas transformações, especialmente sociais e tecnológicas. E no campo afetivo não é diferente; as novas formas de se relacionar têm criado várias expressões que logo se tornam virais, especialmente se forem compartilhadas em redes sociais.
Um dos assuntos recentes a ganhar espaço nas redes foi a expressão boy sober: quando mulheres heterossexuais dão uma pausa intencional na procura por relações românticas, buscando abandonar hábitos tóxicos. Elas optam pelo celibato temporário, geralmente após passarem por experiências românticas frustradas.
Na maioria das vezes, são mulheres da geração Z - nascidas a partir de 1995 até aproximadamente 2010, na transição do século XX para o XXI – que estão aderindo ao movimento, que começou nos Estados Unidos e logo chegou por aqui. Além disso, parece que as regras do namoro estão ficando diferentes agora que o TikTok se tornou a plataforma preferida dessas jovens adultas para trocarem histórias, nem sempre felizes, enquanto lutam para dar sentido às suas experiências.
A comediante norte-americana Hope Woodard, 27 anos, supostamente cunhou o termo no final do ano passado, quando pensou no que gostaria para 2024, tornando o boy sober sua resolução de Ano-Novo. “'Celibato' não parece legal”, disse ela no TikTok sobre sua decisão de fazer uma pausa nas atividades românticas – o que ela transformou em uma comédia ao vivo e uma performance de narrativa em Nova York. Em uma postagem anterior na plataforma, ela divulgou uma lista de regras para ficar sóbria: sem aplicativos de namoro, sem encontros, sem ex-namorados, sem conexões.
“Durante toda a minha vida eu disse 'estou solteira, estou solteira, estou solteira', Não, nunca fui solteira, sempre estive em uma 'situação' – você não é solteira se alguém está ocupando o espaço do seu cérebro”, disse a comediante no vídeo sobre as regras, com mais de 590.000 visualizações.
As mulheres que defenderam a sobriedade em relação aos homens disseram a ela que isso era uma “mudança de vida”, enquanto outras expressaram medo de não estarem à altura da tarefa. Enquanto isso, especialistas em relacionamento dos EUA elogiaram a tendência, chamando-a de “empoderadora”, mas com ressalvas. Só vale se as mulheres dedicarem esse tempo para se concentrarem no crescimento pessoal.
Este movimento é válido? Terá efeito no futuro da mulher? Para a psiquiatra e supervisora da residência de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Danielle Admoni, depende. “Particularmente, acho muito drástica esta questão do boy sober. Entendo que muitas pessoas se frustram com relacionamentos, aliás, todos nós. Faz parte do crescimento do ser humano se frustrar, inclusive nos relacionamentos amorosos. E uma coisa tão drástica, de não se relacionar mais com homens, vejo como algo muito radical. A gente sofre, se recompõe e precisa fazer de maneira diferente. Fico pensando se essa ausência não é manter o padrão, repetir as coisas”.
Ela lembra que você pode ficar um, cinco, dez anos sem se relacionar. Porém, se depois de dez anos você for se relacionar na mesma dinâmica como se relacionou antes, vai dar errado, não adiantou nada. “A questão é mais poder se repensar e analisar ‘o que está acontecendo de errado, o que estou procurando e não estou encontrando, será que estou exigindo demais?’”, completa.
A psicóloga e psicanalista Cristiane Vilatoro concorda: “Esse movimento de celibato após grandes decepções amorosas pode ser válido para algumas pessoas, tudo vai depender de como esse indivíduo organizou os afetos ao longo da vida”.
"Penso ser muito válido. Pois ficar um período sem envolvimento emocional com homens, focando em si mesma e em seu crescimento pessoal, pode ensinar a mulher a lidar de forma única com suas experiências e emoções", comenta Claudia Petry, terapeuta sexual, membro da SBRASH (Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana). "Algumas mulheres podem encontrar benefícios nesse período, como autoconhecimento (inclusive sexual) e autossuficiência, mas outras podem preferir abordagens diferentes para superar suas decepções", ela completa.
O que uma mulher pode fazer durante este período de celibato para que valha a pena lá na frente? Investir nela, estudar, viajar, sair com amigas? Para Cristiane, essa fase permite um período de autoconhecimento e cura emocional. “Durante esse tempo, é importante investir em si mesma, voltar-se para si, trazer a energia psíquica para dentro, seja por meio de estudos, viagens, atividades que tragam bem-estar, felicidade ou mesmo fortalecendo amizades”.
Para Danielle, a ideia é que ela possa se cuidar, investir em outras áreas da vida que não seja relacionamento amoroso, não precisa ser especificamente estudar ou viajar. “Algo na vida dela que preencha esse espaço. Fazer o que ela achar interessante para não ficar pensando nesta questão dos relacionamentos ruins”.
Claudia concorda, afirmando que é o momento de a mulher voltar a atenção para si mesma. Além do autoconhecimento, neste momento pode se dedicar a cuidar do corpo e da mente, explorar novos hobbies e interesses, fortalecer amizades, viajando.
A parte mais difícil é mesmo conseguir fazer o “detox”, ficar um longo período sozinha, sem qualquer tipo de contato com homens (com os quais poderia ter um relacionamento). Ou seja, como não cair em tentação?
Não cair em tentação depende da determinação da pessoa, aponta Danielle. “Por exemplo, quem quer parar com o consumo de álcool, não pode colocar uma gota dele na boca. O que você faz? Evita ir a restaurantes, a festas, lugares onde vai ter bebida. É um pouco isso, tentar evitar contatos que passem de amizade. Mas, sim, é muito difícil”.
Cristiane acredita que para cumprir o celibato e evitar tentações, é útil estabelecer limites claros e encontrar apoio em amigos e familiares. “Evitar qualquer tipo de contato com homens pode ser desafiador, mas focar em atividades que distraiam e fortaleçam a autoestima pode ajudar a manter o foco. Como eu disse acima, trazer a energia psíquica= libido para dentro de si”.
Buscar cumprir o que se deseja, mesmo quando qualquer tipo de contato com os homens é proibido, pode ser desafiador, admite Claudia. Para ela, nessa situação, é importante estabelecer limites claros, evitando tanto interações físicas como comunicações por escrito que possam gerar tentações.
"É fundamental manter-se ocupada com atividades que preencham o tempo e a mente, cultivar o autocontrole e buscar apoio em pessoas de confiança. Praticar a autocompaixão é essencial, reconhecendo que todos enfrentam desafios e momentos de fraqueza. O 'celibato' é uma escolha pessoal e individual, e é importante avaliar se as restrições são adequadas e saudáveis para sua saúde mental e física", aconselha a terapeuta sexual.
Supondo que a mulher tenha conseguido ficar um ano sozinha. Como saber se está pronta para se relacionar romanticamente de novo? Será que a história dela vai tomar outro rumo?
Depende mais dela que dos outros, admite Danielle. Muitas vezes, o outro não se comporta bem nos relacionamentos, mas o importante é que ela esteja bem, porque senão, vai se relacionar da mesma maneira. “Talvez procurar uma terapia para evitar a repetição de padrões de relacionamentos ruins que vieram antes. A história só muda quando fazemos mudanças. É aquilo de repetir as mesmas coisas e esperar resultados diferentes”.
“Saber se está pronta para voltar a se relacionar vai depende de estar emocionalmente preparada e ter clareza sobre o que se deseja em um novo relacionamento”, esclarece Cristiane. “É importante a mulher observar como se sente ao pensar em voltar a se envolver emocionalmente e se perceber pronta para lidar com os desafios que possam surgir. Se perceber primeiro é condição fundamental. É importante reavaliar seus padrões de relacionamento e prioridades”, complementa.
"Parabéns para esta mulher por conseguir fazer um detox e passar mais de um ano sozinha! Essa é uma conquista significativa. Agora, para saber se está pronta para voltar a se relacionar com os homens, é importante fazer uma análise interna", diz Claudia. Ela aconselha a pessoa a se observar e ver como se sente em relação ao crescimento pessoal e emocional durante esse período de autodescoberta. "Avalie se está confiante em si mesma e se sente pronta para abrir espaço em sua vida para um relacionamento. Confie em sua intuição e siga seus instintos. Se sentir que está pronta para dar esse passo, esteja aberta para novas experiências e permita que sua história possa mudar de maneira positiva".
Sim, foram meses de detox, evitando algumas situações, se cuidando e agora a mulher acredita estar pronta, mas vem a dúvida: eu mudei, mas os homens continuam os mesmos.
“Eu mudei, mas o quanto mudei?”, questiona Danielle. “E os homens continuam os mesmos. Preciso pensar no que eu tolero, no que não vou aceitar de jeito algum. O boy sober deveria ser um período para a pessoa se repensar e ver o que está errado nesses relacionamentos, por que não estão saindo como gostaria e o que ela precisa fazer para mudar. O que foi este ‘eu mudei’? Não adianta esperar algo do outro, mas de nós também, principalmente sobre o que aceitamos ou não”, esclarece.
Claudia enfatiza que é comum passarmos por mudanças pessoais e evoluções ao longo da vida, enquanto as pessoas ao nosso redor podem permanecer as mesmas. Essa discrepância pode gerar um sentimento de desconexão e questionamentos sobre como lidar com essa situação.
"É importante lembrar que cada pessoa tem seu próprio ritmo de crescimento e nem sempre podemos esperar que os outros mudem junto conosco. Nesses momentos, é essencial focar em nosso próprio desenvolvimento e aceitar que não podemos controlar as mudanças nos outros. Podemos buscar conexões com pessoas que compartilhem de nossos valores e interesses, encontrando assim afinidades e um senso de pertencimento. E, paciência. Podemos auxiliar no crescimento do outro, não desejar encontrar o 'par perfeito' pois este pode não existir", diz a terapeuta sexual.
Cristiane também aconselha a buscar parceiros que estejam alinhados com os mesmos valores e objetivos, se estão num propósito de vida similar pode ser uma forma de evitar repetir padrões do passado. “Além disso, terapia analítica pode ser útil para processar as experiências passadas e desenvolver estratégias para construir relacionamentos saudáveis no futuro. Cada pessoa é única, então o que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra. O importante é encontrar o que traz paz e felicidade para você”, finaliza a psicanalista.
Fontes:
Claudia Petry: terapeuta sexual, membro da SBRASH (Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana), e especialista em Educação para a Sexualidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/SC).
Cristiane Vilatoro: psicóloga, psicanalista, com pós-gaduação em terapia cognitivo comportamental pelo INTCC (Instituto de Terapia Cognitiva Comportamental), formação em psicanálise pelo Sedes Sapientiae
Danielle H. Admoni: psiquiatra, pesquisadora e supervisora na residência de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM) e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
Nós, do site Doutor Jairo, entramos na campanha em prol das vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, e convidamos você a ajudar também. Veja como:
Governo do Estado do Rio Grande do Sul – conta SOS Rio Grande do Sul (Pix: CNPJ: 92.958.800/0001-38) – https://sosenchentes.rs.gov.br/
Os Correios têm recebido e transportado doações gratuitamente - https://www.correios.com.br/ - tel para informações: 0800 725 0100
Central Única das Favelas (Cufa) - PIX: doacoes@cufa.org.br – https://cufa.org.br/doar/
Aeroportos do Brasil (ABR) tem publicado em seu instagram a lista dos aeroportos que estão recebendo doações para o RS – https://www.instagram.com/abr.aeroportos/
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