Saiba quais os procedimentos disponíveis e para quais casos são indicados
Leo Fávaro* Publicado em 05/12/2021, às 09h00
A obesidade pode ser tratada de diversas formas. Alguns podem obter resultados satisfatórios com mudanças no estilo de vida, enquanto outros se adaptam bem ao uso de medicações, e ainda há alguns que têm recomendação para a realização de cirurgia. Nesse caminho de busca pela saúde, o que não se pode fazer é esperar milagres e perder tempo.
Fábio Trujilho, endocrinologista e vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), explica que não há atalhos para emagrecer. “Sempre desconfie de algum procedimento que se mostre milagroso. A obesidade é uma doença crônica que atinge proporções epidêmicas. Suas causas são muito complexas e contribuem para o aparecimento de complicações como diabetes, infarto, alguns tipos de câncer e contribui com certeza para a redução da expectativa de vida”.
O especialista, que também é diretor do departamento de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, destaca que mesmo pequenas perdas de peso podem trazer benefícios muito grandes para a saúde, especialmente em relação a essas comorbidades. Assim, mais do que perder grande quantidade de peso a qualquer custo, é fundamental que a perda, mesmo que pequena, seja orientada e saudável.
O tempo também é um fator importante. A inércia terapêutica, isto é, a demora para buscar ajuda para tratar da obesidade pode levar tanto ao agravamento da condição clínica como também ao gasto de dinheiro com tratamentos que podem não ser adequados para aquele caso. “Muitas vezes a pessoa demora muito para procurar ajuda para o tratamento da obesidade. Um estudo mostrou que demora em média seis anos entre a pessoa entender que precisa perder peso e procurar um profissional de saúde para ajudá-la. Isso acontece, muitas vezes, porque ela acha que a culpa está nela, que é só ‘fechar a boca’, mas a condição é mais complexa”, alerta Trujilho.
A balança ou o espelho não podem ser os únicos critérios para determinar quem está acima do peso ou com obesidade. Para isso, utiliza-se o Índice de Massa Corporal (IMC), que é o peso dividido pelo quadrado da altura, dando um resultado de distribuição de massa (em quilos) por área de superfície corporal (em metros quadrados). Trujilho explica que “o IMC normal vai até 25. De 25 a 30, já é considerado uma pessoa acima do peso, então essa é a pessoa que podemos considerar gordinha ou que tem sobrepeso. Já a pessoa com obesidade é aquela que tem IMC maior do que 30”.
Mas o IMC não pode ser visto como critério único. Associado a ele, é necessário aferir os locais onde essa gordura está acumulada, medindo, por exemplo, a circunferência abdominal. “Um homem, mesmo com IMC menor que 30, mas que tenha uma circunferência abdominal, medida na barriga, maior que 102 centímetros, é considerado uma pessoa com maior risco de doença cardiovascular. Para mulheres, o valor da circunferência abdominal considerado de risco é acima de 88 centímetros. Então o ideal é levar em conta tanto IMC quanto a circunferência abdominal”, explica o endocrinologista.
Outras ferramentas que podem ajudar a determinar a composição corporal, isto é, o percentual de gordura e de músculo, dentre outros componentes, são a bioimpedância, que o faz por meio de uma corrente elétrica, e o DEXA, que utiliza raio-x.
Confira:
Dentre as formas de tratar a obesidade, a primeira delas (que vale para todo mundo, obesos ou não, em tratamento ou não) está na melhora da forma como os fatores do cotidiano influenciam nossa saúde. A Medicina de Estilo de Vida propõe mudanças que, ainda que pareçam simples, podem favorecer de forma significativa a perda de peso e a melhora da qualidade de vida. Dentre elas estão:
“Uma alimentação saudável deve ser seguida por todos, não só para quem está acima do peso. Além disso, a prática do exercício regular, que é aquela atividade física programada, como caminhar, ir à academia ou praticar algum esporte, tem um papel muito importante como terapêutica da obesidade”, destaca Trujilho. Alertando sobre o tempo do dia a dia que se passa de modo sedentário, o endocrinologista explica que após uma hora sentado trabalhando, estudando ou fazendo outra atividade, levantar e se movimentar por cinco minutos pode ajudar a romper com o sedentarismo e diminuir o risco de doenças cardiovasculares.
Paralelamente ou posteriormente a essa primeira etapa, o médico pode orientar para que seja usado algum tipo de medicamento. As terapias farmacológicas são as mais variadas e, conforme cada caso específico, pode ser usado um ou outro tratamento. Você pode conferir detalhes sobre como funcionam os medicamentos para emagrecer e suas indicações neste link.
Quando as mudanças no estilo de vida e o tratamento com medicamentos não geram resultados satisfatórios, as cirurgias podem ser indicadas. “A cirurgia não deve ser vista como a última opção, mas, sim, como uma ferramenta disponível para o tratamento da obesidade. Se você não conseguir perder peso em um determinado período de tempo, é importante que não demore tanto para optar pela cirurgia”, explica Trujilho. Na opinião do especialista, a depender do caso, um tratamento clínico que dura, em média, dois anos e não gera bons resultados pode abrir possibilidade para uma abordagem cirúrgica.
Segundo o Consenso Brasileiro Multissocietário de Cirurgia da Obesidade, as cirurgias bariátricas são um conjunto de técnicas cirúrgicas, com respaldo científico, com ou sem uso de órteses, destinadas à promoção de redução ponderal e ao tratamento de doenças que estão associadas e/ou que são agravadas pela obesidade.
Além delas, há também as cirurgias metabólicas, que são quaisquer procedimentos no tubo digestivo para controlar o diabetes tipo 2, com ou sem medicação, por meio de mecanismos independentes da perda de peso, e também, secundariamente, para perder peso. As técnicas cirúrgicas são as mesmas da cirurgia bariátrica, mudando apenas conforme a indicação médica de acordo com os resultados desejados.
Os critérios para realização de cirurgia bariátrica e metabólica são o índice de massa corporal (IMC) e a idade. De modo simplificado, pode ser explicado assim:
Podem ser consideradas comorbidades graves diabetes tipo 2, hipertensão arterial sistêmica, infarto agudo do miocárdio, doença arterial coronariana, acidente vascular encefálico, insuficiência cardíaca congestiva, asma grave, osteoartrose, esteatose hepática, dentre outras.
Por outro lado, a cirurgia bariátrica é contraindicada para pessoas que:
Veja também:
As cirurgias, dependendo do caso e do tipo, podem ser feitas por abordagem aberta, por videolaparoscopia, por abordagem robótica e por procedimento endoscópico, a qual é menos invasiva, mas ainda é experimental e não está autorizada pelo Conselho Federal de Medicina.
Segundo informações do Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, as cirurgias podem ter duas naturezas:
Também conhecida como sleeve, essa técnica reduz o estômago retirando a curvatura maior e o fundo gástrico. Com o estômago menor, além da redução da capacidade de armazenar alimentos, há redução da produção de grelina, um hormônio orexígeno, responsável pela sensação de fome. Por essa alteração hormonal, é frequente que os pacientes que realizam esse procedimento relatem não sentir fome, especialmente nos primeiros dias seguintes à cirurgia.
A principal complicação precoce deste procedimento é o surgimento de fístulas, que, mesmo ocorrendo em baixa frequência, podem ser graves. Além disso, a longo prazo, pode haver reganho de peso. Isso porque, apesar de reduzir o tamanho do estômago, o intestino continua com seu tamanho normal. Assim, por exemplo, se a pessoa ingerir líquidos altamente calóricos, como milk shakes e cerveja com frequência, ela poderá aumentar de peso novamente.
O reganho de peso ocorre em cerca de 35% dos pacientes em até 10 anos após a cirurgia. Também é possível que o paciente desenvolva refluxo gastroesofágico, que geralmente pode ser controlado por medicamentos e evoluir bem, mas de 5 a 10% dos casos pode apresentar refluxo grave, necessitando uma abordagem cirúrgica para seu controle.
As duas principais cirurgias para o tratamento da obesidade que são autorizados no Brasil são o bypass gástrico e a gastrectomia vertical. Trujilho explica que no primeiro procedimento, também chamado de “Y de Roux”, que secciona o estômago, deixando-o bem pequeno e fazendo uma alça ligando-o ao jejuno. Assim, o estômago fica menor e o intestino fica parcialmente desviado, causando um pouco de disabsorção.
Com essa técnica de “grampear” o estômago, evita-se a grande ingestão de comida, além de aumentar o nível dos hormônios que causam a saciedade e de reduzir a produção de grelina. Essa técnica mista costuma ser mais efetiva do que a gastrectomia vertical, geralmente havendo mais perda de peso e maior controle metabólico. Entretanto, pode haver redução da absorção de vitaminas, proteínas e oligoelementos.
As complicações decorrentes do bypass gástrico incluem o surgimento de fístulas, obstrução e diarreia crônica, além da já citada disabsorção. O reganho de peso pode ocorrer de 10% a 20% dos pacientes, chegando a ganhar pelo menos metade do peso que perderam no período de dez anos. Segundo informações da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, esse procedimento corresponde a cerca de 75% das cirurgias no Brasil nesses casos.
O balão intragástrico faz parte do grupo das técnicas mistas, mas sua utilização é mais bem reconhecida como método terapêutico auxiliar para preparo pré-operatório. Um balão é colocado dentro do estômago e inflado, preenchendo parte do órgão, favorecendo a sensação de saciedade. “É importante lembrar que o balão não pode ficar inflado por mais de seis meses. Muitas vezes é um procedimento que tem uma recidiva grande e também associado a muitos efeitos colaterais, como náuseas e desconfortos gástricos importantes”, explica Trujilho.
Atualmente pouco utilizada pelos resultados pouco satisfatórios, a banda gástrica ajustável consiste numa intervenção cirúrgica na colocação de um anel ou uma banda inflável de silicone na parte superior do estômago, impedindo a livre passagem de alimentos e diminuindo o tamanho do órgão. Com isso, uma pequena quantidade de comida é capaz de fazer com que a pessoa sinta-se saciada. Uma válvula que permite a regulação do calibre do anel é colocada sob a pele na região abdominal. O procedimento reduz em cerca de 30% o peso inicial.
Essa cirurgia para implantação da banda gástrica pode ser feita por vídeo, é rápida e a recuperação é menos dolorosa. Além disso, ela não causa disabsorção de vitaminas e nutrientes. Entretanto, o anel tem uma vida útil limitada, variando de 5 a 10 anos, e a perda de peso é insuficiente a longo prazo. Além disso, o paciente deve seguir uma dieta com algumas restrições e não é indicado para pacientes com esofagite de refluxo e hérnia hiatal volumosa. Outros riscos incluem reações do organismo à banda como um corpo estranho e migração ou deslizamento da banda.
Também pouco frequente na atualidade, essa cirurgia é indicada geralmente para casos de obesidade acentuada e diabetes grave. Como um conjunto da gastrectomia vertical (sleeve) associada a um grande desvio intestinal, nesta técnica, de 60% a 80% do estômago é retirado. A cirurgia também é conhecida como derivação bilo-pancreática já que, enquanto o caminho mais curto direciona o alimento do estômago para um canal comum, um segundo caminho leva a bile e o suco pancreático (que otimizam a digestão) para o mesmo canal.
A técnica leva a uma grande perda de peso e menor restrição alimentar. Contudo, há grande risco de disabsorção de cálcio, ferro, proteínas e vitaminas, como D e B12 . Além disso, pode haver aumento no número de evacuações diárias e as fezes e os flatos tornam-se muito fétidos.
Trujilho alerta que esses procedimentos devem ser feitos em locais especializados e por profissionais aptos, o que garante a segurança das cirurgias. Além disso, o acompanhamento pós operatório é necessário, já que também pode ser necessário seguir uma dieta ou repor vitaminas e nutrientes, devendo o acompanhamento ser feito com nutricionista e médico endocrinologista, além da constante prática de exercícios. “A cirurgia não é uma vacina contra a obesidade. Ela é uma ferramenta, um tratamento que auxilia muito na perda de peso e, quando bem indicada, é segura e eficaz” comenta o vice-presidente da Abeso.
Reforçando a atuação conjunta de vários profissionais no tratamento da obesidade, Trujilho destaca que o ideal é que a equipe seja transdisciplinar, de modo que os profissionais que estejam orientando o paciente atuem de forma conjunta e ao mesmo tempo. “O ideal é que a equipe que vai orientar o tratamento seja composta por médicos, psicólogo, nutricionista, educador físico, enfermeiro, fisioterapeuta e assistente social. É necessário entender as demandas do paciente para fazer com que ele consiga seguir esse tratamento transdisciplinar”.
Com a orientação profissional adequada, o tratamento da obesidade é estabelecido conforme as necessidades de cada pessoa, o que garante não apenas melhores resultados, mas uma forma mais saudável e mais segura. “A mensagem final é: não deixe de se cuidar e não deixe de procurar atendimento médico”, finaliza Trujilho.
*Leo Fávaro é acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo
Remédio para emagrecer não faz milagre; conheça as principais opções
Açúcar adicionado: saiba o que é e dicas para reduzir o consumo
Produtos químicos que causam obesidade precisam de regulamentação
Tempo de tela em excesso ligado à obesidade na pré-adolescência