Cármen Guaresemin Publicado em 25/02/2022, às 10h00
Ingerir menos calorias não apenas ajuda a emagrecer, como pode levar as pessoas a viver mais. Pesquisas da Universidade de Yale apresentaram resultados surpreendentes sobre dieta e envelhecimento, publicados recentemente na prestigiada revista Science.
Estudos anteriores já haviam mostrado esse efeito em camundongos, mas era difícil provar isso em humanos. Na tentativa de verificar a hipótese, os pesquisadores selecionaram 200 voluntários saudáveis e estabeleceram uma certa quantidade de calorias para as refeições diárias. Em seguida, um subgrupo foi separado e as calorias permitidas aos participantes foram reduzidas em 14% do total inicial. O restante dos voluntários continuou comendo da mesma forma, a título de comparação.
A terceira etapa consistiu na avaliação da glândula timo dos voluntários por ressonância magnética. Essa glândula está localizada logo acima do coração e é responsável pela produção de células T, que desempenham um papel estratégico no sistema de defesa do organismo.
O problema é que o timo envelhece muito mais rápido do que outros órgãos. Em entrevista ao site da Universidade de Yale, o autor do estudo menciona que, aos 40 anos, 70% da glândula timo já é gordurosa e pouco funcional. À medida que envelhecemos, começamos a sentir a ausência de novas células T porque as que sobram não são boas para combater novos patógenos. Esse é um dos motivos pelos quais os idosos correm maior risco de adoecer, segundo os pesquisadores.
Confira:
As imagens obtidas mostraram que os participantes submetidos à restrição calórica “rejuvenesceram” o timo: parecia menos gorduroso e com maior volume funcional, o que significa que estava produzindo mais células T do que antes da restrição. Imagens de voluntários que não reduziram a ingestão calórica não mostraram essas mudanças. De acordo com o autor principal, Vishwa Dixit:
O fato de que essa glândula pode ser 'rejuvenescida' é, na minha opinião, impressionante porque há muita pouca evidência de que isso aconteça em humanos. Que isso seja possível é muito emocionante”.
Em outra frente do mesmo estudo, os pesquisadores analisaram o tecido adiposo, ou gordura corporal, de participantes submetidos à restrição calórica em três momentos: no início do controle, após um e dois anos. A gordura corporal hospeda um sistema imunológico robusto com muitos tipos de células imunológicas, e é por isso que quando o nosso sistema de defesa é extraordinariamente ativado, as células ali depositadas tornam-se uma fonte de inflamação para o corpo.
Os cientistas descobriram que a resposta imune das células de defesa localizadas no tecido adiposo foi melhor regulada após um ano de restrição calórica, e isso se manteve no segundo ano. Para Dixit, os resultados mostram que a redução de calorias muda o estado imunológico-metabólico para melhor.
“Há muito debate sobre qual tipo de dieta é melhor – baixo teor de carboidratos ou gordura, aumento de proteína, jejum intermitente etc. – e acho que o tempo dirá quais são importantes. Nosso estudo mostra que uma simples redução de calorias, e não uma dieta específica, tem um efeito notável em termos de biologia e mudança no estado imunológico-metabólico em uma direção que protege a saúde humana”, disse ele.
Para a endocrinologista Cintia Cercato, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo, o estudo vem confirmar o que já se suspeitava há tempos: “O estudo é extremamente interessante e importante. Nós já sabemos há alguns anos que fazer restrição calórica está associado a maior longevidade, a menos doenças e a maior sobrevida. Isso já havia sido comprovado em animais e é muito claro o efeito do retardo do envelhecimento em macacos com a restrição. Em humanos é mais difícil de fazer um estudo controlado com restrição calórica, diferente de animal de laboratório, onde você consegue fornecer a exata quantidade de calorias”.
Ela comenta que este estudo vem ocorrendo há algum tempo e os pesquisadores conseguiram isolar os participantes que de fato fizeram restrição calórica de cerca de 14%, ou seja, comeram 14% a menos de calorias do que as necessidades diárias e os compararam a um grupo que não fez. “Justamente para tentar ver se o que acontece em animais, quanto à longevidade e restrição calórica, ocorre em humanos. O estudo buscou entender também os mecanismos, quais são os efeitos das restrições calóricas em humanos e se eles seriam benéficos”.
A médica aponta que a inovação deste estudo foi ter sido realizado com humanos. Outro ponto importante foi buscar entender o mecanismo. “Estudaram o timo dos pacientes e viram que ele ficou mais preservado, funcionando melhor nos pacientes que fizeram restrição calórica. O estudo mostrou que um dos mecanismos pelos quais a restrição calórica pode trazer benefícios é justamente por ter um impacto no funcionamento das células imunes e nas inflamações. Por meio de pesquisas sofisticadas, conseguiram identificar um gene que foi bastante alterado nos pacientes que fizeram a restrição em relação aos que não fizeram”.
Ela se refere à expressão do gene que codifica o fator ativador de plaquetas acetilhidrolase (PLA2G7), que foi diminuída nos participantes submetidos à restrição calórica. A inativação do gene em camundongos diminuiu a inflamação e melhorou os marcadores da função tímica e algumas funções metabólicas nos idosos. Assim, provavelmente a diminuição da expressão de PLA2G7 pode mediar alguns efeitos benéficos da restrição calórica também em humanos.
“Os pesquisadores viram que o gene é importante para reduzir este quadro de inflamação de baixo grau, que vemos em doenças crônicas, como diabetes e obesidade, e que estão relacionadas a um maior envelhecimento e menor sobrevida”, afirma Cintia. “Este estudo traz novidades comprovando que, de fato, a restrição calórica em humanos promove alterações no sistema imunológico, que reduz inflamação de baixo grau e que isso pode ser um dos mecanismos que possa levar a maior longevidade”, completa.
A médica, porém, afirma que são necessárias mais pesquisas para se entender melhor esse processo: “Eventualmente, se conhecermos os mecanismos celulares envolvidos na inflamação de baixo grau, associada a doenças crônicas, podemos até pensar em pesquisar terapias direcionadas a estes alvos, e seria interessante avançar neste sentido”, finaliza.
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