Sim, você já sabe que o cigarro causa o envelhecimento precoce, infertilidade e inúmeras doenças, entre elas o câncer. E uma das partes do corpo que primeiro sofre os maléficos efeitos do fumo é a boca. Você pode pensar apenas nos dentes, que amarelam com o tempo, ou no hálito, nada agradável. Porém, os problemas vão muito além.
Cárie, periodontite (inflamação mais grave das gengivas), perdas dentárias e de implantes em pacientes, podem ocorrer também casos de xerostomia (boca seca), estomatite, leucoplasias (lesões pré-cancerígenas) e câncer bucal nos lábios e na língua, entre outras partes da cavidade bucal, são distúrbios que surgem por causa do tabaco. Quem afirma isso é a periodontista Janaína Bononi Rossin, Membro da Câmara Técnica de Periodontia do Crosp (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo). “Em 25 anos de profissão, pude ver nos meus atendimentos muitos desses problemas causados pelo cigarro. Infelizmente, estes também atingem as pessoas que convivem com os fumantes, chamadas de fumantes passivos ou de ‘segunda mão’”.
O cigarro comum pode ser considerado um dos principais fatores de risco que aumenta a chance de doenças gengivais e cânceres, que levam a perdas dentárias, prejudicando diretamente as funções da fala, a alimentação satisfatória e, claro, a autoestima. Muitos estudos apontam que aqueles que fumam tem até três vezes mais chances de perder os dentes ao serem comparados com os não fumantes. Segundo Janaína, isso ocorre por conta das múltiplas condições e alterações relacionadas, principalmente, com a inflamação gengival e a perda das estruturas que suportam os dentes (osso e ligamentos periodontais).
Mas os prejuízos vão muito além dos dentes, o fumo afeta também outras partes da boca. “Pode lesionar a mucosa oral em diferentes níveis, tanto pela exposição ao calor quanto pelos produtos produzidos pela queima do cigarro”, afirma a especialista. “Bochechas, língua, lábios, ossos e gengivas também sofrem muitos danos causados pela ação dessas substâncias que ocasionam alterações vasculares, microbiológicas, imunológicas e são capazes não só de causar o avanço de doenças bucais, como também comprometem os tratamentos para estas condições, provocando resultados insatisfatórios enquanto o uso do tabaco permanecer”, completa.
A profilaxia odontológica - termo correto para designar a remoção das manchas de nicotina, e demais fatores que favorecem o acúmulo do biofilme/placa bacteriana -, comumente conhecida como limpeza dentária, pode até melhorar a aparência dos dentes e reduzir os riscos de problemas bucais, como cárie e gengivite, mas não vai controlar o efeito do tabaco sobre as células e estruturas do organismo.
Por isso, Janaína enfatiza que a consulta odontológica não se resume somente a profilaxia. Nela é feita a avaliação de toda cavidade bucal, incluindo exame da gengiva para detectar precocemente o aparecimento de alterações mais graves como a periodontite e outros sinais de lesões cancerígenas causadas pelo tabaco, podendo assim agir precocemente e com mais eficiência no tratamento.
Fumantes que não pensam em parar, ou estão tentando, precisam ter um cuidado com a higiene bucal caseira ainda maior que um não fumante para evitar complicações. Janaína indica que o ideal é ter consultas regulares com o cirurgião-dentista, com avaliações completas de toda cavidade bucal, realizando profilaxias, recebendo orientações de autocuidado e higiene bucal, além de cuidados das condições conforme forem aparecendo, como cáries e problemas gengivais, sempre rastreando lesões iniciais pré-cancerígenas.
“Estes pacientes precisam ser acompanhados e auxiliados a reduzir ao máximo possível a quantidade de cigarros, para diminuir também os danos causados pelo tabagismo. E serem orientados de que existe maior risco de procedimentos cirúrgicos, como enxertos e implantes, não terem um resultado ideal por conta do uso do tabaco, mostrando assim a importância de conservação dos dentes naturais”, ensina a especialista.
Mesmo sendo proibida a venda de cigarros eletrônicos no Brasil desde 2009 pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o número de consumidores desse produto cresceu 600% de 2018 a 2023. Segundo pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), o número passou de 500 mil para 2,9 milhões. Ilegalmente, é possível encontrar diferentes tipos de cigarros eletrônicos sendo que o mais comum é o vaporizador, chamado de vape. Ele permite a inalação de vapor de água com nicotina e um sabor/aroma a ser escolhido.
Algumas pessoas chegam a pensar que a versão eletrônica é mais inofensiva e menos viciante que o tradicional, mesmo ambos os cigarros contendo nicotina, substância altamente viciante. E os problemas que ele traz à saúde bucal são semelhantes ao cigarro conhecido e liberado.
Segundo Raquel Correia de Bortholi, periodontista e implantodontista, membro da Câmara Técnica de Periodontia do CROSP, estudos mostram parâmetros periodontais semelhantes ao normal quando o cigarro industrial é substituído pelo cigarro eletrônico. “No entanto, nos estudos que compararam os usuários do cigarro eletrônico com indivíduos nunca usuários, foi possível observar aumento na liberação de citocinas inflamatórias e do fator de necrose tumoral, alterações citológicas, cicatrização retardada de alvéolos após exodontias, aumento no potencial cariogênico e a presença de alterações bucais, principalmente boca seca, língua negra, língua pilosa, estomatite nicotínica e candidíase crônica hiperplásica”.
Porém, ela admite que, considerando-se que os cigarros eletrônicos são dispositivos relativamente novos, os efeitos a longo prazo ainda não são possíveis de serem avaliados. Além disso, a falta de regulamentação, em relação à sua composição dificulta a análise dos resultados apresentados pela literatura até o momento. Sendo assim, mais estudos são necessários para avaliar os reais efeitos dos cigarros eletrônicos na saúde bucal.
Em relação à saúde bucal, Rachel lista estes problemas: amigdalites, faringites, laringite e edema paratraqueal, boca seca e todas as suas consequências, como inflamações locais, desencadeando estomatite, disfagia, câncer bucal, perda óssea, escurecimento dental, cáries, doenças periodontais e perda de implantes. Perda temporária do paladar pode acontecer em algumas pessoas (também chamada de língua do vape) e durar horas ou dias.
Quando questionada sobre o que é mais comum de notar em um paciente que usa esses produtos quando ele chega ao consultório, a periodontista conta que são as manchas nos dentes e próteses, escurecimento da mucosa gengival, perda de implantes dentais, perda óssea, retração da gengiva, danos no periodonto, aumento de cáries e lesões de mucosa devido à diminuição ou perda da salivação. “Ainda, em relação à saúde bucal, os cigarros eletrônicos geram inflamações locais, desencadeando estomatite, disfagia, disgeusia, câncer bucal e outras patologias”, acrescenta.
Assim como os fumantes de cigarros tradicionais, os que usam os eletrônicos também devem ser orientados a manter a higiene bucal por meio de escovação e uso de fio dental e manter a hidratação bucal. “O ideal é procurar ajuda para abandonar esse vício, pois é função do profissional orientar o paciente ao caminho da cura, principalmente, por ser algo ilegal, sem fiscalização na produção, distribuição, armazenamento e venda”, alerta Rachel.
E ao parar com os cigarros, seja qual for o tipo, a pessoa precisará de algum tratamento especial? Segundo as profissionais, o paciente deve sempre procurar um cirurgião-dentista para ter avaliação de danos causados às mucosas, dentes e próteses. Inicialmente, ela precisará de alguns cuidados para retomar a saúde e estética bucal, podendo se beneficiar de profilaxias e clareamento nos dentes. Após uma avaliação criteriosa, é provável que essa pessoa tenha um plano de cuidados personalizado e periódico para efetivamente recuperar sua saúde bucal e poder manter um sorriso impecável.
Os benefícios de parar de fumar são quase imediatos. Em apenas 20 minutos, a frequência cardíaca cai. Em 12 horas, o nível de monóxido de carbono no sangue volta ao normal. Estudos mostram que a partir de 24 horas sem fumar, a pessoa já começa a experimentar benefícios de melhora, não só na cavidade bucal, mas em sua saúde como um todo.
“Em um ano, o risco das complicações bucais vai diminuindo, e após quatro anos podemos falar que o risco de câncer de boca pode se reduzir em 35%, podendo chegar ao risco semelhante ao de uma pessoa que nunca fumou, após 20 anos. Cada ano sem fumar diminui os riscos da periodontite, e de perdas dentárias. Com a cessação do tabagismo, também se tem melhor resultado de todo tratamento realizado, incluindo os cirúrgicos, como enxertos e implantes”, afirma Janaína.
Rachel complementa: “Entre duas a 12 semanas, a circulação melhora e a função pulmonar aumenta. Entre um a nove meses, a tosse e a falta de ar diminuem. Dentro de cinco a 15 anos, o risco de AVC é reduzido ao de um não fumante. Em dez anos, a taxa de mortalidade por câncer de pulmão é cerca de metade da de um fumante. Além disso, em 15 anos, o risco de ter uma doença cardíaca é igual ao de um não fumante, segundo a OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde).
Ela também lembra que os malefícios do cigarro eletrônico não se resumem à toxicidade do produto. Características como o potencial de abuso, manipulação do produto (o qual é proibido, portanto, não possui nenhum tipo de controle de qualidade), uso por crianças e adolescentes atraídos por curiosidade devido à novidade de sabores e aromas, e a possível transição desses jovens para produtos fumados após a primeira experiência, são igualmente importantes e o uso deve ser desestimulado. O paciente deve ser orientado a procurar tratamento e seguir em busca da cura.
“O que eu gostaria de frisar é que é possível parar de fumar e vale muito a pena essa decisão. Independente de quanto tempo o paciente fuma, de qual é a sua idade ou sua condição de saúde. Na maioria dos casos não é fácil se libertar desse vício, mas com auxílio de profissionais da saúde capacitados, isso se torna possível. Nós, cirurgiões-dentistas, podemos contribuir com a redução dos danos à saúde bucal e geral, auxiliando no consultório tanto aqueles que já estão preparados para cessar o tabagismo quanto casos mais desafiadores, encaminhando-os para as equipes multidisciplinares no SUS ou no setor privado, promovendo condições para o paciente enfrentar esse grande desafio, com apoio de métodos complementares, como terapias em grupo e medicamentos. Parar de fumar é escolher viver melhor!”, finaliza Janaína.
Cármen Guaresemin
Filha da PUC de SP. Há anos faz matérias sobre saúde, beleza, bem-estar e alimentação. Adora música, cinema e a natureza. Tem o blog Se Meu Pet Falasse, no qual escreve sobre animais, outra grande paixão. @Carmen_Gua