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Covid-19: como a pandemia pode ter agravado casos de TOC?

Quem já tinha sintomas leves de TOC, começou a ter quadros mais sérios com receio de contaminação - iStock
Quem já tinha sintomas leves de TOC, começou a ter quadros mais sérios com receio de contaminação - iStock

Milena Alvarez Publicado em 01/02/2021, às 14h00

Com a chegada da pandemia de Covid-19, a atenção com a higiene pessoal foi intensificada na rotina de grande parte da população por ser considerada a ferramenta mais eficaz de combate à doença. Entretanto, esse aumento do cuidado higiênico pode ter agravado casos de TOC (Transtorno Obsessivo - Compulsivo) ligados à limpeza.

Segundo Kalil Duailibi, professor de Psiquiatria da Universidade Santo Amaro (Unisa) e presidente do Departamento de Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina (APM), essa piora está ligada a uma preocupação excessiva com a higiene. “Nós entramos em contato com um vírus de fácil propagação e precisamos tomar mil cuidados higiênicos. Por um lado, é bom, pois as pessoas estão se cuidando mais. Mas, por outro, quem já tinha sintomas leves de TOC, começou a desenvolver quadros mais sérios com receio de contaminação”.

O TOC (Transtorno Obsessivo - Compulsivo) é um transtorno crônico caracterizado pela presença de obsessões e/ou compulsões.

Obsessão e compulsão

As obsessões são pensamentos, imagens e impulsos considerados indesejáveis, que provocam sentimentos angustiantes e desconfortáveis como o medo, dúvida e nojo. Na maioria dos casos, a pessoa percebe que o pensamento não faz sentido, mas não tem nenhum controle sobre ele, o que acaba consumindo tempo e atrapalhando as atividades do dia a dia.

As compulsões, por sua vez, são atos e comportamentos repetitivos que o indivíduo executa para atenuar as obsessões. Esse alívio permanece por um certo tempo, mas logo retorna e o ciclo recomeça.

Tipos de TOC e seus sintomas 

Não existe uma classificação definida para os tipos de TOC, a diferenciação é feita baseada na temática dos sintomas, e nada impede que uma pessoa sofra com mais de um tipo. 

Entre as principais manifestações de TOC estão: 

  • Medo de contaminação: essa é uma das mais frequentes obsessões e, geralmente, vem acompanhada por compulsão relacionada à limpeza. Nesses casos, a pessoa sofre com pensamentos ligados à contaminação dos germes e apresenta comportamentos repetitivos para trazer alívio. Alguns sintomas que caracterizam esse tipo são lavar excessivamente as mãos provocando vermelhidão e feridas, necessidade de verificar constantemente se algo está limpo e carregar lenços para limpar superfícies antes de tocá-las. Existem ainda pessoas que, mesmo tendo consciência de que estão limpas, precisam gastar um sabonete inteiro durante o banho para garantir a sensação de limpeza. 
  • Medo de machucar a si próprio ou alguém: as pessoas apresentam receio em se machucar ou machucar o outro. Um exemplo desse tipo de TOC é o medo de vazar gás e a casa pegar fogo. Nesse cenário, o indivíduo checa compulsivamente o fogão para ter certeza que nada acontecerá. Outra situação recorrente é o receio de ser roubado, o que leva a pessoa a confere muitas vezes se as portas estão trancadas ou dar várias voltas ao redor da casa para assegurar que não há nenhum assaltante. 

  • Necessidade de deixar coisas alinhadas e organizadas: esse tipo de TOC inclui obsessões de simetria com compulsões de contagem e organização, ou seja, as pessoas sofrem pensando que, se não estiver organizado, algo ruim pode ocorrer. Como exemplo desse caso está a organização das almofadas do sofá. Uma pessoa com esse tipo de TOC chega em casa e arruma as almofadas porque, para ela, não estão na ordem das cores ou simetricamente posicionadas. Entretanto, o sentimento de alívio após organizá-las é momentâneo e logo a obsessão por arrumá-las retorna, reiniciando o ciclo.

É importante lembrar que nem todos que têm obsessões ou compulsões são diagnosticados com o transtorno. Para ser considerado TOC, o indivíduo: 

  • Não consegue controlar seus comportamentos e pensamentos, mesmo sabendo que eles são exagerados 
  • Gasta pelo menos uma hora por dia com esses comportamentos e pensamentos 
  • Não tem prazer em realizar tal comportamento. Mas, fazê-lo traz alivia momentaneamente a ansiedade provocada pelo pensamento 
  • Ter problemas no cotidiano causados por esses comportamentos e pensamentos

Prevalência 

Considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma das dez maiores causas de incapacitação, estima-se que o transtorno atinge cerca de 4 milhões de brasileiros. “O pensamento de quem tem TOC é sempre assim: se eu não fizer isso, algo de ruim acontecerá comigo ou com alguém próximo”, comenta Kalil.

O TOC pode afetar crianças, adolescentes e adultos. Geralmente, os sintomas acompanham o indivíduo desde a infância, mas é na adolescência que acontece um agravamento por ser um período que se adquire mais responsabilidade e independência.

Apesar da causa certa ainda ser desconhecida, acredita-se que entre os principais fatores de risco do transtorno estão a genética, ou seja, ter familiares que tenham TOC ou algum transtorno de ansiedade grave pode aumentar as chances de desenvolver o quadro, e a estrutura e funcionamento do cérebro (estudos mostraram que pessoas com TOC apresentam diferenças em partes específicas do cérebro). Além disso, o transtorno também pode estar relacionado a algum trauma sofrido na infância. 

Diagnóstico 

Chegar ao diagnóstico de TOC nem sempre é uma tarefa fácil. Por apresentar sintomas parecidos com os de outros transtornos mentais, é necessário uma avaliação clínica para alcançar um diagnóstico certeiro. 

O primeiro passo é procurar um médico para avaliar os sintomas, realizar alguns exames e analisar o histórico familiar. Essa avaliação é fundamental para excluir a possibilidade de um problema físico estar causando os sintomas. Caso o quadro se assemelhe ao de TOC, o médico deve encaminhar o paciente ao psiquiatra para uma opinião adicional ou tratamento. 

Como tratar

O tratamento é realizado em diversos níveis, de acordo com a gravidade, através da terapia cognitiva comportamental (TCC) e/ou medicamentos que auxiliam a controlar os sintomas. A TCC é um tipo de psicoterapia que ensina maneiras de pensar, comportar-se e reagir diante das compulsões e obsessões, auxiliando a lidar com a ansiedade que essas situações podem provocar. 

Já o tratamento medicamentoso é feito com certos tipos de antidepressivos e, nos quadros mais graves, em que o indivíduo não obtém melhora com remédios, há ainda a possibilidade de realizar uma neurocirurgia.

Kalil enfatiza que o TOC é tratável e o resultado traz grande melhora na qualidade de vida dos pacientes. De acordo com ele, grande parte das pessoas demoram a procurar ajuda e, por ser uma doença crônica, isso acaba provocando um sofrimento prolongado “Existe uma crença de que o transtorno não tem jeito, não tem controle. Então, ela acaba desistindo antes mesmo de procurar ajuda”.

A melhor maneira de auxiliar pessoas diagnosticadas com TOC é incentivando-as a buscarem informações, além de estar sempre atento a alguém próximo que possa apresentar sintomas, orientando-o a procurar associações e ajuda de profissionais.

“Todos nós temos as nossas manias e rituais, isso não é TOC. O TOC é algo que realmente interfere e compromete a vida de uma pessoa, trazendo sofrimento”, finaliza Kalil.

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